Por: Carmen Tavares*
Espiritualidade nas Universidades: Resposta ao Excesso de Racionalismo?
“A razão da minha vida é viver para Deus e para minha alma.” — Lev Tolstói
No fim de sua vida, o escritor russo Lev Tolstói, conhecido mundialmente por obras como Guerra e Paz e Anna Kariénina, atravessou uma crise existencial que o levou a uma conversão espiritual radical. Depois de conquistar fama, riqueza e reconhecimento, Tolstói passou a considerar a vida sem Deus como insustentável. Abandonou o luxo, reaproximou-se da simplicidade e passou a escrever sobre a alma, a verdade e a transcendência. Para ele, a razão humana, por mais afiada e refinada que fosse, não era suficiente para sustentar o sentido da existência. Era preciso Deus.
Esse tipo de reflexão, que parece pertencer a outro século, tem se mostrado cada vez mais atual. Hoje, em um tempo de avanços científicos e hiperconectividade, cresce silenciosamente uma inquietação nas universidades do mundo todo. Estudantes e jovens acadêmicos, formados no rigor do pensamento crítico e do método científico, começam a se perguntar: "Tudo isso é suficiente?". A racionalidade, embora poderosa, parece não dar conta das angústias existenciais mais profundas. E nesse vácuo, emerge a espiritualidade.
Quando a Razão Não Basta
O ambiente universitário é, tradicionalmente, um espaço de celebração da razão. A lógica, o ceticismo e o questionamento são valores centrais da formação acadêmica. Contudo, em meio à pressão por desempenho, à competitividade e à fragmentação do conhecimento, muitos jovens começam a sentir um vácuo. A pergunta de Tolstói ecoa silenciosamente nos corredores e bibliotecas: para que tudo isso?
É exatamente essa ausência de sentido que tem gerado uma nova abertura ao espiritual. Em diversos países, inclusive no Brasil, movimentos de busca por Deus, por transcendência, por algo maior, têm surgido nos campi universitários. São encontros espontâneos de oração, meditação, louvor, partilha, arrependimento e reconciliação. O que surpreende é que tudo isso parte dos próprios estudantes, muitas vezes sem lideranças institucionais ou estrutura organizada.
Os Sinais do Despertar Espiritual
Nos Estados Unidos, o caso mais emblemático foi o Avivamento de Asbury, ocorrido em fevereiro de 2023, quando uma reunião rotineira em uma capela se transformou em uma reunião ininterrupta de oração e adoração por 16 dias. Jovens permaneceram voluntariamente em confissão, louvor e silêncio, sem nenhuma celebridade, sem grandes produções. O que começou com algumas dezenas de alunos atraiu cerca de 70 mil pessoas de todo o país.
Inspirados por esse movimento, outras universidades americanas também passaram a organizar (ou simplesmente permitir) encontros semelhantes: Ohio State University, Texas A&M, Lee University, entre outras. Em Auburn University, um evento conhecido como UNITE Auburn culminou em centenas de batismos espontâneos.
Essas manifestações não se limitam aos Estados Unidos. Em países da Ásia e África, há também um crescimento notável de grupos universitários de oração, redes de apoio espiritual e serviço social fundamentado na fé. O que une esses movimentos é a percepção de que a vida acadêmica, sozinha, não é suficiente para sustentar a alma humana.
O Contexto Brasileiro
No Brasil, o fenômeno também se manifesta com peculiaridades locais. A Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB) está presente em diversas universidades, como a USP, a UFRJ e a UFPR, promovendo estudos bíblicos, debates sobre fé e ciência, e a formação de líderes cristãos. Esses grupos têm crescido especialmente entre alunos de graduação e pós-graduação, que encontram ali um espaço seguro para refletir sobre espiritualidade sem dogmatismo.
Na Universidade Estadual de Londrina (UEL), o Grupo de Oração Universitário (GOU) promove encontros semanais que unem estudantes de diversas áreas para orar e compartilhar experiências de fé. Na Udesc, apesar de polêmicas envolvendo restrições a reuniões religiosas, grupos cristãos mantêm ativações regulares nos intervalos de aula.
A Universidade Federal do Ceará (UFC) abriga o grupo Vidas Para Cristo, que realiza orações abertas no campus e projetos sociais com estudantes em situação de vulnerabilidade. Na UFPR, pesquisas indicam que boa parte dos alunos mantém algum vínculo religioso, e o debate entre espiritualidade e educação tem ganhado espaço nos últimos anos.
Por que agora?
A questão que surge é inevitável: por que tantos movimentos espirituais têm surgido agora, justamente em um dos ambientes mais racionalistas da sociedade?
A resposta pode estar no esgotamento de um modelo de formação baseado apenas em performance, dados e métricas. A mente humana precisa de muito mais do que eficiência; ela precisa de sentido. E o coração, mesmo que silenciado por anos de exigência acadêmica, sabe gritar quando sente fome do eterno.
Como Tolstói, muitos universitários descobriram que a razão, por mais nobre e necessária que seja, é limitada. Ela não responde à dor do luto, à pressão por pertencimento, à ansiedade diante do futuro. Para essas dores, a alma pede outra linguagem.
A Universidade Pode Ser Espaço de Encontro com Deus?
Tolstói acreditava que viver sem Deus era viver sem sentido. Mas essa não é uma ideia antiquada. Ela é revolucionária. Porque propõe que a vida intelectual pode (e deve) caminhar junto da vida espiritual. Que a universidade pode ser espaço de pesquisa, mas também de silêncio. De experimentação, mas também de oração.
Os movimentos que estão emergindo não negam a ciência. Pelo contrário, afirmam que o saber humano encontra sua plenitude quando é atravessado pela humildade de reconhecer que nem tudo está ao alcance dos instrumentos. Há realidades que só se percebem com os joelhos no chão.
Conclusão
Os novos ventos espirituais que percorrem as universidades são, no fundo, um eco das palavras de Tolstói: viver para Deus é a razão mais autêutentica da vida. Ao ver tantos jovens reunidos espontaneamente em busca de Deus, podemos interpretar isso como um sinal dos tempos. Uma resposta ao racionalismo extremo, mas também uma declaração: a alma não se contenta com o que é mensurável. Ela anseia por eternidade.
Talvez seja hora de as universidades abrirem espaço, não apenas para o debate de ideias, mas para o cultivo da sabedoria. Não apenas para o pensamento crítico, mas para o encontro com o sagrado. Pois onde a razão se esgota, é ali que começa a verdadeira formação.
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*Maria Carmen Tavares Christóvão é Mestre em Gestão da Inovação com área de pesquisa em Inovação Educacional. Diretora da Pro Innovare Consultoria de Inovação, atuou como Reitora, Pró Reitora e Diretora de Instituições de Ensino de diversos portes e regiões no Brasil.