“Quase todos nós crescemos com o tabu de que não devemos – nem podemos – errar. Sempre associamos sucesso com as coisas que dão certo. O resultado é que ficamos com medo de errar, acovardados com as consequências de um erro.” (Antonio Carlos Teixeira da Silva)Na época da industrialização de São Paulo, quando milhares de nordestinos migravam para a capital, era comum ouvir dizer que alguns deles nem acabavam de descer do ônibus na rodoviária e já jogavam uma toalha ao chão e começavam a vender suas quinquilharias. O mesmo acontece hoje em qualquer periferia, por mais longínqua e miserável que seja, porque há sempre um boteco e incipientes comércios oferecidos por alguns dos moradores. Por sobrevivência material, por não estarem habilitadas profissionalmente, por vocação empreendedora ou por qualquer outra razão, milhares de pessoas começam um negócio com base unicamente em seu instinto ou sensibilidade de perceber a necessidade de um serviço ou de um determinado bem para atender a comunidade local. Guiados por sua missão de empreender, indivíduos ousados e em constante aprendizado buscam, de todas as formas, caminhos para o sucesso de seus negócios. Robinson Shiba da “China in Box”, Alexandre Costa da “Cacau Show”, Daniel Mendes da “ Sapore”, Zica e Leila Velez da “Beleza Natural” e Edivan Costa da “Sedi” são exemplos de empreendedores que começaram com uma mão na frente e outra atrás e hoje são grandes empresários. Na realidade, toda empresa nasce pequena e no correr dos anos é que vai se desenvolvendo, como aconteceu com a “JBS S.A”. Nascida em 1953 pelas mãos de José Batista Sobrinho, o Zé Mineiro, que começou vendendo carne para as construtoras de Brasília. De um açougue em Anápolis/GO, hoje é uma das maiores indústrias de alimentos do mundo, operando no processamento de carnes bovina, suína, ovina, de frango e também na produção de couro e comercializando uma série de outros produtos de consumo. Outro exemplo é de Johnny Jardini, fundador da “Americanflex”, que, há 57 anos em São José do Rio Preto, comprou com um primo uma fabriqueta falida de colchão de capim e hoje produz e vende 500 mil colchões de espuma por ano com lojas e franquias por todo o Brasil. São centenas de milhares de empresas que começaram pequenas e que hoje são potências e que demonstram a inequívoca vocação empreendedora do povo brasileiro. É por esta razão que fico contrariado quando a mídia dá destaque demasiado a iniciativas de empreendimentos que acontecem nos EUA, como se fossem os únicos no mundo. No dia 24 de maio deste ano, a Folha de S.Paulo publicou uma entrevista com a paranaense Bety Yang, intitulada “O problema do empreendedor brasileiro é que ele pensa pequeno”. Graduada na FGV e com mestrado na Universidade de Pensilvânia, essa moça fora de série começou a trabalhar com empreendedorismo no Vale do Silício em 2005 abrindo a loja “Bazaar Brasil” que vendia produtos artesanais brasileiros. Em 2010, teve a ideia de criar a “Brasil Innovators” para promover o intercâmbio comercial e de consultoria entre empreendedores brasileiros e americanos e hoje é sucesso, pois além de expressivo faturamento, reúne mais que 15 mil membros associados. Questionada sobre as diferenças e semelhanças entre os cenários brasileiro e americano para a criação de startups (provedores de capital inicial), ela diz que a principal diferença é cultural. Aponta que no Vale do Silício todos falam em startups, que as universidades o tempo todo pensam e desenvolvem programas para promover o empreendedorismo e que há, principalmente, uma rede forte de investidores-anjo (empresários que colaboram com as novas empresas). Sobre o empreendedor brasileiro, ela diz que ele não pensa grande, não divide ideias, não é colaborativo e que, acima de tudo, não quer correr riscos. Refletindo sobre estas questões, fica claro que existem raízes culturais, históricas, geográficas e outras que explicam a formação diversa do povo que construiu cada nação, mas o principal fator é o econômico. A industrialização já estava bem avançada nos EUA na metade do século XIX, enquanto no Brasil começou nos anos trinta do século passado, quando a nação americana já era a maior potência mundial e detinha a liderança na produção de aço (máquinas), de petróleo (lubrificante) e universitária (cérebros). Para se ter a ideia da diferença entre a economia dos EUA e a do Brasil, o PIB americano em 1930 era de 849 bilhões de dólares e HOJE o PIB brasileiro está na casa do um trilhão de dólares. Tomando como referência este último aspecto, sabemos que a universidade particular brasileira não dispõe de recursos para investir em pesquisas e que as públicas, por sua vez, têm o seu foco na pesquisa pura e não no empreendedorismo. Sabemos ainda que os empresários americanos, diferentemente dos brasileiros, possuem benefícios tributários para seus investimentos promocionais. No livro “Criatividade e Grupos criativos”, de Domenico de Masi, ele explica a origem do envolvimento americano com o empreendedorismo. A Europa, detentora da hegemonia da criatividade desde os antiquíssimos feitos heroicos da Mesopotâmia e do Egito, exerceu esse domínio ininterruptamente até os anos 1930. Para fugir ao nazismo e ao fascismo, houve o êxodo dos cientistas, literatos e artistas europeus que no novo mundo americano puderam dar vazão à sua índole, aos seus gênios e personalidades. E, acolhidos por quem lhes concedeu recursos, trabalho e liberdade, puderam desfrutar de seus talentos e experiências. Todo o desenvolvimento norte americano foi lastreado neste fator agregador, que contribuiu para que os EUA ganhassem a vantagem competitiva da criatividade e inovação como elementos preponderantes em seu sucesso como nação líder. Não existiria o exuberante progresso se as empresas americanas não fossem permanentemente desafiadas a crescer e resolver problemas, criando ideias que geram produtos e serviços e que produzem resultados. (A bibliografia sobre criatividade e inovação que induziu os americanos é extensíssima e abundante). A afirmação de que brasileiro não gosta de correr riscos, guardadas as devidas proporções, precisa ser melhor avaliada, porque certamente uma empreitada malsucedida no Brasil desqualifica as pessoas para sempre, enquanto nos EUA o erro faz parte da aprendizagem. Considerar que para ter sucesso devemos ir por caminhos totalmente seguros é empecilho para que o mesmo aconteça. É uma forma de criar barreiras para encontrar novas ideias que focalizem a solução. Desmistificar a atitude medrosa é um indutor que deve desaparecer da cultura do empreendedor brasileiro, tal como explicita Mariana Fonseca no interessante artigo “7 lições que um empreendedor só aprende depois de errar” (Exame, 12/06/15). “Quem não arrisca não petisca” é um velho adágio caboclo que deve dar coragem aos empreendedores e estimular o otimismo para suas realizações. Desenvolver ideias originais, que jamais ninguém pensou nos dias de hoje, pode ser uma credencial profissional diferenciadora das pessoas, porque todos devem ficar cientes de que as coisas fáceis já foram feitas e agora só falta fazer as difíceis.