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Uma semana conhecendo o Ecossistema de Tecnologia em Israel

20/02/2018 | Por: MEDIUM | 3852
Foto: Freepik

Por: Francisco Ferreira

Acabei de passar uma semana em Israel a convite da Monashees+. Eles investiram na minha empresa (BizCapital) e organizam anualmente uma viagem para que todos os membros de empresas do portfólio possam conhecer um ecossistema de empreendedorismo de tecnologia em algum país de destaque. Fomos à China ano passado e o Brian da VivaReal escreveu esse post muito legal sobre os aprendizados que tivemos durante a visita.

Na época, pensei em escrever um post para registrar minhas percepções mas acabei não fazendo. Não queria repetir o mesmo erro. Resolvi então compartilhar minhas percepções e aprendizagens o mais rápido possível quando tudo ainda está fresco na minha cabeça.

Como Israel se tornou o terceiro maior ecossistema de tecnologia do mundo?

O estado de Israel foi fundado em 1948 logo após a Segunda Guerra. O primeiro presidente, Chaim Weizmann, era um cientista e dá nome ao maior instituto de pesquisa do país, Weizmann Institute of Science. Ou seja, o país já nasceu com o DNA da ciência.

Esta origem ditou os rumos do país e levou os Israelenses a um grande ciclo de desenvolvimento. Nos anos 60, o PIB per capita era inferior a 10 mil dólares, um patamar similar ao do Brasil na época. Em menos de 50 anos, a renda per capital cresceu significativamente mais do que a brasileira, levando Israel à condição de país desenvolvido (PIB per capita de quase 34 mil dólares em 2016).

Boa parte desta capacidade de desenvolvimento pode ser explicada por uma indústria de tecnologia grande e diversificada que gera muitos empregos para trabalhadores qualificados e um fluxo de capitais contínuo para o país.

A gênese deste fenômeno de empreendedorismo aconteceu no início dos anos 90, quando o governo resolveu fomentar a indústria de venture capital por meio dos fundos Yozma (que significa iniciativa em hebraico).

Utilizando esse mecanismo, o Estado passou a oferecer incentivos fiscais e matching funds para investidores interessados na nascente indústria de tecnologia do país. Em alguns casos, o governo chegou a oferecer um retorno mínimo para os interessados ou o direito de recompra de sua participação a uma taxa pré-fixada. Era uma barganha.

De lá para cá, os resultados foram formidáveis. Hoje existem mais de 6000 empresas de tecnologia ativas em Israel. É o terceiro país com mais empresas listadas na NASDAQ, atrás somente dos Estados Unidos e China. Recentemente, a Mobileye, empresa que desenvolve tecnologia para carros autônomos, foi comprada pela Intel por US$ 15,3 bilhões e se tornou o maior caso de saída do país. O país definitivamente virou uma referência para o mundo inteiro.

Não basta capital, tem que ter gente obstinada

Quando vemos esses resultados, nos perguntamos: “De onde surgiram todos esses empreendedores formidáveis? “ A resposta é: IDF 8200. Trata-se de uma unidade de elite do exército responsável por desenvolver tecnologia de ponta. Se você assistir a um pitch de uma empresa israelense, é bem provável que escute a frase “X fundadores são ex-8200”.

Trata-se de um atestado de qualidade por dois motivos: (i) ao chegar na unidade ainda bem jovens, eles são treinados para desenvolver projetos complexos e são colocados para competir em uma busca incessante pela excelência e (ii) durante o serviço militar, você logo aprende que “missão dada é missão cumprida” e acaba desenvolvendo a disciplina de trabalhar incansavelmente para entregar projetos de tecnologia que tragam mais segurança para o seu país.

Neste caso, o “aplicativo” que você desenvolveu pode salvar a sua própria vida e a sua família. É um ótimo incentivo para entregar, não?

Global versus Local

Ao trabalhar para uma unidade de elite desenvolvendo projetos militares, os israelenses estão em uma corrida pela sobrevivência. O país está cercado por inimigos e o conflito é permanente. Se não forem capazes de entregar produtos de classe mundial, eles não conseguirão se proteger.

Junte essa necessidade fundamental com um mercado local pequeno (afinal, Israel tem somente 8,5 milhões de habitantes) e todos chegarão à mesma conclusão: empresas aqui têm que competir no mundo todo.

Por esta razão, um dos principais mantras do ecossistema israelense é a mentalidade global das empresas. Embora muitas empresas obtenham sucesso somente em alguns países, o mindset permanece e isso faz com que as empresas se desenvolvam para competir em larga escala e trabalhem a localização dos seus produtos e serviços desde o primeiro dia de sua existência.

Além do pensamento globalizado, o investimento também está presente. Israel realiza investimentos pesados em pesquisa e desenvolvimento (Veja no gráfico 1 uma comparação com os gastos no resto do mundo). Estamos falando de um país fundado por um cientista e que coloca a inovação como pilar fundamental.

Os líderes serão contestados

Para alcançar a liderança global em qualquer área, é preciso inovar. Para isso, são necessários dois ingredientes fundamentais: a falha precisa ser tolerada e as pessoas têm que aprender a contestar o status quo.

Os israelenses fazem isso melhor do que ninguém. Existe a expressão “Chutzpah” (é a qualidade da audácia, para o bem ou para o mal), muito usada em Israel. Dos funcionários das empresas aos recrutas da IDF 8200, todos podem contestar os líderes e desafiar autoridades. Na unidade de tecnologia, é possível propor o uso de novas tecnologias e os times são colocados para competir entre si.

Os líderes precisam aprender a conviver em um ambiente onde a contestação faz parte da busca pelo sucesso e pelos melhores resultados. Uma característica difícil de encontrar nas startups brasileiras.

Somos arrogantes e achamos que sabemos mais do que todos os outros. Somos mais malandros e “espertos”. Afinal, “empreender é a coisa mais difícil do mundo e eu estou aqui”. Já ouvi essas frases diversas vezes. Este tipo de atitude nos faz temer o fracasso e não reconhecer nossas fraquezas, o que torna ainda mais difícil alcançar o sucesso.

Abrace o fracasso (e depois dê tchau para ele)

Durante a nossa visita à Stratoscale, conversamos com o fundador e CEO Ariel Maislos (sim, ele também foi da unidade 8200). Ele nos contou que aquela era a quarta empresa que ele havia fundado. Uma não deu certo e outras duas foram vendidas por 300 e 400 milhões de dólares respectivamente. Falar da empresa que não deu certo foi tão natural quanto contar os casos de sucesso.

Quando eu vejo um empreendedor falar tão francamente sobre seus fracassos, sempre me pergunto porque os brasileiros têm tanta dificuldade em admitir que algo não deu certo. Vejo muitas empresas “zumbis” que tentam recuperar aquilo que não tem solução ao invés de aprender com os erros e partir para um novo desafio com ainda mais potencial. É o verdadeiro Walking Dead High Tech.

Por que precisamos parecer lindos e maravilhosos para os outros? Será que escrever artigos e posts quase ficcionais sobre as nossas empresas vai nos tornar mais competitivos, vai nos fazer inovar mais? Creio que o debate sobre “empreendedorismo de palco” passa muito por essas questões. Talvez nós brasileiros estejamos mais preocupados em parecer bem-sucedidos do que de fato ser bem-sucedidos.

“Shame on you if you don’t try”

Esta foi uma das primeiras frases que ouvimos durante o jantar com Shlomo Dovrat. Fiquei pensando durante todo o vôo de volta de Israel como descrever esse encontro. Ele é um dos maiores empreendedores de tecnologia de Israel. Aos 31 anos, já tinha feito dois IPOs na NASDAQ. Também fundou o Viola Group, um grupo de fundos de investimento com o objetivo garantir capital para todos os estágios de desenvolvimento das empresas de Israel.

Como ele gostava mais de fazer investimentos em Seed Rounds, resolveu ficar à frente da Carmel Ventures cujo portfólio é repleto de empresas globais bem-sucedidas como Payoneer, Outbrain e ironSource.

Durante a apresentação, ele nos contou parte desta trajetória que se confunde com o desenvolvimento da própria indústria tech no mundo todo. Poucas vezes eu assisti alguém com uma retórica tão formidável e que fosse capaz de “conectar os pontos” e de mostrar o caminho de forma tão clara. É difícil replicar aqui.

Um dos pontos altos foi a explicação de Shlomo sobre a importância de 2007 para a indústria de tecnologia com o alcance global de cinco produtos altamente inovadores: iPhone (Mobile), Facebook (Redes Sociais), AWS (Cloud), Hadoop (Big Data) e GitHub (Repositórios Open-source). A combinação dessas tecnologias criou uma nova onda de desenvolvimento e permitiu a criação de uma nova categoria de produtos e serviços inovadores.

Hoje testemunhamos a explosão dos “tecnology-enabled consumer services” como 99, AirBnB, NetFlix, Loggi e muitos outros que estão revolucionando diferentes indústrias no Brasil e no mundo todo. É essa capacidade de se reinventar e de gerar novas ondas de desenvolvimento que torna os ecossistemas de tecnologia cada vez mais pujantes e relevantes para a economia mundial.

Senso de comunidade

Outro ponto que atraiu bastante a minha atenção na viagem foi o aguçado senso de comunidade que os Israelenses possuem. Eles sentem um profundo orgulho do ecossistema que criaram e sempre procuram promove-lo. Não é incomum ver fundadores citando outras empresas e outras pessoas, exaltando as características únicas que fazem o país se destacar.

Durante a semana que estive em Israel, visitamos diversas empresas e conversamos com muitos fundadores. É impressionante como o discurso é alinhado. Quase todos repetem os mesmos princípios que guiam a indústria: “conteste tudo”, “pense como uma empresa global”, “trabalhe duro”, “encontre as melhores pessoas”, “não tenha medo de errar e falhar”.

Mais do que frases, esses pensamentos estão cristalizados e refletem o senso comum do que é preciso para fazer uma empresa dar certo. São passados de geração a geração de empreendedores e aplicados diariamente.

O teste da mãe: existe um caminho para o Brasil?

Uma das melhores conversas que tivemos durante a viagem foi com o Gigi Levy. Logo de cara, ele apresentou um slide com um mini currículo que já deixou todos de queixo caído. Ex-8200, ele deixou o exército para se tornar um empreendedor serial que criou diversas empresas de sucesso até se tornar um investidor relevante para o mercado. Uma das empresas que ele criou foi vendida por 150 milhões de dólares com somente 8 meses de operação. Fácil, não?

Um dos pontos altos da palestra foi “teste da mãe”. Ele usou o Japão como comparação. Neste artigo, eu adapto para a nossa realidade. Se você perguntar para uma mãe brasileira o que ela deseja para o filho, a resposta mais provável será: “eu espero que meu filho passe em um concurso público que pague bem”. Uma israelense dirá: “Espero que meu filho crie uma empresa”.

Talvez esse tenha sido o momento de mais impacto para mim. O que precisamos fazer para mudar essa mentalidade no Brasil? Por que nós brasileiros buscamos tanto a utopia da “estabilidade”? Não tenho nada contra servidores públicos e sou amigo de vários. Mas realmente me incomoda ver tantos talentos escolhendo essa carreira acreditando que estabilidade significa felicidade.

Creio que as respostas para essas perguntas estão na própria comunidade empreendedora do Brasil. Precisamos nos engajar mais, desenvolver um senso de coletivo e nossa própria maneira de construir empresas de sucesso. Esta receita precisa ser comprovada com casos reais de empresas brasileiras e divulgada amplamente com o intuito de influenciar novas gerações de empreendedores.

Esta mudança já está acontecendo, porém ainda não atingimos o tipping point. Ainda precisamos coordenar melhor os diferentes stakeholders: empreendedores, investidores, incubadores e aceleradoras, governo, universidade e grandes empresas. Só a combinação das capacidades de cada um desses grupos permitirá que o Brasil atinja um novo patamar de desenvolvimento da indústria de tecnologia.

Também precisamos avançar mais rápido, correr mais riscos. Inovação é velocidade! As empresas de tecnologia brasileiras precisam gerar resultados mais rapidamente. Tem de ser nossa principal estratégia para vencer. Esta é a nova dinâmica mundial e só os mais velozes sobreviverão. Encerro aqui com uma frase usada pelo Gigi Levy: “Eu posso derrotar qualquer mestre de xadrez se conseguir mover minhas peças duas vezes para cada movimento dele”.


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