A juventude entrega-se confiante ao professor certa de que ele sabe mesmo o que está fazendo. Será que merecemos a confiança que ela deposita em nós? Por que, ao menos, não desconfiamos um pouco de nossas certezas? (Lauro de Oliveira Lima)Aprendi a admirar o trabalho de Lauro de Oliveira Lima, sobre o que ele pensava, escrevia e aplicava na educação depois de sorver conhecimentos contidos em suas obras, em especial em A Escola no Futuro, cuja primeira edição é de 1966. A segunda, revisada, só chegou em 1974. Hoje, ainda atual, é leitura obrigatória dos novos docentes. Para os nem tão novos, aconselho que releiam. A história de Lauro, de sua mulher Elisabeth e também dos filhos, todos voltados para a educação, é enternecedora. O extraordinário cearense, pedagogo, nascido em 1921 e falecido em 2013, integrante dos capitaplanas (cabeça-chata), como ele próprio se autodenominava, tem uma incrível produção no mundo da educação. De cultura e inteligência invejáveis, foi dos poucos brasileiros a estreitar amizade pessoal com Jean Piaget, e, lógico, por aqui aplicar o trabalho psicogenético, ideologia do mestre suíço. Fanny Abramovich, em agosto de 1980, prefaciando outro livro do autor – Piaget para Principiantes – nos dá uma fotografia autêntica e realista da figura de Lauro.
Apresentar Lauro de Oliveira Lima é um desafio, um exercício dialético. De um lado, Lauro é um dos grandes nomes da pedagogia brasileira, um abridor constante de caminhos, um educador posto em ação e refletindo permanentemente sobre ela. Junto com Anísio Teixeira, Paulo Freire e Darcy Ribeiro, forma o quarteto mais fecundo, fértil e injustiçado da história da educação em nosso país. Por outro lado, Lauro é um ser polemizador, cutucador, contundente, irônico, debochado, avassalador em suas críticas e cobranças, um vendaval que sempre exige do seu aluno/leitor uma nova postura perante o que pensa e faz. Portanto, para ler o Lauro é necessário sempre uma visão aberta e porosa, um estar disposto a ser incomodado de maneira saudável e rica, sem perder de vista que ele sempre foi vanguarda em tudo que propôs na sua trajetória bonita pelo processo educacional.Grande frasista, o pensador Oliveira Lima gostava de citar Descartes, pai da dúvida metódica, que recomenda duvidar de tudo, mesmo que pareça evidente. A dúvida metódica funciona como a gramática (todo o processo burocratizado), como o calor para o gelo: não resistindo ao exame racional, melhorado pela evolução, o status quo é superado por novas normas, valores e noções. E é o que se pede em educação, atitude de duvidar dos métodos, dos processos e das certezas em vigor, reexaminando-as e repensando-as. Resistindo e, por óbvio, se for bom, incorporar como definitivo enquanto o provisório será posto de lado, que é o mesmo que acontece em todas as áreas da ciência e da tecnologia. Por que não com a educação, já que ao educador se exige sempre atitude honesta de rever criticamente a filosofia, a pedagogia e as tecnologias educacionais? A questão é alijar das rotinas escolares absurdos que se mantêm, perpetrados justamente por um grupo que deve ser arguto, crítico e indagador, o do professor, detentor de um poder assimilado e replicado pela universidade. Assim, duvidar é trocar o ponto final pelo de interrogação. Mas nisso também é preciso muito cuidado para que tal poder não se torne hegemônico, corporativista em excesso, discricionário e discriminante, num arroubo de que é o professor que manda na escola, por conseguinte, na educação. Em um capítulo do livro Hoje é dia de sabatina, professor, Oliveira Lima ficciona um encontro com professores a lhes provocar com uma bateria de dez propostas:
I) Quem educa, é o professor ou o próprio aluno que se educa? O professor é causa ou instrumento da educação?
II) Em didática, o problema fundamental é ensinar(vista do ângulo do professor) ou aprender (sob o ângulo do aluno)? O problema é saber ensinar ou saber aprender já que o professor ensina alguma coisa, ou ensina a aprender alguma coisa? Com isso, qual o nome da atividade do professor?
III) O ensinado atualmente é o que deve ser aprendido no mundo moderno? Estamos mantendo a velha tradição de que os currículos cristalizados são o que há de melhor para as novas gerações? Então, um currículo é um elenco de disciplinas ou um conjunto de atividades?
IV) Quanto se deve ensinar de cada coisa e, por lógica, quem fez os programas que são impostos aos educadores tinha discernimento para escolher o melhor?
Realizar os programas é mais importante que realizar os objetivos ou os objetivos realizam-se, automaticamente, com a realização do programa?
V) A quem se ensina ou quem aprende? Como se realiza, interiormente, a aprendizagem? Que fatores influenciam o aluno para aprender ou não aprender? A aprendizagem deve ser rápida ou lenta? Deve-se ensinar tudo a todos ou há algo que deve ser ensinado somente a alguns?
VI) Ensina-se para fazer o adolescente amadurecer ou para que ele conheça muitas coisas? Prepara-se na escola um homem culto ou um profissional? A quantidade do que se ensina é mais importante que a qualidade?
VII) Como se deve ensinar? Aprende-se a pensar na escola ou o pensamento é uma qualidade inata? O método depende do aluno ou do professor? Há um método para cada professor ou para cada aluno? Ou não deve haver método algum?
VIII) Até onde se pode modificar a natureza por meio da educação? Ao professor cabe educar ou somente instruir? É possível instruir sem educar ou educar sem instruir?
IX) A escola é ainda o fator básico da educação ou os meios modernos de TI superaram a força educadora da escola? Até quanto o rádio, a TV, o cinema, a internet, o jornal e a revista influenciam na educação?
X) Como deve ser uma escola? Devem os recursos técnicos ser mobilizados para a educação ou a influência pessoal do educador continua a ser o fator fundamental?
Como se vê, são perguntas que todo professor deve saber responder, ao menos ter pensado sobre elas porque significariam responsabilidade e é o que não pode faltar quando os pais entregam seus filhos para serem guiados pelos docentes, em qualquer nível escolar, pois, ao assumir uma disciplina, ele deve ter claros os objetivos a alcançar, mas também saber recorrer aos meios que levam ao que tinha em vista. Hoje, mais do que ontem, porém amanhã muito mais do que hoje, a ciência determina novas metas, novas atitudes e novas formas de ação não podendo a educação ficar a parte neste momento de racionalização e de domínio sobre a natureza. O que podemos esperar de novas pedagogias e didáticas no mundo de hoje?