Desde que a questão do atendimento educacional especializado passou a integrar o rol dos requisitos legais a serem atendidos pelas instituições de ensino superior, tenho presenciado diversos debates sobre o tema, sobretudo em relação à definição do que integraria esse atendimento.
Em decorrência da coluna publicada na semana passada, na qual abordei o controvertimento acerca da cobrança pela prestação dos serviços educacionais especializados, recebi alguns e-mails sobre o tema, grande parte deles versando sobre o alcance deste atendimento educacional.
As principais questões abordadas diziam respeito à verificação da efetiva necessidade do atendimento educacional especializado e, sobretudo, em relação ao tipo de atendimento que deve ser oferecido pelas instituições educacionais.
Assistindo a diversos debates sobre o tema, geralmente conduzidos por estudiosos do assunto, alguns deles havido durante cursos de qualificação profissional que ministro nas áreas de Direito e Gestão Educacional, pude chegar a uma conclusão que pode auxiliar a obter resposta para algumas questões sobre o tema.
A partir das observações e informações colhidas com pessoas que tem estudado o tema com profundidade, percebi que a finalidade da inclusão educacional não é oferecer tutela ou curatela para os estudantes portadores de necessidades educacionais especiais, mas sim assegurar sua efetiva participação ativa no processo educacional e, sobretudo, permitir que desenvolvam um grau adequado de autonomia intelectual.
Lastreio essa conclusão na simples verificação das finalidades da educação, claramente lançadas no artigo 2º da LDB, quais sejam:
- Pleno desenvolvimento do educando;
- Preparo para o exercício da cidadania; e
- Qualificação para o trabalho.
Parece razoavelmente claro que assumir uma postura de impor aos educadores o papel de meros tutores ou curadores dos estudantes com necessidades educacionais especiais não é o caminho para permitir que o processo educacional, nesses casos, atinja suas finalidades precípuas.
O caminho me parece ser o inverso, ou seja, o atendimento educacional especializado, como já apontado, deve assegurar o amparo necessário para que esses estudantes consigam, da forma mais autônoma possível, percorrer seu processo formativo, permitindo, destarte, que as finalidades da educação sejam atingidas.
Fixada esta premissa, resta analisar as questões da efetiva necessidade do atendimento educacional especializado e do seu alcance.
O primeiro aspecto a ser apontado é a verificação da efetiva necessidade do atendimento educacional especializado, a qual tem gerado algumas situações de acirramento de ânimos entre famílias e instituições de ensino.
Parece óbvio, embora para os envolvidos nas situações reais não o seja, que a aferição da efetiva necessidade desse tipo de atendimento não é atribuição da família, mas sim de profissionais devidamente habilitados para o diagnóstico das situações que ensejam a necessidade de serviços educacionais especializados.
É preciso, portanto, que o diagnóstico sobre o enquadramento do estudante na condição de portador de necessidades educacionais especiais seja realizado por profissional devidamente habilitado para tal tarefa, não podendo ser fruto do “achismo” das famílias, por mais habituadas que estejam a conviver com o problema.
A identificação do tipo de atendimento adequado para a situação individualmente diagnosticada, decerto, também não é atribuição da família, por não possuírem seus membros, costumeiramente, a formação profissional necessária para estabelecer o auxílio necessário para que o estudante possa adquirir o grau de autonomia intelectual possível para a sua situação individual e compatível com as finalidades da educação.
Parece, portanto, bastante razoável, que o profissional responsável pelo atendimento ao estudante e diagnóstico de sua condição de portador de necessidades educacionais especiais, seja também o agente de indicação do atendimento educacional especializado compatível com a situação do aluno e com o atendimento das finalidades da educação.
Apenas para exemplificar, trago aos leitores exemplo que vivenciei em minha atuação profissional, no qual uma família que, tendo filhas gêmeas portadoras de transtorno do espectro autista, compareceu à instituição escolar com uma extensa lista de exigências para atendimento às estudantes.
Devidamente amparada por pareceres técnicos e jurídicos, a escola não cedeu à pressão da família, o que fez com que esta recorresse ao Ministério Público, resultando na convocação da Direção da escola para uma audiência perante o órgão parquet.
Em atendimento à convocação, a Diretora da escola compareceu à audiência designada, devidamente acompanhada do responsável pelo atendimento psicopedagógico e do advogado da instituição, os quais apontaram, para a família e para o representante do Ministério Público, os motivos jurídicos e técnicos que apontavam para o descabimento das exigências formuladas inicialmente para acolhimento das estudantes.
A questão foi solucionada com a submissão das estudantes a uma junta profissional composta por especialistas no tema, cujo resultado foi acolhido pela escola e pela família.
Essa junta profissional, adotando, entre outros fundamentos aqueles acima elencados, apontou para um atendimento educacional especializado capaz de assegurar a plena inclusão das estudantes, com exigências muito diferentes e mais simples do que as inicialmente pretendidas pela família.
A partir desta situação, podemos facilmente verificar que, para que o atendimento educacional seja exigível, é imprescindível que exista um laudo, emitido por profissional devidamente habilitado, atestando a necessidade deste atendimento e, se possível, indicando a forma como deva ser prestado.
Este laudo servirá para embasar o trabalho do setor de atendimento profissional especializado mantido pelas instituições de ensino superior, permitindo que seja definida a melhor forma para atender o estudante portador de necessidade educacionais especiais, de modo a assegurar que possa adquirir a necessária autonomia intelectual, com vistas a proporcionar o atendimento às finalidades da educação.
Também é necessário registrar que não cabe à família exigir o atendimento por este ou aquele profissional para desempenho das atividades inerentes ao atendimento educacional especializado, porquanto é atribuição exclusiva das instituições de ensino selecionar e definir o seu corpo de docentes e colaboradores.
Definido, a partir do laudo emitido por profissional habilitado, o tipo de atendimento educacional especializado adequado para o caso individual, cabe à instituição de ensino providenciar sua implementação, utilizando os profissionais de seus corpos docente e técnico-administrativo ou contratando mão-de-obra qualificada nos casos em que não disponha de pessoal habilitado para o tipo de atendimento preconizado.
Desse modo, é preciso que as instituições de ensino estejam atentas para a questão da aferição da necessidade e da especificação dos serviços educacionais especializados cabíveis para atendimento das demandas individualizadas que se apresentem no seu cotidiano, qualificando e preparando seus gestores para lidar com esse tipo de situação.
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Qualquer crítica, dúvida ou correções, por favor, entre em contato com a Coluna Educação Superior Comentada, por Gustavo Fagundes, que também está à disposição para sugestão de temas a serem tratados nas próximas edições.
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