Educação Superior Comentada | O fim da obrigatoriedade do Núcleo de Práticas Jurídicas nos cursos de Direito

Ano 5 - Nº 22 - 19 de julho de 2017

Na edição desta semana, o consultor jurídico da ABMES, Gustavo Fagundes, comenta o fim da obrigatoriedade do Núcleo de Práticas Jurídicas nos cursos de Direito. Fagundes chama a atenção para a Resolução CES/CNE nº 3/2017 que estabelece outros ambientes para oferta de estágio obrigatório, como órgãos do poder judiciário e escritórios e serviços de advocacia

19/07/2017 | Por: Gustavo Fagundes | 15289

A partir da edição da Resolução CNE/CES n° 9/2004, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de Direito, o estágio supervisionado, componente curricular obrigatório, deveria ser realizado na própria instituição, por meio do Núcleo de Prática Jurídica (NPJ), conforme redação original do artigo 7º, sobretudo seu § 1º, que dispunha:

“Art. 7º O Estágio Supervisionado é componente curricular obrigatório, indispensável à consolidação dos desempenhos profissionais desejados, inerentes ao perfil do formando, devendo cada instituição, por seus colegiados próprios, aprovar o correspondente regulamento, com suas diferentes modalidades de operacionalização.

§ 1º O Estágio de que trata este artigo será realizado na própria instituição, através do Núcleo de Prática Jurídica, que deverá estar estruturado e operacionalizado de acordo com regulamentação própria, aprovada pelo conselho competente, podendo, em parte, contemplar convênios com outras entidades ou instituições e escritórios de advocacia; em serviços de assistência judiciária implantados na instituição, nos órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública ou ainda em departamentos jurídicos oficiais, importando, em qualquer caso, na supervisão das atividades e na elaboração de relatórios que deverão ser encaminhados à Coordenação de Estágio das IES , para a avaliação pertinente.

§ 2º As atividades de Estágio poderão ser reprogramadas e reorientadas de acordo com os resultados teórico-práticos gradualmente revelados pelo aluno, na forma definida na regulamentação do Núcleo de Prática Jurídica, até que se possa considerá-lo concluído, resguardando, como padrão de qualidade, os domínios indispensáveis ao exercício das diversas carreiras contempladas pela formação jurídica.”

Pela redação original da Resolução em comento, era impositivo que o estágio obrigatório fosse realizado “na própria instituição, através do Núcleo de Prática Jurídica”.

Esse núcleo deveria, portanto, estar devidamente estruturado e operacionalizado, dispondo de regulamentação própria aprovada pelo “conselho competente”.

Ocorre que a utilização da expressão “conselho competente”, como órgão responsável pela aprovação da regulamentação do NPJ, de plano, causou acesa controvérsia acerca da identificação do referido órgão.

Com efeito, houve quem chegasse a adotar o entendimento, equivocado, registre-se, de que esse conselho competente fosse, no caso concreto, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), conselho profissional responsável pela fiscalização do exercício da advocacia, de modo que a regulamentação dos Núcleos de Prática Jurídica seria atribuição da referida autarquia, junto aos quais deveriam tais entes obter credenciamento.

Em virtude deste controvertimento, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, por intermédio do Ofício n° 207/2010/PJ, encaminhou manifestação ao Presidente da Câmara de Educação Superior (CES) do Conselho Nacional de Educação (CNE), solicitando esclarecimentos acerca da organização e funcionamento dos Núcleos de Prática Jurídica, sendo relevante, para o tema ora abordado, transcrever o seguinte trecho do referido ofício:

“Exmo. Sr. Presidente,

Valho-me do presente para respeitosamente solicitar a Vossa Excelência que seja verificada a possibilidade de se aperfeiçoar a redação do art. 7°, § 1°, da Resolução 09/04, o qual trata dos Núcleos de Prática Jurídica.

A rigor, tem havido uma incompreensão por parte da OAB, a qual acha que os NPJs (Núcleos de Prática Jurídica) têm que ser credenciados junto à mesma. No entanto, não são Núcleos de Advocacia, mas de prática jurídica (mais amplo). Ademais, como a OAB Federal não regulamentou os critérios, tem ocorrido que cada seccional inventa os seu (sic) critérios e sem respaldo legal. Inclusive, algumas seccionais estão exigindo que o Coordenador seja advogado, o que extrapola a atribuição da OAB. Afinal, integrantes de outras carreiras e profissionais com pósgraduação jurídica (até lato sensu) também estão aptos a exercerem o múnus de Coordenador de NPJ.”

Em resposta à manifestação do órgão parquet, a Câmara de Educação Superior do CNE, por intermédio do Parecer CES/CNE n° 362/2011, homologado pelo Ministro da Educação em 30/5/2012, deixou assente a premissa de que o “conselho competente” para aprovação da regulamentação dos Núcleos de Prática Jurídica, como não poderia deixar de ser, são os órgãos colegiados competentes das instituições de ensino superior, conforme previsto em seus atos normativos internos, nos seguintes termos:

“À luz do que estabelece o art. 7º, § 1º, da Resolução CNE/CES nº 9/2004, esta Câmara, quando da elaboração do Projeto de Resolução anexo ao Parecer CNE/CES nº 211/2004, que subsidiou a aprovação da mencionada norma, procurou dar autonomia ao conselho competente da Instituição (seja o conselho superior ou o colegiado do curso), e não à OAB, para aprovar a regulamentação do seu Núcleo de Prática Jurídica, sem fazer qualquer menção à participação do órgão de classe nesse processo.

Cabe destacar que o MEC não prevê credenciamento do NPJ para autorização do curso; exige apenas que o projeto pedagógico do curso contemple a implantação de Núcleo de Prática Jurídica (NPJ), com regulamento específico, destinado à realização de práticas jurídicas simuladas, visitas orientadas, assim como o desenvolvimento de atividades de arbitragem, negociação, conciliação e mediação, atividades jurídicas reais entre outros, tudo com a perspectiva de pleno atendimento às demandas do curso.”

Desde então, tornou-se cristalino o entendimento de que o estágio curricular obrigatório nos cursos de Direito deveria ser realizado no âmbito do Núcleo de Prática Jurídica, conforme regulamentação aprovada pelo colegiado competente no âmbito institucional, como estabelecido em seus atos normativos internos.

Posteriormente, mais precisamente em novembro de 2012, a Secretaria da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça encaminhou ao CNE proposta de alteração da Resolução CES/CNE n° 9/2004 objetivando garantir maior segurança aos Núcleos de Prática Jurídica mantidos pelas instituições de ensino superior que ofertem cursos de bacharelado em Direito.

A referida proposta pretendia dar mais segurança aos Núcleos de Prática Jurídica e, com isso, possibilitar a celebração de parcerias com as Defensorias Públicas para prestação de assistência jurídica, em caráter suplementar, em favor das pessoas hipossuficientes e, portanto, necessitadas, propiciando, aos acadêmicos, a vivência real das atividades jurídicas.

Em atendimento à provocação encaminhada pela Secretaria da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, a Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação aprovou o Parecer CES/CNE n° 150/2013, homologado por Despacho de 4/7/2017, do Ministro de Estado da Educação, propondo a alteração da redação do artigo 7º da Resolução CES/CNE n° 9/2004, o qual, a partir da publicação da Resolução CES/CNE nº 3/2017, ocorrida no último dia 17/7/2017, passa a ter a seguinte redação:

“Art. 7º O Estágio Supervisionado é componente curricular obrigatório, indispensável à consolidação dos desempenhos profissionais desejados, inerentes ao perfil do formando, devendo cada instituição, por seus colegiados próprios, aprovar o correspondente regulamento, com suas diferentes modalidades de operacionalização.

§ 1º O estágio de que trata esse artigo poderá ser realizado:

I - na própria Instituição de Educação Superior, por meio do seu Núcleo de Prática Jurídica, que deverá estar estruturado e operacionalizado de acordo com regulamentação própria, aprovada pelo seu órgão colegiado competente, podendo ser celebrado convênio com a Defensoria Pública para prestação de assistência jurídica suplementar;

II - em serviços de assistência jurídica de responsabilidade da Instituição de Educação Superior por ela organizados, desenvolvidos e implantados;

III - nos órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública e das Procuradorias e demais Departamentos Jurídicos Oficiais;

IV - em escritórios e serviços de advocacia e consultorias jurídicas.

§ 2º As atividades de Estágio Supervisionado poderão ser reprogramadas e reorientadas em função do aprendizado teórico-prático gradualmente demonstrado pelo aluno, na forma definida na regulamentação do Núcleo de Prática Jurídica, até que se possa considerá-lo concluído, resguardando, como padrão de qualidade, os domínios indispensáveis ao exercício das diversas carreiras contempladas pela formação jurídica.”

A alteração trazida, portanto, estabelece que o Núcleo de Prática Jurídica não será mais o único espaço admitido para realização do estágio supervisionado obrigatório nos cursos de Direito, o qual, como acima transcrito, poderá ser ofertado em um dos seguintes ambientes:

- Núcleo de Prática Jurídica estruturado e organizado de acordo com a regulamentação aprovada pelo órgão colegiado institucional competente;

- Serviço de assistência jurídica sob responsabilidade da instituição de ensino, por ela organizado, desenvolvido e implantado;

- Órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública e das Procuradorias e demais Departamentos Jurídicos Oficiais; e

- Escritórios e serviços de advocacia e consultorias jurídicas.

Restou publicada, na última segunda-feira, 17 de julho, a Resolução CES/CNE n° 3/2017, decorrente da homologação do prefalado Parecer CES/CNE n° 153/2013, de modo que, doravante, as atividades do estágio supervisionado obrigatório dos cursos de Direito poderão ser realizadas em outros ambientes além do Núcleo de Prática Jurídica da instituição de ensino superior.

Qualquer crítica, dúvida ou correções, por favor, entre em contato com a Coluna Educação Superior Comentada, por Gustavo Fagundes, que também está à disposição para sugestão de temas a serem tratados nas próximas edições.

A ABMES também oferece atendimento presencial nas áreas jurídica e acadêmica. Para agendar um horário, envie e-mail para faleconosco@abmes.org.br.


Conteúdo Relacionado

Legislação

RESOLUÇÃO CNE/CES Nº 3, DE 14 DE JULHO DE 2017

Altera o Art. 7º da Resolução CNE/CES nº 9/2004, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito.


DESPACHO S/N, DE 04 DE JULHO DE 2017

Alteração do art. 7º da Resolução CNE/CES nº 9/2004, nos termos da Resolução que o acompanha, conforme consta do Processo nº 23001.000024/2013-87.


RESOLUÇÃO CNE/CES Nº 9, DE 29 DE SETEMBRO DE 2004

Institui  as  Diretrizes  Curriculares  Nacionais  do  Curso  de Graduação em Direito e dá outras providências.


Notícias

Competência normativa da educação brasileira não é responsabilidade dos conselhos profissionais, afirma CNE

Tema entrou em debate durante seminário promovido pela ABMES sobre as novas DCNs dos cursos de Direito e o processo de autorização pelo MEC, nesta quarta-feira (14)

CNE revisa diretrizes do curso de direito e recebe sugestões da OAB

A entidade propôs acréscimos em temas como interdisciplinaridade, internacionalização, eixos de formação relações étnico-raciais, indígenas e de gênero e tempo de conclusão

Coluna

Educação Superior Comentada | A proposta em tramitação para as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Direito

Ano 5 - Nº 15 - 31 de maio de 2017

Na edição desta semana, o consultor jurídico da ABMES, Gustavo Fagundes, comenta a proposta em tramitação para as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Direito. Os principais pontos a serem tratados dizem respeito à exigência de realização de internacionalização e do incentivo à inovação, de adoção de metodologias ativas, além da definição da carga horária mínima para o estágio obrigatório e de inclusão de novos conteúdos obrigatórios