A eficácia da principal avaliação de ensino superior do País é criticada por um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, na sigla em português), divulgado nesta sexta-feira. Feita a pedido do Ministério da Educação (MEC), que também na sexta informou não ter ainda autorização a divulgação, a análise questiona a continuidade da aplicação do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), pois avalia que a prova tem objetivos “irreais” e falha na tarefa de atestar a qualidade das graduações.
O exame, aponta o relatório, tem “fraquezas significativas” em concepção, elaboração, objetivos e resultados obtidos. Por isso, a OCDE recomenda ao MEC que avalie se vale a pena mantê-lo. “É questionável se a qualidade e a utilidade dos resultados obtidos com o exame justificam o gasto de dinheiro público.” Em 2017, a aplicação do Enade custou R$ 118 milhões. Criado em 2004, o Enade é obrigatório para conclusão da graduação. O exame avalia o rendimento dos alunos em duas partes: em relação aos conteúdos específicos dos cursos e em conhecimentos gerais. A prova visa a avaliar a qualidade das graduações no País. As notas do exame são convertidas em uma escala por faixas, que vai de 1 a 5. O mesmo ocorre com o Conceito Preliminar de Curso (CPC), indicador composto pelo Enade, dados sobre perfil dos professores e infraestrutura.
O primeiro problema da prova, segundo o relatório, está relacionado à participação dos estudantes. Apesar de o exame ser obrigatório para o estudante, o resultado obtido não tem impacto no histórico escolar. A equipe destaca que, a cada edição, o Enade registra entre 10% e 15% de abstenção e diz que há evidências de que uma “proporção significativa” dos que fazem a prova deixam grande parte das questões em branco.
Sobre o formato, o relatório critica a avaliação de conhecimentos gerais. Para a OCDE, é “problemático” que o exame exija que os alunos de todas as graduações tenham adquirido conhecimentos e habilidades genéricas como as cobradas na prova. Também questiona a parte específica da avaliação e aponta que o conteúdo cobrado no exame pode engessar os cursos, uma vez que as faculdades podem passar a restringir o que ensinam ao que é avaliado na prova para, assim, obter uma nota melhor. Segundo o relatório, há um risco de a prova inibir inovações nos cursos.
Além do conteúdo cobrado na prova, o relatório também aponta falhas na elaboração do exame, já que os resultados não podem ser comparados entre diferentes edições. Dessa forma, a avaliação não permite saber se um curso melhorou ou piorou sua qualidade ao longo dos anos. “Atualmente, os resultados do Enade são usados como base para decisões regulatórias (por exemplo, a renovação do reconhecimento de um curso de graduação), mas não são usados pelas instituições de ensino e professores para identificar o que precisam melhorar em seus cursos”, diz.
O documento também aponta como ponto negativo o fato de não haver níveis mínimos de desempenho esperados dos alunos. “As pontuações no Enade são simplesmente números. Não é possível saber se os alunos que estão em cursos que atingiram 50% ou 60% de acertos na prova apresentam desempenho bom ou ruim.” O relatório conclui que é importante uma reflexão do MEC sobre a manutenção do Enade. E sugere que, se o ministério quiser manter o exame, é importante que sejam feitas alterações para que a prova seja capaz de fornecer informações confiáveis que ajudem professores e instituições a melhorar seus cursos.
Questionamentos
Especialista em políticas de ensino superior, Elizabeth Balbachevsky diz que os critérios utilizados atualmente para avaliar as graduações e instituições no País são “arbitrários” e pouco esclarecedores para os estudantes. “As notas do Enade e o conceito se transformam em números vazios, formados com base em cálculos complexos, que não ajudam a identificar a qualidade do curso. Acredito que, para o aluno, seria mais importante ter informações como quantas pessoas abandonam o curso e onde estão empregados os formados.”
Representantes das universidades privadas também são críticos. Sólon Caldas, diretor da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), diz que, como os alunos não têm compromisso com o resultado, a avaliação acaba sendo apenas punitiva para as instituições. “O exame não avalia o curso e sua qualidade porque os alunos boicotam a prova. O resultado não ajuda a corrigir distorções ou apontar caminhos de melhora.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.