O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), foi criado pela Lei nº 12.513/2011, tendo como escopo a ampliação da oferta de educação profissional e tecnológica, por meio de programas, projetos e ações de assistência técnica e financeira.
Os objetivos do Pronatec, essencialmente visando à melhoria da qualidade da educação profissional e tecnológica e a expansão de sua oferta são indiscutivelmente louváveis, pois é sabido o gargalo tecnológico e de melhoria das condições de infraestrutura que o País enfrenta.
Também é digna de menção a atenção prioritária do programa para os estudantes do ensino médio da rede pública, os trabalhadores, os beneficiários dos programas de distribuição de renda e os egressos do ensino médio da rede pública, bem como os da rede privada que tenham sido beneficiados com bolsas integrais.
Atinge, portanto, a significativa parcela da população que demanda e necessita de uma atenção educacional prioritária, para que possam, nos termos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, ter assegurados o acesso e a permanência em condições de igualdade com os demais estudantes.
O sucesso do Programa Universidade Para Todos – Prouni e do Fies, cujos alunos, costumeiramente, apresentam um ótimo nível de desempenho acadêmico, nos faz perguntar: quantos talentos estamos deixando de aproveitar em nossa educação profissional técnica e tecnológica por falta de condições adequadas de acesso e permanência? Certamente, um grande número!
O Pronatec parece ter vindo justamente para preencher esta lacuna, proporcionando o acesso dessa grande massa de estudantes à educação profissional técnica e tecnológica.
Todavia, é certo que toda ideia, por melhor que seja, necessita de maturação, de lapidação, para que se torne mais adequada à realidade na qual esteja inserida.
Com o Pronatec, não poderia ser diferente.
Percebendo a natural necessidade de aprimorar o conteúdo da Lei nº 12.513/2011, o Poder Executivo editou a Medida Provisória nº 593/2012, objeto da presente análise.
É certo que a medida provisória em questão trouxe significativas mudanças para a normatização do Pronatec, algumas positivas, outras, infelizmente, nem tanto.
Mas é salutar que assim o seja, para que se estimule o debate, o diálogo das multifárias opiniões sobre tema tão relevante para o desenvolvimento da Nação.
Em relação à discussão acerca da Medida Provisória nº 593/2012, portanto, considero oportuno trazer aos leitores desta coluna alguns comentários decorrentes da análise da referida Medida Provisória.
Inicialmente, entendo significativo apontar os aspectos positivos da Medida Provisória em debate, entre os quais, decerto, se inclui a extensão da participação no Pronatec às instituições de ensino superior privadas, conforme contido no caput do artigo 3º, com sua nova redação.
Com efeito, convém registrar o papel fundamental que a educação superior privada desempenha na garantia de acesso e permanência no ensino superior, principalmente nos mais longínquos rincões do País, aonde a educação pública gratuita não chega e as oportunidades de acesso à educação superior são garantidas por abnegados educadores que fazem do ideal educacional a razão de ser de sua existência.
Ora, manter fora do Pronatec essas instituições significa, claramente, negar aos estudantes do interior do País o direito fundamental de acesso à educação profissional técnica e tecnológica, colaborando de forma inequívoca para a manutenção do atraso e da perversidade da falta de oportunidade de crescimento.
Assegurar a esses estudantes o acesso à educação profissional técnica e tecnológica certamente será medida efetiva de combate à desigualdade social, a qual, aliada aos programas de distribuição de renda, certamente terá importante papel no resgate de nossa gigantesca dívida social.
Outra modificação positiva e de relevância para o sucesso do Pronatec é a extensão da possibilidade de concessão das bolsas-formação aos estudantes matriculados nas instituições privadas de ensino superior e de educação profissional técnica de nível médio, conforme estabelece o caput do artigo 6º-A, incorporado à norma legal original pela Medida Provisória nº 593/2012, nos seguintes termos:
“Art. 6º-A A execução do Pronatec poderá ser realizada por meio da concessão das bolsas-formação de que trata a alínea “a” do inciso IV do caput do art. 4º aos estudantes matriculados em instituições privadas de ensino superior e de educação profissional técnica de nível médio, nas formas e modalidades definidas em ato do Ministro de Estado da Educação.”
Se a participação das instituições privadas de educação superior busca efetivar a garantia de acesso à educação, é certo que a extensão das bolsas-formação aos estudantes nela matriculados, no âmbito do Pronatec, tem o condão de assegurar a garantia de permanência na educação superior.
Esta é uma questão fundamental, pois políticas públicas que se limitem a garantir o acesso, mas não tragam condições de assegurar a permanência são, em sua essência, um mero instrumento de engodo, pois traz aos estudantes menos afortunados a ilusão do acesso ao mundo acadêmico, alimentando seus justos sonhos de melhoria nas condições de vida, para, logo em seguida, à míngua da garantia das condições de permanência, subtrair seus sonhos e aspirações, redobrando as frustrações pela decepção decorrente do óbito de um sonho que, aparentemente, esteve ao alcance de suas mãos.
Desse modo, articular garantias de acesso às garantias de permanência é, certamente, a melhor forma de assegurar êxito a qualquer programa, público ou privado, de acesso à educação.
Esse é, portanto, um grande e inquestionável mérito do Pronatec, à medida que busca assegurar o acesso, possibilitando o acesso das instituições privadas de educação superior ao programa, ao mesmo tempo em que busca assegurar a permanência, oferecendo condições materiais para que os estudantes beneficiários do programa tenham garantia efetiva de sua manutenção no mundo acadêmico até a conclusão desta importante etapa de suas vidas.
No entanto, existem alguns aspectos na Medida Provisória nº 593/2012 que demandam especial atenção, porquanto vulneram as normas gerais da educação nacional.
A primeira preocupação diz respeito à falta de previsão expressa de atendimento aos estudantes de escolas particulares que não tenham sido beneficiários de bolsa integral, como contido no artigo 2º da Lei em comento:
“Art. 2º O Pronatec atenderá prioritariamente:
I - estudantes do ensino médio da rede pública, inclusive da educação de jovens e adultos;
II - trabalhadores;
III - beneficiários dos programas federais de transferência de renda; e
IV - estudante que tenha cursado o ensino médio completo em escola da rede pública ou em instituições privadas na condição de bolsista integral, nos termos do regulamento.
Desse modo, aqueles estudantes das classes sociais menos favorecidas, cujas famílias se empenharam arduamente para, com esforço e sacrifício, assegurar acesso a educação de qualidade, arcando com a permanência de seus filhos em escolas particulares.
O critério prioritário no acesso ao Pronatec, portanto, deveria ser pautado por critérios sociais, considerando a condição financeira da família do aluno, e não a instituição em que tenha cursado o ensino médio.
Também demanda atenção o contido no § 3º do artigo 20 da lei original, com a redação dada pela referida Medida Provisória, dispositivo este que, na prática, transforma todas as instituições de ensino superior mantidas pelos serviços nacionais de aprendizagem em centros universitários, porquanto lhes concede prerrogativas de autonomia universitária privativas desses e das universidades, ao dispor:
“Art. 20. Os serviços nacionais de aprendizagem integram o sistema federal de ensino na condição de mantenedores, podendo criar instituições de educação profissional técnica de nível médio, de formação inicial e continuada e de educação superior, observada a competência de regulação, supervisão e avaliação da União.
.....
§ 3º As instituições de educação superior dos serviços nacionais de aprendizagem terão autonomia para:
I - criação de cursos superiores de tecnologia, na modalidade presencial;
II - alteração do número de vagas ofertadas nos cursos superiores de tecnologia;
III - criação de unidades vinculadas, nos termos de ato do Ministro de Estado da Educação; e
IV - registro de diplomas.
§ 4º O exercício das prerrogativas previstas no § 3º dependerá de autorização do órgão colegiado superior do respectivo departamento regional da entidade.”
Mantido o texto proposto, as instituições de educação superior mantidas pelos serviços nacionais de aprendizagem, mesmo que credenciadas como faculdades isoladas e integradas, ganharão, sem submissão ao processo de credenciamento pertinente, status de centro universitário e passarão a dispor de autonomia para:
* Criar cursos superiores de tecnologia na modalidade presencial e aumentar as vagas ofertadas nesses cursos, sem necessidade de autorização do Ministério da Educação;
* Criar unidades vinculadas, expandindo sua atuação além do endereço especificado em seu ato de credenciamento, também sem necessidade de prévia manifestação do Ministério da Educação; e
* Registrar os diplomas dos cursos ofertados.
A concessão dessas prerrogativas, na prática, equivale à obtenção, sem o necessário procedimento avaliativo, do status de centro universitário ou de universidade, para as faculdades mantidas pelos serviços nacionais de aprendizagem.
Esta transformação de sua natureza organizacional, sem a aferição dos requisitos impostos às instituições de ensino superior que pretendem galgar o mesmo status é preocupante, pois a conquistas das atribuições inerentes à autonomia universitária somente é possível nos termos do § 2º do artigo 54 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que estabelece expressamente que “atribuições de autonomia universitária poderão ser estendidas às instituições que comprovem alta qualificação para o ensino ou para a pesquisa, com base em avaliação realizada pelo Poder Público”.
Desse modo, as normas gerais da educação nacional, lançadas na LDB, são absolutamente cristalinas ao elencar as hipóteses restritivas em que instituições de ensino que não sejam Universidades poderão receber prerrogativas de autonomia universitária, quais sejam: alta qualificação para o ensino ou alta qualificação para a pesquisa, sempre aferida em processo avaliativo realizado pelo Poder Público.
É justamente em atendimento a este comando da LDB que o sistema federal de ensino, ao qual estão ligadas as instituições de ensino superior mantidas pelos serviços nacionais de aprendizagem, por atos do Conselho Nacional de Educação, estabeleceu critérios claros e rígidos de qualidade para o credenciamento das Universidades e dos Centros Universitários, os quais estão lançados nas seguintes Resoluções:
* Credenciamento e Recredenciamento de Universidades: Resolução CES/CNE nº 3/2010; e
* Credenciamento e Recredenciamento de Centros Universitários: Resolução CES/CNE nº 1/2010.
Essas normas, registre-se, trazem critérios rígidos para aferição da qualidade da atividade educacional de qualquer instituição de ensino ligada ao sistema federal de ensino que pretenda tornar-se, ou manter-se, Universidade ou Centro Universitário, porquanto, como já mencionado anteriormente, a inequívoca demonstração da alta qualificação para o ensino ou para a pesquisa é requisito inafastável para a concessão de prerrogativa de autonomia universitária.
Verifica-se, portanto, que agraciar as instituições de ensino superior mantidas pelos serviços nacionais de aprendizagem com prerrogativas de autonomia universitária sem o preenchimento dos requisitos legais, além de contrariar o disposto no § 2º do artigo 54 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, colide com o princípio constitucional da isonomia, porquanto cria uma espécie privilegiada de instituição de ensino superior, a partir da individualização da situação de sua mantenedora, o que não é permitido pelo artigo 5º da Constituição Federal de 1988.
O disposto no § 3º do artigo 20 da Lei nº 12.513/2011, com a redação dada pela Medida Provisória nº 593/2012 cria a teratológica figura da faculdade com prerrogativa de autonomia universitária decorrente não do atendimento aos requisitos de qualidade estabelecidos pelas normas do sistema federal de ensino, mas da categoria jurídica de sua entidade mantenedora, em ato antiisonômico e ilegítimo, cuja eficácia deve ser afastada por ocasião da apreciação do conteúdo da Medida Provisória nº 593/2012, de modo a restar íntegro o respeito às normas do sistema federal de ensino e ao princípio maior da isonomia.
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