Todas as instituições de ensino superior já estão calejadas, sabendo que, a cada início de período letivo, enfrentarão a morosidade nos processos de inscrição e seleção dos estudantes participantes do Programa Universidade para Todos (ProUni) e do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), sobretudo em relação ao programa de financiamento estudantil.
A situação vem se repetindo, invariavelmente, com todas as instituições tendo contratempos decorrentes do encaminhamento desses estudantes depois dos semestres letivos já iniciados e, normalmente, com suas atividades bem adiantadas, não raro já superado o período das primeiras avaliações.
Os responsáveis pela elaboração dos calendários de inscrição e seleção semestral do ProUni e do Fies parecem desconhecer a exigência legal contida no caput do artigo 47 da Lei n° 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB), segundo o qual é impositivo que o ano letivo regular, na educação superior, tenha, no mínimo, duzentos dias de trabalho acadêmico efetivo:
“Art. 47. Na educação superior, o ano letivo regular, independente do ano civil, tem, no mínimo, duzentos dias de trabalho acadêmico efetivo, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver”.
Considerando que o ano letivo, na grande maioria das instituições de ensino superior, é dividido em dois períodos (semestres) letivos, equivale, praticamente, a dizer que cada semestre letivo deve ter, no mínimo, cem dias de trabalho acadêmico efetivo.
Lembremos, ainda, que o § 3º do mesmo artigo 43 da LDB estabelece que, salvo nos cursos ofertados na modalidade de educação a distância, a frequência é obrigatória para alunos e professores:
“Art. 47. ...
§ 3º É obrigatória a freqüência de alunos e professores, salvo nos programas de educação a distância”.
Absolutamente isenta de dúvidas, portanto, a premissa de que as normas legais em vigor exigem não apenas que as instituições de ensino superior assegurem a oferta de, pelo menos, duzentos dias de trabalho acadêmico efetivo em cada ano letivo, bem como que os alunos e professores efetivamente frequentem as atividades acadêmicas realizadas.
Entendo, ainda, como absolutamente cristalina a premissa de que, diante da inexistência de norma legal estabelecendo a frequência mínima exigida dos estudantes para fins de aprovação nos conteúdos curriculares ofertados, é atribuição das instituições de ensino superior, no uso de suas atribuições de autonomia didático-científica, estabelecer os critérios, sobretudo quantitativos, para aferição da frequência dos estudantes.
Todavia, o Ministério da Educação (MEC) não compartilha desse entendimento, pois exige que as normas internas das instituições de ensino superior contenham, de forma expressa, a exigência de frequência mínima de 75% das atividades de cada componente curricular para fins de aprovação dos estudantes, adotando como fundamento para tal imposição o Parecer CES/CNE n° 282/2002, homologado em 21/10/2002.
Com efeito, entendo que, na inexistência de regulamentação posterior à edição da LDB de 1996, estaria recepcionado o ordenamento jurídico anterior, que consagrava a exigência de frequência mínima discente de 75% da carga horária:
“2.5.5. Frequência obrigatória.
Nos cursos de natureza presencial, a freqüência docente às atividades acadêmicas é obrigatória, nos termos do disposto no art. 47, § 3º, da LDB. O regimento deve dispor sobre tal obrigatoriedade e sobre as sanções para a inobservância.
Segundo também o art. 47, § 3º, da LDB, a freqüência discente às atividades acadêmicas é obrigatória. Recepciona?se, à falta de regulamentação posterior à LDB, o regime legal anterior, que dispunha sobre freqüência mínima discente de 75% para garantir aproveitamento”.
Para evitar controvertimentos, as instituições de ensino superior terminam por adotar este parâmetro em seus atos normativos internos de modo que, atualmente, é protocolar a exigência de frequência mínima de 75% para fins de aproveitamento acadêmico.
Trocando em miúdos, e falando de forma generalista, fica evidente que os estudantes devem ter frequência anual mínima de cento e cinquenta dias ou, considerando o regime semestral, setenta e cinco dias de frequência durante o semestre letivo.
Vale dizer que, ao aluno matriculado em cursos presenciais de educação superior, é permitido ausentar-se, no máximo, de 25% da carga horária das atividades curriculares regulares, o que, também a grosso modo, equivale a dizer que o aluno pode faltar a cinquenta dias por ano letivo, ou vinte e cinco dias por semestre letivo, sem que isso ocasione a sua reprovação.
Para demonstrar a necessidade de adequação dos calendários de inscrição e seleção dos estudantes participantes do ProUni e do Fies, tomemos como exemplo o recente Edital 13/2017, relativo ao processo seletivo do Fies para o primeiro semestre letivo de 2017, o qual alterou o disposto no item 3.3.1. do Edital n° 8/2017, ampliando o período de pré-seleção dos candidatos participantes da lista de espera do referido programa até o dia 17/3/2017, nos seguintes termos:
"3 .....
3.3.1 A pré-seleção do CANDIDATO participante da lista de espera ocorrerá no período de 14 de fevereiro de 2017 a 17 de março de 2017”.
Ora, se a pré-seleção teve seu período ampliado até 17/3/2017, quando, de fato, esses alunos estarão matriculados e, enfim, aptos a frequentar as atividades acadêmicas regularmente?
Certamente, bem depois de transcorrido o limite de 25% de faltas permitidas ao estudante sem que seja prejudicado o seu aproveitamento acadêmico, e, provavelmente, já depois de realizada a primeira bateria das avaliações do semestre letivo.
Ou seja, o MEC está, na prática, encaminhando às instituições estudantes que, se efetivamente aplicadas as regras normativas cabíveis à espécie, já se encontram reprovados neste semestre letivo por desatendimento ao requisito legal de frequência mínima às atividades acadêmicas.
E, mais grave, essa conduta se repete, sistematicamente, em todos os semestres letivos, com parcela significativa dos estudantes participantes do Fies somente sendo admitidos no programa e encaminhados às instituições de ensino quando os períodos letivos já estão bastante adiantados.
Cria-se, com isso, um grande sistema leniente, até porque, a partir do momento em que esses estudantes são obrigados a “pegar o bonde andando” e já acelerado, registre-se, parece evidente que não terão a mesma qualidade na apresentação dos conteúdos e, possivelmente, o mesmo rigor na avaliação do processo de ensino-aprendizagem.
Esse retardamento nos procedimentos de inscrição e seleção dos estudantes participantes do Fies se mostra, portanto, absolutamente prejudicial para todos os envolvidos, especialmente para os alunos, maiores interessados na efetividade do programa de financiamento e na qualidade dos serviços educacionais contratados.
Entendo, portanto, imprescindível que a definição do calendário de inscrição e seleção do Fies seja revista de modo a permitir às instituições de ensino superior o adequado cumprimento de seus calendários acadêmicos, com atendimento ao disposto nas regras legais acima apontadas e, sobretudo, de modo a assegurar que os estudantes participantes do Fies possam cumprir as atividades acadêmicas regulares no tempo e modo devidos, sem atropelos e sem simulacros de atendimento às normas legais e internas aplicáveis.
Imprescindível, também, que haja celeridade no cumprimento dos prazos e etapas para inscrição e seleção dos estudantes para que não sejam prejudicados com a efetivação de suas inscrições depois de há muito iniciado o semestre letivo.
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