Venho acompanhando, com apreensão, as rotineiras greves promovidas pelos estudantes das universidades públicas, seja pela motivação para sua deflagração, seja pelas consequências de sua realização.
Os motivos alegados pelos alunos para entrar em greve vão dos mais relevantes aos mais estapafúrdios e banais, mas a recorrência da utilização da solução grevista mostra algo mais grave do que a preocupação dessas autoproclamadas “lideranças estudantis“ com questiúnculas de pequena relevância.
Esta recorrência, antes de qualquer coisa, mostra a sua incapacidade de conviver com um regime efetivamente democrático, no qual a regra mais importante de convivência é o respeito às opiniões divergentes, sem que isso signifique que as minorias tenham o direito de impor seus pontos de vista e anseios, o que, convenhamos, não é respeito, mas a antidemocrática tentativa de imposição autoritária das próprias razões.
Nos dias de hoje, a recusa dos gestores universitários, notadamente no caso das universidades públicas, em acolher toda e qualquer reivindicação de quaisquer segmentos do corpo discente, por menos representativos que sejam os autores do pleito, serve de justificativa para a decretação de greve dos estudantes, com invasão de espaços acadêmicos, depredação de patrimônio da instituição de ensino e piquetes para impedir que os demais alunos, servidores técnicos e professores possam desenvolver normalmente as atividades administrativas e mesmo acadêmicas.
Poderíamos até considerar legítima a adoção das greves nesses casos, por menos representativas que fossem as pretensões, desde que não interferissem com o direito dos demais integrantes da comunidade acadêmica de prosseguir normalmente com suas atividades, posto que ninguém pode ser compelido a aderir a qualquer movimento grevista.
Há que se respeitar o direito constitucional à livre manifestação, mas cumpre registrar que a mesma relevância que a Constituição Federal dedica a este direito é dedicado ao direito de ir e vir, de modo que parece evidente que o exercício do direito à manifestação, e mesmo à greve, não pode servir de pretexto para obstaculizar o direto à livre circulação dos integrantes da comunidade acadêmica e, muito menos, de livre acesso e realização das atividades administrativas e as acadêmicas de ensino, pesquisa e extensão universitária.
Nesse sentido, nada mais justo e natural que, estando o docente no local das aulas no horário correto, mas sendo impedido de exercer sua atividade de magistério pela atitude autoritária e agressiva de uma súcia de grevistas, promova o lançamento dos conteúdos das aulas nos diários de classe, realize as avaliações desses conteúdos e atribua nota zero àqueles alunos que não compareçam na data e hora designadas para sua realização.
Outro aspecto tão grave quanto esse indevido exercício arbitrário das próprias razões pela minoria grevista é a indisfarçável incapacidade desses pequenos grupos de lidar, adequadamente, com o processo democrático.
É sabido que a convivência democrática não exige, indiscriminadamente, o acolhimento das reivindicações, conceitos e posicionamentos de todos os segmentos que integram a comunidade acadêmica, sem levar em consideração o contexto e considerações dos demais segmentos acadêmicos.
Exige, sim, que lhes seja oportunizada a participação, nos termos das respectivas normas internas, dos órgãos colegiados de gestão e deliberação, de modo que seus pontos de vistas e pretensões possam ser adequadamente apresentados, com vistas a assegurar que o processo decisório seja corretamente conduzido, levando em conta os diferentes aspectos e legítimos interesses envolvidos no contexto decisório.
A garantia de representatividade não significa, contudo, que as decisões devam acolher, sempre, tais argumentos e pretensões, porquanto incumbe aos órgãos colegiados, integrados por representantes de todos os segmentos da comunidade acadêmica, decidir sobre os temas de sua competência, na forma das normas internas vigentes, pesando todos os argumentos, interesses e consequências envolvidos no processo decisório.
A negativa de acolhimento de determinadas pretensões deste ou daquele segmento da comunidade acadêmica não significa, portanto, desrespeito às regras da gestão democrática, e é justamente esta percepção elementar que não está sendo levada em conta por esses movimentos grevistas, que pretendem, na verdade, impor a todos seus pontos de vistas e o acolhimento de suas reivindicações, mesmo quando rejeitados pelos órgãos colegiados deliberativos.
Essa geração, portanto, tem a equivocada noção de que democracia seria permitir a cada segmento tornar prevalentes e impositivos seus pontos de vista e pretensões, em detrimento do posicionamento coletivo, colhido na forma legal, através da atuação dos órgãos colegiados de deliberação existentes na organização institucional.
Confundem, portanto, democracia com a frágil pretensão de impor um regime, esse sim, verdadeiramente autoritário, lastreado na chantagem, no qual, qualquer decisão que não contemple suas pretensões, será combatida pela deflagração de greve, com o descabido cerceamento dos direitos de todos os demais integrantes da comunidade acadêmica, inclusive outros membros do corpo discente.
Demonstram, ainda, profundo desrespeito pelo bem público, esquecendo que a coisa pública não é “coisa de ninguém”, mas sim “coisa de todos”, sustentada pelo fruto do árduo trabalho de todos os cidadãos, que arcam com uma escorchante carga tributária, destinada, teoricamente, a custear o funcionamento da máquina pública, inclusive as universidades federais e estaduais.
O desrespeito à coisa pública, é, portanto, em sua essência, resultado de flagrante menoscabo pelos princípios fundamentais da democracia e pelos fundamentos da República Federativa do Brasil, como insculpidos no artigo 1º de nossa Carta Magna.
Urge, desse modo, repensarmos a forma como estamos buscando o atingimento das finalidades da educação superior, notadamente, no que pertine ao nosso tema, a educação para a cidadania, tópico este que, lamentavelmente, se apresenta recorrente.
Temos acompanhado a imposição de diversos conteúdos no currículo da educação básica, tais como sociologia, filosofia e artes, os quais, inequivocamente, são sobremodo relevantes para a completa formação dos educandos.
Todavia, parece que estamos deixando de lado, por diversos motivos, a inclusão de conteúdos que “saíram de moda” a partir da chamada “redemocratização” do País, os quais, como demonstram os fatos apontados nesta coluna, estão fazendo falta na formação de nossos jovens.
Não seria o caso de simplesmente ressuscitar indiscriminadamente as disciplinas de EMC e OSPB, mas de inserir seus conteúdos fundamentais nos currículos da educação em todos os níveis e modalidades, para garantir que um cabedal mínimo de noções de democracia e cidadania seja fornecido aos nossos estudantes.
Sem desmerecer os conteúdos recentemente impostos para os currículos da educação básica, que são importantes para a formação geral e humanística dos estudantes, parece que estamos, por preconceito e certo grau de revanchismo, recusando a inclusão de conteúdos tão importante quantos aqueles nos nossos currículos.
Com isso, acredito que seria possível evitar a proliferação de determinadas situações que em nada contribuem para a melhoria da educação superior.
Seria o caso, ainda, de exigir dos estudantes das instituições públicas de ensino as mesmas exigências rígidas de aproveitamento impostas aos estudantes beneficiários do Fies e do Prouni, afinal, estamos falando, em ambos os casos, de estudantes universitários cujos estudos são, de uma forma ou de outra, pelo patrimônio público.
Natural, portanto, que as exigências rígidas de aproveitamento sejam impostas para todos que frequentam a universidade com suporte do patrimônio público, o que exigiria, desses ativistas educacionais, que assumissem, de fato, a condição de acadêmicos de educação superior, com obrigação de frequentar regularmente as atividades acadêmicas e cumprir padrões rígidos de aproveitamento nos conteúdos curriculares.
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