Como as instituições holísticas superam as utilitárias

Espaço destinado à atualização periódica de tecnologias nacionais e internacionais que podem impactar o segmento educacional e, portanto, subsidiar gestores das instituições de ensino para que sejam capazes de agir proativamente olhando para essas tendências.

09/05/2023 | 2453

Como as instituições holísticas superam as utilitárias

Por: Carmen Tavares*

As instituições de ensino que investem em trabalhar as habilidades socioemocionais e a parte mais holística do ser humano são frequentemente chamadas de escolas humanistas ou escolas que adotam uma abordagem humanista na educação.

Essas instituições reconhecem a importância de ajudar os alunos a desenvolverem suas habilidades emocionais, sociais e pessoais, além das habilidades acadêmicas tradicionais. Elas se concentram em criar um ambiente de aprendizado que valorize o bem-estar e o desenvolvimento integral do aluno, bem como o seu crescimento intelectual.

Algumas instituições humanistas também podem ser chamadas de escolas progressistas, pois buscam avançar na educação por meio da inovação pedagógica, da participação do aluno no processo de aprendizagem e da valorização da diversidade cultural e das diferentes formas de aprendizado.

Nessa perspectiva, percebo que estamos diante da especial possibilidade de incentivar e dar evidência às instituições que vem ofertando uma prática diferenciada de ensino, que possa representar alternativa eficaz para o oferecido pelas fábricas de diplomas.

Se verificarmos, a guerra das baixas mensalidades faz com que a maioria das instituições trate a relação entre ensino e aprendizagem nos patamares falaciosos da instrução e treinamento (que se faz com professores sem engajamento, projetos pedagógicos estanques e com instalações e recursos apenas satisfatórios, se tanto).

O resultado dessa prática gera interações inconsistentes do aluno com o mercado através de diplomas que não conseguem refletir densidades didático-pedagógicas.

Os princípios que orientam as ações dos gestores de Instituições de ensino que buscam propiciar Educação de qualidade, devem estar fundados em três eixos que se complementam e potencializam intersecções entre a docência e o compromisso da qualidade na construção do conhecimento. Tais eixos são os da ética, da técnica e da estética.

Por ética deve-se compreender a busca de situar o discente na perspectiva de ego-histórico de seu tempo, capaz de prospectar ações que impliquem no desenvolvimento de habilidades como inovação, criatividade, autonomia e consciência socioambiental.

Técnica faz referência ao domínio pleno de habilidades e competências com as quais o futuro profissional realizará seus projetos, dominando, direcionando e confluindo conhecimentos e tecnologias incorporados às mais variadas carreiras que vierem a escolher.

Estética, por sua vez, trata da configuração de linguagens, códigos e estilos voltados a demandas variadas no universo de consumo que é definido como o conjunto de bens e serviços que são consumidos por indivíduos e famílias em uma determinada sociedade ou mercado. Educar para o consumo consciente é parte importante de uma educação consistente.

Tais eixos podem ser tomados como base de transversalidade da grade curricular. É a forma de propiciar interdisciplinaridades de fato, destinadas à “religação” dos saberes entre si e à “religação” entre o pensar acadêmico e a vida humana em sua totalidade.

Cornelius Jaarsma foi um educador e professor de educação na Universidade Calvin, nos Estados Unidos. Ele é conhecido por suas contribuições para a educação, especialmente na área de pedagogia. Uma das principais contribuições de Jaarsma para a educação foi a ênfase na formação integral do estudante. Ele acreditava que a educação deveria levar em conta não apenas a dimensão intelectual, mas também a dimensão moral, emocional e espiritual dos estudantes. Em seu livro "Education That is Christian", ele argumenta que a educação deve estar preocupada com a formação da pessoa como um todo e não apenas com a transmissão de informações.

Para nomear uma instituição como uma boa escola ou faculdade, dentre o universo de conceitos disponíveis, destaco um: boa escola é aquela que, superando as etapas da instrução e treinamento consegue tecer sua pedagogia em torno de um conceito de educação que garanta a legítima autonomia intelectual de seus alunos, reconhecendo e potencializando talentos. É assim que as grandes escolas se referendam quando preparam seus alunos para a vida em sociedade.

Há uma marca, uma reputação que é prioritária para muitos candidatos seja a um diploma de 3º grau, ou para qualquer carreira que o aluno vier a escolher.  Tal marca transcende falsas economias e projeta uma parcela de futuros cidadãos para a proposta de um ensino de excelência. Para tal, penso, cabe a cada instituição focar em seus diferenciais, apostando nas variáveis acadêmicas. Áreas consolidadas na identidade da instituição concernentes, na verdade, podem fornecer certificado natural de segurança ao aluno e ao mesmo tempo representar um diferencial competitivo frente aos concorrentes.

É claro que tal promessa institucional depende da consolidação das plataformas necessárias ao processo e que podem apresentar vantagens: concentração de saberes tais que deem aos campos em que atuam a autêntica multiplicidade de seus aportes no mundo atual.

É preciso, portando, distanciar o máximo possível esses dois campos, daquilo que normalmente se processa no ensino disseminado pelo país: formação apenas “adestradora”. Percebe-se que poucos jovens se interessariam pela aventura de formação se essa formação distendesse de forma previsível o que as inúmeras escolas de instrução apresentam.

É preciso ressaltar que o rigor das instituições que privilegiam a formação e não apenas a instrução implica no investimento do aluno para habilitar-se no sentido de dominar as demandas de uma sociedade desafiadora e fortemente seletiva.

Os currículos nessas instituições com essa proposta fazem referência a um universo de conhecimento transdisciplinar e literalmente contemporâneo, necessário à comunicação de significados em suportes de extensa mutação. Derivados das chamadas novas tecnologias ou extensões dos sentidos do humano, como preconizou Marshall MacLuhan. Tem como cenário o cotidiano lúdico do alunado e se converte em conhecimento necessário à compreensão e moldagem do chamado pós-modernismo. Os currículos devem ser constituídos de forma a não repetir equívocos de sua concorrência (que geralmente condiciona componentes curriculares ao estudo fragmentado de forma muito generalista, a suas fusões mais óbvias).

Penso que, em instituições de qualidade os currículos apostam numa especificidade importante: possibilitar reflexões e a práxis sobre as intersecções em vários campos do conhecimento contemporâneo numa categoria que elege os eixos da ética, da técnica e da estética como constituintes de sua pedagogia. Tal caráter holístico deve ser levado em conta por toda instituição que se propõe a ofertar o ensino básico ou superior, pois, ao formarmos futuros cidadãos para atuarem num mercado albergado pela economia do intangível, baseada quase que exclusivamente no conhecimento, essa inserção não pode ser alavancada apenas por uma elite dos alunos que estão nas grandes escolas privadas do país.

É preciso garantir o status de agentes aptos a atuar em todo o segmento social inclusive para os alunos que se encontram hoje nas instituições precárias que oferecem apenas instrução, ou nada. Faz-se necessário separar o joio do trigo, com uma boa métrica que possa impactar realmente na qualidade do ensino.

Outro aspecto para reflexão é em relação ao corpo docente. O ideal é que o corpo docente seja formado por mestres, especialistas e graduados que possuam experiência e legitimidade, o que deve garantir maior fluidez na implantação do projeto pedagógico do currículo, reforçarem o diferencial da instituição e dar boas repercussões na opinião pública. O próximo passo é favorecer atualização constante desse corpo, o que se dá por meio da educação continuada que incremente os saberes construídos em sala de aula. Também o investimento em laboratórios, espaços maker e em material de apoio didático contribui para aprimorar a identidade da escola.

Também é importante a forma como a escola se relaciona com a comunidade externa. Como a escola potencializa o conhecimento prático do aluno no mercado, e também como se comunica institucionalmente com a sociedade aberta. No primeiro caso, este é, talvez, um dos maiores diferenciais que se pode oferecer ao aluno: a possibilidade, real, deste se inserir em âmbitos profissionais, científicos, culturais e sociais de destacado valor social apoiando, promovendo ou patrocinando ciclos de variados eventos, feiras, exposições, palestras etc., em que o aluno possa amplificar sua autoestima relacionada à escolha acadêmica.

Tal prática é própria às melhores escolas e um empecilho às medianas. O sucesso dessas práticas garante a plena satisfação do aluno e contribui para o diferencial de seu currículo. Por outro lado, resolve também a nefasta questão das defasagens laboratoriais, já que é praticamente impossível à academia manter-se ininterrupta na vanguarda tecnológica.

Convicta de que os alunos oriundos de instituições que oferecem uma proposta acadêmica similar constituem no melhor sentido da palavra, uma elite cultural que se faz pelo repertório legítimo de sua formação, muito além das bases utilitaristas fornecidas pela maioria das escolas.

Associar uma instituição a esses ideais de excelência, torná-la referência e bom motivo para se investir em educação. Não custa pouco. Significa investimentos sucessivos da instituição e, por conseguinte, também de uma classe diferenciada do aluno comprometido, a qualquer custo, com seu sucesso pessoal e profissional.

É o preço para o peso assegurado aos diplomas emitidos por escolas comprometidas com qualidade de ensino. Atitude que deve se reverter em dividendos múltiplos a todos os agentes envolvidos nessas relações de ensino-aprendizagem. E que justificam tamanho esforço em oferecer currículos inovadores a uma sociedade cujo varejo quer saturá-lo. Mas que, como nos lembra Paulo Freire, admite brechas; aquelas que fazem da Educação um ato de sucessivas emancipações.

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*Maria Carmen Tavares Christóvão é Mestre em Gestão da Inovação com área de pesquisa em Inovação Educacional. Diretora da Pro Innovare Consultoria de Inovação atuou como Reitora, Pró Reitora e Diretora de Instituições de Ensino de diversos portes e regiões no Brasil. www.proinnovare.com.br

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Carmen Tavares

Gestora educacional e de inovação com 28 anos de experiência em instituições de diversos portes e regiões, com considerável bagagem na construção de políticas para cooperação intersetorial, planejamento e gestão no ensino privado tanto na modalidade presencial quanto EAD. Atuou também como executiva em Educação Corporativa e gestora em instituições do Terceiro Setor. É mestre em Gestão da Inovação pela FEI/SP, com área de pesquisa em Capacidades Organizacionais, Sustentabilidade e Marketing. Pós-graduada em Administração de Recursos Humanos e graduada em Pedagogia pela UEMG.

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