Você já viu um elefante cor de rosa voando?

Espaço destinado à atualização periódica de tecnologias nacionais e internacionais que podem impactar o segmento educacional e, portanto, subsidiar gestores das instituições de ensino para que sejam capazes de agir proativamente olhando para essas tendências.

17/09/2024 | 1381

Você já viu um elefante cor de rosa voando?

Por Carmen Tavares*
 
Só a torcida não decide o placar...
 
Há certas coisas em relação às quais ninguém é contra, muito pelo contrário, mas nem por isso, elas deixam de ser problemáticas. Pensar em processos de mudanças e inovação nas empresas beira a utopia. Isso porque eficiência, qualidade, cooperação entre os setores, paz, amor, enfim, tudo o que é bom possui uma legião fanática de adeptos em qualquer quadrante da face da terra.
 
Mas, entretanto, todavia, porém, contudo, se boa vontade movesse montanhas, há muito a humanidade teria reconquistado o paraíso perdido, infelizmente, não é o que acontece. As empresas precisam ser competitivas e gerar inovações que agreguem valor para os usuários finais, mas continuamos a ter que ganhar o pão de cada dia com o suor do rosto. O único senão, em meu modesto ponto de vista, é que dar duro para construir uma cultura de inovação, não é o melhor projeto para instituições acomodadas. Muito menos nos dias de hoje, por razões que logo discutiremos.
 
Quem tem pressa come cru...
 
Sem precipitações, eis a minha receita para um bom cozido. Por hora, proponho que continuemos a pavimentar o terreno do nosso diálogo, filosofando um pouco mais. Sinto ser este o melhor caminho rumo o coração do nosso tema – como inovar nas organizações. Fazendo escalas intermediárias nos dilemas, problemas e opções sobre mudanças de paradigmas. Posto desta forma parece-me de bom tamanho.
 
A bola de cristal como artigo supérfluo...
 
Desde os anos 60, a História dá sinais de que ingressamos numa nova era. Poetas, artistas e futuristas estavam com as antenas ligadas e foram os primeiros a captar os sinais dos tempos. Outros curtiam, alguns criticavam, a maioria silenciosa ignorava, fato que ainda hoje acontece. Por favor, não vejam nenhuma crítica nas minhas palavras, ao menos por enquanto, pois estou convencida de que não há nenhum demérito pessoal se não temos em nossas veias algumas gotas de sangue dos profetas que conseguem prever o futuro. Assim, qualquer que fosse a reação criativa na década de 60, de militância ou implicância, a década era suficientemente rica e confusa para ser inclusa. Nestas circunstâncias ninguém, mas ninguém mesmo, tem a obrigação de ser profeta! Afinal, como definir o norte nos anos que deram a luz...
 
Aos Beatles e a Che Guevara?
 
A Kennedy e aos Vietcongs?
 
Aos Hippies e aos Falcões do Pentágono?
 
A Chico Buarque e a Roberto Carlos?
 
A Castelo Branco e a Salvador Allende?
 
Ao movimento feminista e ao renascimento da Ku, Klux, Klan?
 
A aliança para o progresso e a revolução cultural do Camarada Mao?
 
Só com bola de cristal mesmo! E olha que fiquei nestes exemplos apenas. A década foi muito mais louca e irreverente do que a minha capacidade de retratá-la.  Recordo-me bem que na bela letra “O Som do Silêncio” (The Sound of Silence), Paul Simon e Art Garfunkel cantavam que os sinais dos profetas estavam escritos nas paredes do metrô. Na mesma época, em que os estudantes de Paris ocupavam o Quartier Latin e pichavam os muros com os seus sinais, dentre os quais: “a imaginação no poder”. E querem saber de uma coisa? Eles estavam certos.
 
Do futurólogo ao presentólogo...
 
Nos anos 60, e até certo ponto até os anos finais do século XX, para as organizações, o futuro era amanhã. Reinavam soberanas com poucos competidores no mercado e não havia razão para inovação como estratégia competitiva. Tínhamos todo o tempo do mundo para: pensar, planejar, errar e consertar. Após 1970 a História dava mais uma volta no torniquete cercando o espaço de manobra para todos aqueles que tinham que sair em busca do tempo perdido. Mesmo assim, com boa vontade, podia se alegar que o desafio então era o de construir o futuro no presente. Portanto, para quem não queria, não podia, ou não sabia mudar, convinha viver entre os anos 60 e 80. Apesar de todas as mudanças ocorridas nesse período, para aqueles que preferiam não fazer nada além das rotinas do dia a dia, sempre havia uma boa desculpa ao alcance das mãos.
 
Basicamente, das duas uma (ou mesmo ambas): 
 
Todo aquele agito parecia coisa de irreverentes e não de gente pacata, sensata e normal;
 
Depois, dos implicantes aos pacifistas, todos eram contra o sistema. Só que o sistema era quem os alimentava, abrigava etc. Então porque toda essa barulheira se alguns preferiam ficar do lado do establishment?
 
Sem problemas! Quer dizer, até então sem problemas! Só que, hoje, o futuro foi ontem. E é justamente aqui que reside o drama dos retardatários, sejam eles países, políticas, instituições ou indivíduos: ontem carentes de visão, hoje impotentes de ação.
 
Como viver com a necessidade de mudanças e inovações constantes?
 
Hoje, do ocidente ao oriente, do primeiro ao terceiro mundo, não há escapatória: o lema (ou dilema) é inovar, é mudar! Olhe a sua volta e veja se você é capaz de encontrar os edifícios do bom e velho sistema. Com certeza, sobrevivem apenas seus vestígios arqueológicos. A velha ordem implodiu de vez, estamos diante da tarefa entusiasmante para alguns, apavorantes para outros de reinventar nossas organizações, seus credos e junto com elas nosso estilo de atuação. Portanto, não estranhe se você homem, mulher, rico ou pobre tiver mais:
 
Dúvida que certeza;
Perguntas que respostas;
Desafios que rotinas;
Insegurança que segurança;
Adrenalina que sacarina.
 
Afinal,
 
O muro de Berlim ruiu;
A sociedade industrial encolheu;
A indústria de serviços eclodiu;
O Apartheid escureceu;
Coréia e China e outras lanterninhas estão na pole position.
 
E por aí vai. A melhor receita de sobrevivência para uma época de descontinuidade como a nossa é: mude, faça, aconteça! Agora, aqueles que acham que o mar não está pra peixe ajudariam muito se saíssem do caminho daqueles que estão fazendo (ou tentado fazer) às coisas acontecerem.
 
As bolas da vez...
 
Como disseram os profetas desde priscas eras: sinais dos tempos. Resta saber se o seu guru predileto prega o apocalipse, o eclipse ou salto tríplice rumo ao admirável mundo novo. Em todo caso, a escolha é sua. Mesmo porque, hoje é bem mais fácil ser profeta e anunciar aos quatro ventos que a saída está na:
 
Fusão;
Aquisição;
Globalização da economia;
Empreendedorismo gerencial;
Terceirização de serviços;
Empowerment;
Orquestração metodológica;
Novas Tecnologias;
Inteligência Artificial;
 
Aceito palpites quanto às próximas bolinhas...
 
Eis o quadro de uma revolução fantástica e nada convencional: sem partidos, sem paredón, sem palanque, faixa, raiva, revolta, ódio. Uma revolução de talento, iniciativa e massa cefálica. 
 
Reaprendendo a mudar...
 
Dizem os especialistas que o homem possui três formas de reaprender a mudar: 
 
Por adaptação: Acúmulo de conhecimentos. Imitação, continuidade, de modo a manter o status quo.
Por choque: Relação de pânico diante do fracasso ou crise, numa tentativa desesperada de reconquistar o paraíso perdido.
Por inovação: Antecipação e influência sobre a realidade, de modo a criar um futuro desejado.
 
O admirável mundo novo que mencionei acima está sendo reconstruído através da terceira forma, retardada pela segunda e inviabilizado pela primeira. E isto por uma razão muito simples: dos australopitecos ao homo erectus, do paleolítico aos nossos dias, a humanidade sempre esteve às voltas com dois tipos de mudanças:
 
As mudanças lineares são lógicas, ordenadas, cumulativas, previsíveis, sequenciais, sujeitas às leis de causa e efeito e evolucionárias. 
As mudanças não lineares, por seu turno, são desordenadas, descontínuas, imprevisíveis, caóticas e revolucionárias. 
 
Conforme o ciclo histórico, ora uma está no comando, ora outra. Para sorte de alguns e azar de outros, os dias atuais são tipologicamente inclinados a padrões de mudanças nada lineares. Obviamente elas coexistem com padrões transformativos mais bem comportados, pois nem tudo que se faz hoje em dia é fatalmente subversivo. O espírito da época é uma questão de ênfase, não de monopólio absoluto.
 
Onde a porca torce o rabo...
 
Existe uma vasta literatura a respeito da afamada resistência à mudança e o diagnóstico vai do medo à falta de caráter. Seja como for, tenho para mim que, dentre muitas, três causas pesam contra a mudança:
 
Nosso sistema formal e informal nunca demonstrou uma queda especial em relação a como fazer mudanças pessoais e sociais. Trata-se, portanto, de uma matéria na qual quase todos somos analfabetos.
Depois, sempre é mais fácil fazer as coisas como sempre as fizemos durante a vida toda. Aprender, reaprender exige que invistamos tempo, esforços, tem um custo econômico, pode ser estressante e vai por aí afora.
Qualquer mudança rompe com as rotinas, subverte relações conhecidas e nos atira, em maior ou menor grau, rumo ao desconhecido.
 
Sendo assim, cada um na sua, por que procurar sarna prá se coçar? Enquanto não havia um mercado com alto grau de competitividade, não havia motivos para se preocupar com os aspectos como mudanças e inovação.
 
Destorcendo (e distorcendo) o rabo da porca...
 
É uma boa pergunta e creio que afora mudar, inexiste alternativa. Isto desde que não esteja em nosso projeto de vida, organizacional e social, sermos sobrepujados por outras partes do mundo e relegados à famosa lata de lixo da história. Então, é preciso mudar! A boa notícia é que existem estratégias e métodos que facilitam a mudança tal como existem estratégias e métodos que nos ensinam a reproduzir o mundo que herdamos dos nossos pais ou avós. Não precisamos entrar em estado de choque para fazer alguma coisa (modelo do choque). Também não precisamos adotar o célebre provérbio francês “plusça change, plus c est la même chose” (modelo adaptativo). Para distorcer o rabo da porca a saída honrosa passa pelo modelo de aprendizagem para inovação.
 
Eu, nós e as circunstâncias...
 
Os homens e as organizações sociais possuem o dom da aprendizagem que os habilita a notáveis proezas das quais outros seres estão, no geral privados. Assim, indivíduos podem transcender as adversidades impostas por uma infância de carência afetiva, social e cultural. Da mesma forma que, ao longo da história, alguns povos tem demonstrado que é perfeitamente possível superar adversidades naturais, culturais, sociais, demográficas e edificar uma nova civilização. O Japão moderno ilustra com perfeição esta possibilidade. Vejam a ficha técnica:
 
Uma ilha mãe rodeada de ilhas satélites;
Viveu até o século passado enclausurado num regime feudal;
Ingressou no Sec. XX com índices de pobreza e exclusão social de fazer inveja aos atuais países do terceiro mundo;
Aproximadamente 70% do solo imprestável para agricultura, por ser montanhoso ou rochoso;
Os demais 30% são destinados a abrigar mais de 127 milhões de habitantes, cidades, agriculturas e pecuária;
Carente de matéria prima;
Fustigado periodicamente por furacões, maremotos e terremotos;
Derrotado na segunda grande guerra mundial, sendo o único país até hoje a sofrer um bombardeio nuclear e inúmeros tsunamis.
 
Ainda assim, chegou aonde chegou. Outros povos, neste exato momento trilham o mesmo caminho. E ainda existem os que se embrenham pelo descaminho da desesperança. Entre as diferenças que os separam gostaria, a partir de agora, de abrir um espaço para conversarmos sobre inconformismo e a visão do túnel. Porém, fica uma ideia como provocação: somos menos produto do meio do que o meio é nosso produto.
 
Positivamente inconformados...
 
Revolta e inconformismo são sentimentos humanos tão legítimos como o amor e o conformismo, podendo ser igualmente construtivos, como destrutivos.
 
Senão vejamos:
 
Amor - A face construtiva: crescei e multiplicai-vos.    
A face destrutiva: morrer de amor.          
 
Conformismo - A face Construtiva: aceitar a pluralidade racial e cultural da espécie humana. 
A face destrutiva: Desenvolver posturas preconceituosas face à diversidade humana.
 
Inconformismo – A face construtiva: Não se resignar diante da adversidade.  
A face destrutiva: Aceitar a adversidade como uma fatalidade.
 
Revolta – A face construtiva: Canalizá-la para a realização de um sonho. 
A face destrutiva: Remoer-se no ódio, no ressentimento e na inveja.
 
Ao rejeitar a sina dos anos 50 e 60, onde Made in Japan era sinônimo de porcaria, o Japão contemporâneo está sendo um exemplo de inconformismo positivo. Penso que as organizações ao apostarem no potencial criativo do inconformismo vão fazer toda diferença e se tornarem alternativas às soluções importadas.
 
A visão do túnel...
 
Crise e adversidades, quando mal gerenciadas, têm o dom de criar uma visão negra a respeito do presente. Se elas persistirem por muito tempo, a escuridão poluirá o futuro também. Dentro do túnel, por mais que procuremos a luz, a paisagem é monótona e indistinguível. Fora do túnel, podem estar acontecendo coisas fantásticas. Porém quem está dentro, com certeza, estará perdendo o incrível espetáculo de ver um elefante cor de rosa voando. Aliás, dentro do túnel sem eletricidade não poderão nem mesmo ver o Dumbo do Walt Disney, que dirá um paquiderme exótico.
 
A síndrome do túnel costuma ter muitos nomes: 
 
Choque do Futuro, na linha de Toffler;
Apatia, na psicanálise;
Impotência, na linha sexual;
Alienação, na linha sociológica;
Burocracia, na linha organizacional (isso te lembra alguma coisa)?
 
Não importa, dá na mesma! Isto é, as pessoas sempre acabam, de uma forma ou de outra, inviabilizando a saída. Elaboram milhares de desculpas. A única coisa que não fazem é examinar a sua própria responsabilidade.
 
Entre o passado, o presente e o futuro...
 
No entanto, a partir do momento em que analisamos o tema com maior isenção e menor espírito de autodefesa, somos capazes de antever que a resistência ao novo está com seus dias contados. É claro que o reconhecimento do descompasso que existe hoje não tem o poder de diminuir a inquietação gerada pelos impactos do ônus que recai sobre as organizações. Porém, a esperança se infiltra quando nos damos conta que o futuro pertence àqueles que o estão construindo hoje. O meu trabalho de criar nas empresas uma cultura de inovação é parte dessa história. Sem dúvida, um bom começo para ver, voando o elefante cor de rosa.
 
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*Maria Carmen Tavares Christóvão é Mestre em Gestão da Inovação com área de pesquisa em Inovação Educacional. Diretora da Pro Innovare Consultoria de Inovação atuou como Reitora, Pró Reitora e Diretora de Instituições de Ensino de diversos portes e regiões no Brasil.  www.proinnovare.com.br  

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Carmen Tavares

Gestora educacional e de inovação com 28 anos de experiência em instituições de diversos portes e regiões, com considerável bagagem na construção de políticas para cooperação intersetorial, planejamento e gestão no ensino privado tanto na modalidade presencial quanto EAD. Atuou também como executiva em Educação Corporativa e gestora em instituições do Terceiro Setor. É mestre em Gestão da Inovação pela FEI/SP, com área de pesquisa em Capacidades Organizacionais, Sustentabilidade e Marketing. Pós-graduada em Administração de Recursos Humanos e graduada em Pedagogia pela UEMG.

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