O novo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) terá 300 mil vagas, sendo 100 mil a juros zero para estudantes com renda mensal familiar de até três salários mínimos, que terão dívida descontada do salário. Com essa espécie de crédito consignado, o governo espera cortar a inadimplência do programa de cerca de 45% para 25%.
Os juros, que antes eram de 6,5%, agora não passarão de 3%. Nesta quinta-feira, horas antes de o presidente Michel Temer viajar ao G20, na Alemanha, também foi anunciado que as universidades privadas passarão a partilhar com o governo o risco do financiamento.Antes, as universidades arcavam com 6,5% do financiamento. Mas os juros dos alunos também era nesse valor. Agora, o compartilhamento de risco dobra na modalidade de financiamento a juros zero: vai a 13%.
Na modalidade para estudantes com renda familiar mensal de até três salários mínimos, com 100 mil vagas a juro zero — portanto, somente corrigida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) —, o aluno começará a pagar as prestações de até 10% de sua renda mensal, diretamente do salário. Processo semelhante já ocorre com o FGTS, que é retirado da folha de pagamento automaticamente. Com isso, o governo espera uma queda de 20% na inadimplência, que hoje está por volta de 45%. Se antes a carência para o começo da quitação da dívida era de 18 meses após a formatura, a partir de agora, para o início do pagamento, basta ao aluno formado conseguir o primeiro emprego formal.
O Palácio do Planalto consultou a Receita Federal para um possível abatimento da dívida estudantil do imposto de renda, a exemplo do que acontece na Austrália, mas as conversas não evoluíram. A verba para essa faixa virá do Tesouro Nacional. As universidades particulares terão risco de crédito.
A segunda faixa do Fies terá, para o ano que vem, 150 mil vagas centradas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, a uma taxa de juro de 3%. O programa terá como fontes de recursos os fundos constitucionais regionais, e será ofertada a alunos com renda familiar mensal de até cinco salários mínimos. Os bancos terão risco de crédito.
O chamado Fies III, ainda sem definição de taxa de juros, vai dispor de 60 mil vagas em 2018, também para estudantes com renda familiar por mês de até cinco salários mínimos. Desta vez, os recursos virão do BNDES e dos fundos de desenvolvimento regionais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
— A inadimplência não pode ficar só com o governo. Tem que ser sócio no filé, mas também tem que ser sócio no osso — afirmou o ministro da Educação, Mendonça Filho.
— O Fies corria o risco de ser terminado, dado o elevado custo fiscal. Era mais ou menos R$ 1,8 bilhão por ano em 2010, e hoje é de R$ 32 bilhões por ano — disse Mansueto de Almeida, secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, criticando os governos petistas.
O material de divulgação do Ministério da Educação fala em "gestão ineficaz e sem controle" e "rombo fiscal sem controle e imprevisível", além de apontar o salto do número de contratos do programa em 2014, ano eleitoral. O ministro da Educação, usou o termo "pedalada" para se referir à gestão anterior do Fies, alfinetando a ex-presidente Dilma Rousseff.
Diretor executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), Sólon Caldas disse que ainda não estão claros os parâmetros que serão adotados, mas criticou os tópicos já anunciados pelo governo.
— Tudo ficou muito superficial. O ministro fez o anúncio, mas não entrou no detalhe. O que foi anunciado não atendeu expectativas nem do setor e nem da sociedade.Essas 300 mil vagas já vinham sendo disponibilizadas e não estavam sendo todas preenchidas, devido à recessão e ao fato dos alunos não conseguirem cumprir os requisitos. O governo não esclareceu se forma de adesão a esses contratos continuará a mesma — disse Sólon. — O aluno quer estudar, mas não tem condições de arcar. Esperávamos uma ação mais social que financeira. O governo fixou juro zero, mas há inflação. Ficou muito nítida a preocupação com lado financeiro.Tudo indica que as regras vão continuar restritivas e até aumentar.
Sólon também criticou o aumento na contribuição das universidades na divisão de riscos de inadimplência junto ao governo federal e a maior participação dos bancos.
— O governo fatiou o Fies e transferiu a responsabilidade para os bancos. O ministro também não detalhou qual será a contribuição das universidades, soubemos pela imprensa. Se o governo onera muito a instituição, ela vai deixar o Fies, porque o que sobra no final é muito pequeno, principalmente, para as instituições menores. Isso inviabiliza a oferta.
O sociólogo Simon Schwartzman, especialista em Educação, afirma que as mudanças são adequadas, mas destaca que alguns pontos precisam ser melhor trabalhados, sobretudo no que diz respeito à divisão dos riscos entre governo, universidades e bancos.
— Aparentemente o programa é mais sustentável e bem pensado. O outro estava completamente fora do controle. Não podemos também ter um sistema no qual o governo assume todo o risco, as instituições de ensino precisam participar. No entanto, o Ministério da Educação (MEC) não detalha como será esse compartilhamento dos riscos de inadimplência com universidades e bancos — disse Schwartzman. — Sobre o desconto de 10% do salário do beneficiado, o ideal é que esses descontos fossem feitos do Imposto de Renda. Se a pessoa ganha mais, teria um desconto maior, mas aqui no Brasil isso não funciona, muitos estudantes pobres não pagam esse imposto.
Schwartzman destaca ainda que a regionalização de parte das vagas do Fundo é coerente, embora possa ser injusta em alguns casos.
— O governo precisa priorizar as regiões mais pobres e os fundos regionais irão sustentar essas vagas. Por outro lado, essa divisão regional pode ser problemática em alguns casos, afinal há pessoas, por exemplo, no sudeste que também precisam do financiamento.