Por Ronaldo Mota*
Com a consolidação da instituição escola ao longo de milênios (lembremos da Academia de Platão, na Grécia Antiga, no séc. IV a.C.), até os tempos recentes, havia pouca dúvida de que, basicamente, aprendíamos na sala de aula, especialmente quando o(a) professor(a) estava explicando.
Por certo, as atividades clássicas do processo ensino-aprendizagem fazem parte relevante da educação. Cabe destacar que foi o amadurecimento do conceito da escola que permitiu que no século XX a educação contribuísse com um espetacular aumento de qualidade de vida (saltamos de uma expectativa de vida de 43 anos para 76 anos).
Porém, feito esse justo reconhecimento da educação tradicional, ela não dá mais conta da complexidade dos tempos atuais e da profundidade da riqueza de novos conhecimentos. Ao invés da temporalidade escolar e da centralidade na sala de aula e na figura do docente, de fato, aprendemos, cada vez mais, em todos os lugares, com todos e ao longo de toda a vida.
Os tempos atuais têm permitido conhecermos muito mais sobre nós mesmos, em especial sobre como aprendemos em um mundo digital, onde a informação/conhecimento está totalmente disponível, sendo instantaneamente acessível e, basicamente, gratuita.
No século passado, o domínio do conhecimento, bem como das técnicas e dos procedimentos a ele associados, foram as matrizes determinantes para o sucesso dos profissionais e para o bem-estar dos cidadãos em geral.
O século XXI, por sua vez, se caracteriza pela relativa ‘vulgarização’ da informação e pela necessidade de aprender a “curar’ os conhecimentos amplamente disponíveis, viabilizando juntar área diversas do saber e, em equipe, se preparar para resolver problemas complexos. Mesmo porque as tarefas simples tendem a ser resolvidas pela robótica, movida pela inteligência artificial e pela ciência de dados.
Alguns educadores advogam uma distinção entre cognição, associada à transmissão simples de conhecimentos, e a metacognição, com ênfase nas habilidades socioemocionais, incluindo a consciência acerca de como aprendemos, que habilitam à solução de temas mais sofisticados. Enquanto cognição, em princípio, pode ser mensurada via testes simples, seja numa folha de papel ou numa tela de computador, a metacognição demanda abordagens muito mais complexas.
A ciência do sono apresenta novidades que podem elucidar acerca de como, onde e quando aprendemos, com destaque para evidências que apontam que a aprendizagem está muito mais associada ao processo do sono do que imaginávamos antes.
Estudos recentes, em especial os do pesquisador Mattew Walker, chefe do Laboratório do Sono da Universidade de Berkeley, analisa em profundidade as duas etapas distintas do sono, a primeira fase, denominada NREM, a qual é caracterizada pela ausência de movimentos oculares rápidos, e a fase seguinte, REM, identificada pela presença de movimentos oculares rápidos.
A primeira fase (NREM) é imprescindível para o processo de reflexão, ou seja, o armazenamento e o processamento dos fatos e das habilidades experimentadas durante a vigília. Esta, de forma simplificada, é a etapa em que nosso cérebro, entre outras tantas tarefas, seleciona e discerne o que é memória de curto prazo e o que é de natureza permanente, alojando dados em compartimentos diversos de nossa mente.
A etapa seguinte (REM) é quando se dá a integração. Em outras palavras, a reflexão sobre a reflexão, estabelecendo as conexões entre as novidades vivenciadas durante o dia e o conjunto de dados armazenados anteriormente. É nesta fase que nós humanos construímos modelos mais precisos sobre como o mundo funciona, preparando-nos para descobertas inovadoras e a ampliação de nossa habilidade de resolver problemas não simples.
A correlação, do ponto de vista da aprendizagem, não é simples entre essas duas etapas do sono e cognição/metacognição. Embora tentador associar a primeira à cognição e a segunda à metacognição, é mais provável que ambas estejam presentes nas duas etapas.
Por enquanto, o que podemos afirmar é que o sono está muito ligado à aprendizagem, tornando destacável que, dada a importância da metacognição, nos tempos atuais, especial atenção deve ser conferida à fase REM do sono, onde a reflexão sobre a própria reflexão, a consciência sobre a própria aprendizagem, se desenvolve.
Por fim, em termos de provocação, em tempos de metaverso, seria possível, uma leitura onde, durante a vigília, nada mais somos do que avatares de nós mesmos. Neste caso, somos, na verdade, aqueles que dormem e que, usufruindo dos experimentos e sensações vivenciadas pelos respectivos avatares, durante o dia, moldam, durante o sono, quem efetivamente somos. Mas aí, fica para o próximo capítulo....
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*Ronaldo Mota é Diretor acadêmico do ITuring