Quando terminou o ensino médio em 2015, Camilly Fiusa sonhava em cursar Veterinária. Sem dinheiro, ela adiou a entrada no curso, com a esperança de que a situação melhoraria em pouco tempo. No início de 2018, já com 19 anos e sem ver perspectiva de conseguir fazer a graduação que queria, decidiu entrar em um curso EAD (ensino a distância) para estudar Gestão Ambiental.
“Eu queria ser veterinária, mas é um curso muito caro e muito difícil de ingressar em uma faculdade pública. Achei melhor manter o pé no chão e fazer o que está dentro da minha realidade”, conta ela. No ano passado, Camilly chegou a ingressar em uma faculdade particular para cursar Ciências Biológicas, mas desistiu por causa da duração. Preferiu o curso tecnólogo EAD, que só tem dois anos e custo de R$ 170 por mês, pois conseguiu um desconto de 56% pela empresa Quero Bolsa.
Rodrigo Capelato, diretor do Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp), diz que as pesquisas com alunos do EAD mostram que jovens como Camilly são exceção na modalidade. “A média de idade é de 30 anos, enquanto no presencial fica em 22 anos. Em geral, quem estuda a distância é aquele adulto que já tem família e trabalha, e vê no EAD a possibilidade de ascender na carreira. Para o jovem, só é o caminho quando não vê opção - e isso é muito cruel”, diz.
Para Solon Caldas, diretor da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (ABMES), o crescimento das matrículas no ensino a distância apenas posterga o problema de expansão do ensino superior. “É muito bom que pessoas mais velhas tenham a oportunidade de conseguir estudar e ter um diploma. Mas não se consegue captar o jovem, que ainda tem o desejo de fazer uma graduação presencial. Vamos perpetuando o problema de termos gerações com baixa escolaridade”, diz. Em 2007, a modalidade a distância representava 7% das matrículas de graduação. No ano passado, passou a atender 1,7 milhão de alunos - o que representa 21,2% dos graduandos do País. Nos cursos de licenciatura, a modalidade já tem 46,8% do total de alunos.
Ensino a distância
Modalidade foi responsável pelo crescimento de matrículas no País
Público
Em constante aumento na rede privada, a modalidade a distância também teve neste ano um salto nas instituições públicas de ensino. O número de matrículas cresceu 35% e o de ingressantes, 255%.
“Estamos recuperando o tamanho que essa modalidade tinha há alguns anos, mas foi reduzida por causa da queda orçamentária. Neste último ano, conseguimos retomar a oferta por um incentivo da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Por isso, esse aumento tão expressivo”, diz Reinaldo Centoducatte, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).
Ele também ressalta que a maior parte das vagas não é preenchida por jovens que acabaram de sair do ensino médio, mas por professores e gestores que atuam em escolas do ensino básico. “A maior parte da oferta é para a formação de professores, com as licenciaturas”, diz. Em 2016, o EAD nas públicas teve apenas 24,5 mil ingressantes (menor número dos últimos dez anos). No ano passado, o número de ingressantes subiu para 86,9 mil.
Governo planeja criar Sisu de vagas remanescentes
Com uma alta taxa de alunos que abandonam as graduações, o Ministério da Educação quer criar o já chamado Sistema de Seleção Unificada (Sisu) Transferência para preencher as vagas que sobram desses cursos. Só no ano passado, a rede pública tinha 164 mil vagas remanescentes disponíveis - 99 mil só nas universidades federais - e 70% delas continuaram ociosas.
“Essas vagas ociosas representam um verdadeiro desperdício de dinheiro público, que vem sendo acumulado há anos. Temos um potencial de ampliar, sem custo, o número de alunos na rede pública, porque as universidades já têm os professores e a infraestrutura para preencher essas vagas na totalidade”, disse o ministro Rossieli Soares.
O sistema único, segundo ele, facilitará ao aluno encontrar as vagas que sobram, já que hoje cada instituição tem suas regras e seu processo seletivo. O sistema ainda vai ser discutido e a adesão será voluntária.
Em 2015, o ministro Aloizio Mercadante anunciou o lançamento do mesmo sistema - na época, as vagas remanescentes somavam 150 mil. Ele chegou a anunciar que mudaria a forma de pagamento para as universidades, fazendo a transferência pelo número de matrículas efetuadas e não mais pelo de vagas. Com o impeachment, o programa nunca saiu do papel.