Considerada uma das principais apostas do Mais Médicos para evitar a necessidade de recorrer a médicos estrangeiros, a expansão de cursos e vagas de graduação em medicina ganhou impulso nos últimos cinco anos, mas tem resultado prático incerto.
Dados do Ministério da Educação apontam que, desde 2013, ano da implantação do programa, foram criadas 13.624 vagas para formação de novos médicos no país.
O total supera a meta prevista na criação do programa, planejada em 11.400 até 2017.
Além da ampliação de vagas em cursos já existentes, a expansão também envolveu a criação de cursos, a maioria em faculdades particulares.
No período, foram criados 117 novos cursos de medicina, segundo dados do estudo Demografia Médica, da USP, quase o triplo em relação aos cinco anos anteriores, quando foram abertos 42.
Atualmente, o país tem ao menos 31.523 vagas de medicina, segundo o censo da educação superior mais recente.
Os impactos dessa expansão no mercado de trabalho e na rede de saúde, no entanto, ainda são incertos.
A previsão é que os resultados comecem a aparecer só a partir do próximo ano, quando os primeiros alunos começam a se formar —ao todo, são seis anos de graduação.
Inicialmente, o objetivo do Mais Médicos era estimular a criação de cursos com foco no interior, em uma tentativa de fixar os médicos nestes locais.
Do total de vagas criadas, 73% estão em cidades fora das capitais. Cerca de 80% estão em faculdades privadas.
Para Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP e coordenador do estudo Demografia Médica, que monitora esses dados, apesar da tentativa de interiorização, ainda não há certeza de que os estudantes vão continuar nestes locais, onde há tradicionalmente menos médicos.
Ele cita trabalho que mostra que 93% dos estudantes que se formaram entre 1980 e 2014 em cidades com menos de 100 mil habitantes migraram após a formação.
“Se mantida a tendência anterior com base nos poucos cursos que existiam em cidades menores, haverá uma migração”, afirma. “O perfil dos alunos desses cursos também mostra que muitos vêm de grandes centros, o que é uma preocupação.”
Outro impasse, diz, é o alto valor da mensalidade nas faculdades privadas, o que pode dificultar a entrada de alunos com menor renda. Em média, esse valor é de R$ 7.000.
“O perfil de recém-formado de medicina ainda é elitizado. Se aumento o curso privado, com esse valor de mensalidade, acabo por manter um perfil de recém-formado que terá menos interesse de ocupar esses locais”, diz. Para ele, no entanto, é cedo para avaliar se houve sucesso ou fracasso do chamado eixo de formação do Mais Médicos.
“Nunca tivemos tantos cursos e vagas no interior. Pode ser que tenhamos uma surpresa”, diz. “Mas por enquanto a tendência é que, se não tiver uma política de estímulo à fixação, só a presença das escolas no interior dificilmente vai ser motivo de permanência.”
Ao mesmo tempo em que ganhou estímulo nos últimos anos, a expansão de vagas de medicina continua alvo de polêmica e divide entidades.
Para entidades médicas, o aval à abertura de novos cursos de medicina acabou por gerar faculdades sem comprovação de qualidade. A situação levou o Ministério da Educação a decretar, no ano passado, suspensão da criação de cursos de medicina e de pedidos de aumento de vagas. O motivo seria assegurar a qualidade da formação.
“Não existe possibilidade de nenhum país formar corpo docente e constituir estrutura em tão pouco tempo para fazer frente a esse número de escolas médicas”, afirma Lincoln Ferreira, da AMB (Associação Médica Brasileira).
Coordenador do Mais Médicos entre 2013 e 2016, Felipe Proenço de Oliveira nega que haja excesso de médicos devido à expansão dos cursos.
Segundo ele, a lei do Mais Médicos já previa mecanismos de avaliação da qualidade de formação. Uma delas era a Anasem, prova que visava avaliar estudantes de medicina no 2º, 4º e 6º ano. O problema é que a medida, aplicada pela primeira vez em 2016, deixou de ser implementada.
“Concordo que tem que ter um olhar sobre a formação, tem que ter a avaliação disso, e rever a autorização. Mas o argumento de que tem muitas escolas e vagas não se sustenta devido ao tamanho da população brasileira”, diz.
Representantes de instituições do ensino superior também defendem a expansão.
Para Sólon Caldas, diretor-executivo da ABMES (Associação Brasileira das Mantenedoras do Ensino Superior), o número de vagas abertas nos últimos anos foi insuficiente para atender a demanda.
“O Mais Médicos abriu vagas específicas em alguns municípios, em geral com 50 vagas. É muito pouco para abertura de um curso de medicina e para atender a demanda daquela região”, afirma ele.