Por Carmen Tavares*
Nos últimos anos, tem havido um aumento significativo nas conversas em torno do Empreendedorismo Acadêmico ou Empreendedorismo Universitário. Essa terminologia refere-se à monetização de iniciativas acadêmicas, incluindo ensino, pesquisa e parcerias entre instituições de ensino superior e o setor produtivo. As discussões têm se concentrado na capacidade das universidades de se tornarem agentes no desenvolvimento econômico e social, aplicando conhecimento acadêmico de forma pragmática para fomentar atividades empreendedoras. Além disso, tem-se debatido o papel das universidades na criação de um ambiente favorável para a exploração econômica da propriedade intelectual, do conhecimento tácito e da pesquisa acadêmica.
Um dos exemplos é a relação simbiótica entre academia e mercado que ajuda a acelerar o ciclo de inovação, desde a concepção inicial das tecnologias até sua aplicação prática e comercialização. Ao colaborar de forma eficaz, tanto a academia quanto o mercado podem se beneficiar mutuamente, impulsionando o avanço tecnológico e promovendo o crescimento econômico e o progresso social. As Deep Techs, por exemplo, desempenham um papel crucial no avanço em direção aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma agenda global para erradicar a pobreza, proteger o planeta e garantir prosperidade para todos até 2030. Assim, direcionamos nossa análise de hoje para o contexto das Deep Techs.
Deep Techs são tecnologias baseadas em avanços científicos e engenharia de ponta, geralmente fundamentadas em descobertas recentes em áreas como inteligência artificial, aprendizado de máquina, biotecnologia, nanotecnologia, entre outras disciplinas. Essas tecnologias vão além das inovações incrementais e têm o potencial de causar impactos transformacionais em uma ampla gama de setores, desde a medicina e a indústria automotiva até a agricultura e a energia. Dada a sua natureza altamente especializada e disruptiva, a adoção e implementação de Deep Techs enfrentam desafios únicos que vão além dos limites universitários.
No cenário empresarial, é preocupante observar o vasto potencial técnico e tecnológico presente no Brasil e a falta de iniciativas que traduzam esse potencial em valor tangível para o mercado, algo que é comum nos países desenvolvidos. Nesses países, a colaboração entre universidades e o setor privado é uma prática rotineira, resultando na transformação de ideias acadêmicas em produtos e serviços inovadores que impulsionam o desenvolvimento econômico e tecnológico.
Essa lacuna representa uma oportunidade perdida para o Brasil alcançar seu pleno potencial como um hub global de inovação e empreendedorismo. Para aproveitar ao máximo nossos recursos técnicos e tecnológicos, é crucial estabelecer parcerias estratégicas entre universidades, setor produtivo e governo, incentivando a transferência de conhecimento e tecnologia da academia para o mercado.
A relação entre academia e mercado desempenha um papel fundamental na implantação bem-sucedida de Deep Techs. A academia geralmente é o berço onde muitas dessas tecnologias são concebidas e desenvolvidas. Pesquisadores e cientistas em universidades e instituições de pesquisa são responsáveis por avanços significativos em campos como inteligência artificial, biotecnologia, nanotecnologia e outros que impulsionam o desenvolvimento de Deep Techs.
Por outro lado, o mercado é onde essas tecnologias encontram aplicação prática e são comercializadas. As empresas têm o conhecimento e os recursos necessários para adaptar e implementar essas tecnologias em ambientes do mundo real. Portanto, a colaboração e a transferência de conhecimento entre academia e mercado são essenciais para o sucesso da implantação de Deep Techs.
A academia fornece a base teórica, as habilidades técnicas e o conhecimento especializado necessários para o desenvolvimento das tecnologias, enquanto o mercado oferece insights sobre as necessidades e demandas dos clientes, além de recursos financeiros e infraestrutura para levar essas tecnologias ao mercado.
A colaboração entre academia e mercado pode ocorrer de várias formas, como parcerias de pesquisa entre universidades e empresas, programas de estágio e intercâmbio para estudantes e pesquisadores, organismos estudantis e até mesmo a criação de incubadoras e centros de inovação que facilitam a transferência de tecnologia e o desenvolvimento de startups baseadas em Deep Techs.
O empreendedorismo acadêmico passou por mudanças significativas desde a criação dos primeiros escritórios de transferência de tecnologia (TTOs) no final do século passado. Houve um aumento na competitividade na economia baseada no conhecimento, o que consequentemente alterou o foco competitivo, com o crescimento econômico sendo cada vez mais impulsionado pelo conhecimento, o que deliberadamente promove o desenvolvimento social.
Universidades empreendedoras se apresentam como tendência de expressão internacional, com trajetórias de desenvolvimento diversificadas, independente da forma com que se expressam socialmente ou das ações que adotam para tal fim. Em artigo, também de fevereiro 2021, Shaping the entrepreneurial university: Two experiments and a proposal for innovation in higher education, Henry Etzcowitz, pesquisador de reputação internacional em estudos de inovação como criador dos conceitos de "Universidade Empresarial" e "Tripla Hélice", define alguns elementos como prática de inovação para que a universidades possa ser caracterizada como empreendedora. Um dos elementos, denominado como Novum Trivium, está relacionado a práticas inovativas e iniciativas dos professores. Ele fornece um modelo para integração do empreendedorismo no currículo de forma criativa e prática e não designado como disciplina com o objetivo de que “alunos aprendam como colocar seu conhecimento em prática adquirindo uma nova linguagem e uma nova compreensão cultural para interagir globalmente”. Como essência da teoria criada pelo autor, a Tripla Hélice preconiza a interligação entre empresas e universidades através de “papéis duplos compartilhados em cada ambiente, atraindo de volta para a universidade, em regime de meio expediente, empreendedores científicos da indústria para servirem como modelos empreendedores”. Ao citar indústria, subentende também o segmento de serviços/mercado.
Na pesquisa de Etzcowitz, os projetos foram denominados de Link, pois fazem a ponte entre as instituições, constroem laços entre uma universidade que tenha visibilidade e liderança como instituição empreendedora. Na pesquisa foi designada a Universidade de Stanford e uma outra instituição, a Universidade de Edimburgo, denominada de aspirante, aproveitando o fator de que cada instituição com inserção loco regional possa realizar uma interface com a cultura empreendedora da outra. “O artigo demonstra como a indústria e o ensino superior são integrados por essas iniciativas”, afirma o autor.
Para quem quer compreender com mais profundidade a Educação para o empreendedorismo e como tornar sua instituição empreendedora indico o paper mais lido no mundo no ano de 2019 “Building builders: entrepreneurship education from an ecosystem perspective at MIT” (Artur Tavares Vilas Boas Ribeiro, Juliana Natsumi Uechi e Guilherme Ary Plonski).
O estudo trata de novas possibilidades na educação para o empreendedorismo. Com o surgimento das universidades empreendedoras, acadêmicos e gestores universitários passaram a dar mais atenção ao fomento do empreendedorismo entre os alunos. Contudo, a pesquisa em educação para o empreendedorismo tornou-se mais orientada para atividades de professores e negligenciou o ecossistema de empreendedorismo em torno da universidade e seu papel na educação de um empresário. Este artigo tem como objetivo apresentar novas possibilidades para educação para o empreendedorismo a partir desta perspectiva de ecossistema. O método foi um estudo de caso do Instituto de Tecnologia de Massachusetts - MIT, e os resultados mostram práticas que vão além do modelo clássico de sala de aula, envolvendo atividades, programas de mentoria, competições e outros. Cursos baseados em projetos, atividades baseadas na experiência e atividades baseadas em atividades são bem abordadas nos dados apresentados. Nas discussões, também apresentamos um modelo de organização do empreendedorismo esforços de educação e comparamos nossos resultados com outras pesquisas sobre universidades empreendedoras. A conclusão reforça a necessidade de ver a educação empreendedora através da lente dos ecossistemas, destacando oportunidades para estudos futuros
Voltando ao estudo das Deep Techs é como dar vida a tecnologias muito avançadas e complexas dentro de uma empresa ou organização. É um processo que envolve várias etapas importantes para que essas tecnologias sejam adotadas e utilizadas com sucesso.
Primeiro, é preciso identificar onde essas tecnologias podem ser úteis dentro da organização, ou seja, em quais áreas elas podem resolver problemas ou melhorar processos já existentes.
Depois disso, é necessário avaliar se é realmente viável usar essas tecnologias. Isso significa pensar se é financeiramente possível, se temos os recursos técnicos necessários e se faz sentido para a nossa situação específica.
Uma vez que tenhamos decidido seguir em frente, entramos na fase de desenvolvimento e testes. Aqui, trabalhamos para criar as tecnologias e testá-las em situações controladas, para garantir que elas funcionem como esperado e atendam às nossas necessidades.
Após termos certeza de que as tecnologias funcionam, precisamos integrá-las aos processos já existentes na empresa. Isso pode exigir ajustes nos fluxos de trabalho, treinamento da equipe e adaptação de sistemas.
E, é claro, uma vez que as Deep Techs estejam em operação, precisamos monitorá-las de perto para garantir que estão funcionando conforme o esperado e que estão trazendo os resultados desejados. Isso pode envolver a coleta e análise de dados, identificação de áreas de melhoria e ajustes conforme necessários.
No final das contas, implantar Deep Techs é um processo desafiador, mas que pode trazer muitos benefícios se for feito com cuidado e atenção aos detalhes.
Em síntese, é preciso pensar sobre a interação entre o mercado e a universidade como esforço fundamental para impulsionar o desenvolvimento socioeconômico, a inovação e o progresso científico evitando inclusive a fuga de cérebros e massa crítica. A colaboração entre essas duas esferas cria um ambiente propício para a troca de conhecimento, a formação de profissionais mais qualificados e a geração de soluções práticas para os desafios contemporâneos. A união entre mercado e universidade não apenas fortalece a competitividade das empresas, mas também enriquece o ambiente acadêmico, aproximando-o das demandas reais da sociedade. Portanto, investir e incentivar parcerias estratégicas entre o mercado e a universidade é essencial para promover o crescimento sustentável e a inovação em todas as esferas da sociedade.
A inovação e o empreendedorismo acadêmico é o propósito que move a Pro Innovare. Estamos abertos para atendê-los e trocarmos experiências. Venha conversar conosco!
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*Maria Carmen Tavares Christóvão é Mestre em Gestão da Inovação com área de pesquisa em Inovação Educacional. Diretora da Pro Innovare Consultoria de Inovação atuou como Reitora, Pró Reitora e Diretora de Instituições de Ensino de diversos portes e regiões no Brasil. www.proinnovare.com.br