Depois de muitas alterações no parecer aprovado pela comissão mista encarregada de analisá-la, a Medida Provisória (MP) n.° 785, que impõe novas regras para o funcionamento do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), foi finalmente aprovada - por 255 votos contra 105 - pelo plenário da Câmara dos Deputados. Por causa do baixo quórum, em decorrência do feriado, as lideranças governistas negociaram a inclusão de várias emendas apresentadas por parlamentares do PT, para viabilizar a votação. Desde que foi editado, em julho deste ano, o texto original da MP recebeu 278 emendas, das quais mais de 40 foram apresentadas por deputados vinculados a entidades como a Associação Nacional das Universidades Particulares e Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES).
Essa profusão de emendas dá a medida da resistência à tentativa do governo Michel Temer de pôr fim à farra que, durante os 13 anos e meio do lulopetismo, possibilitou vultosos negócios no âmbito do ensino superior privado, levando ao surgimento de grandes conglomerados educacionais financiados por fundos estrangeiros e com ações cotadas em bolsas de valores. O programa foi criado em 1999, pelo governo Fernando Henrique Cardoso e ampliado pelo governo Lula, que afrouxou suas regras, chegando a oferecer crédito farto e barato inclusive a estudantes oriundos de famílias de média e alta renda. Ampliando ainda mais a oferta pouco criteriosa de empréstimos, a presidente Dilma Rousseff usou o programa como bandeira eleitoral, na campanha pela reeleição. Àquela altura, muitas universidades privadas chegaram a recomendar a alunos de classe média que, como a taxa de juros do Fies era baixa, assinassem um contrato de financiamento estudantil e aplicassem suas poupanças no mercado financeiro, desfigurando com essa proposta o caráter social do Fies.
Após a posse do atual governo, em 2016, o Ministério da Fazenda publicou um documento criticando a “ausência de sustentabilidade fiscal” do programa e mostrando que seus custos já superavam o orçamento anual do Bolsa Família. Para reverter esse quadro, que foi agravado pela recessão econômica e pela queda da arrecadação, a MP n.° 785 reduziu as obrigações do governo federal, aumentou a responsabilidade das universidades privadas nos casos de inadimplência e mudou as regras de concessão de financiamentos. Foi por isso que sofreu a oposição não só das universidades, mas também de partidos como o PT, PDT, PCdoB e PSOL. Entre as concessões feitas pelo governo a essas agremiações, para assegurar a aprovação da MP, se destaca a promessa de criação de um Refis que permitirá aos estudantes inadimplentes parcelar dívidas vencidas em 15 anos. Entre as concessões feitas às universidades privadas, o destaque é a supressão do artigo que impedia novos aportes do Tesouro ao Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo, criado para arcar com a inadimplência dos estudantes, hoje estimada em 50% dos contratos em fase de amortização.
Assim, o governo conseguiu manter as principais medidas que reformulam o Fies: a divisão do risco da inadimplência entre União, universidades privadas e instituições financeiras; a imposição de três modalidades de financiamento, de acordo com a renda dos estudantes interessados; a autorização para que fundos constitucionais e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social possam atuar no financiamento estudantil; e, principalmente, a garantia de sustentabilidade fiscal do programa, mediante a exigência de negociação das taxas de juros entre estudantes, bancos e universidades privadas, que estavam acostumadas a registrar lucros milionários e a atuar sem riscos, com base nas regras que estão sendo mudadas. A MP n.° 785 terá de passar pelo Senado até o próximo dia 17 e, se for aprovada, como espera o governo, o novo Fies terá um controle mais severo e recuperará seu caráter social.