O Ministério da Educação quer criar mecanismos para que seja possível punir o aluno que tem um desempenho muito abaixo da média no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). A proposta foi apresentada nesta sexta-feira, 4, pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub.
“O aluno faz a prova como se não houvesse amanhã”, disse, ao comentar os resultados do Enade para os cursos de bacharelado das áreas de Ciência Sociais, Ciências Humanas e os tecnólogos de Gestão e Negócios, Produção Cultural e Design. Ele atribuiu parte do baixo desempenho à falta de incentivo dos alunos para a realização das provas. “Uma pessoa que faz a prova e acerta 10% das questões não deveria se formar”, afirmou.
A participação no exame é obrigatória, sob pena do atraso na colação de grau. O desempenho, contudo, não traz atualmente vantagens ou desvantagens para o aluno. Diante desse cenário, avalia ele, parte dos alunos acabam entregando a prova em branco. Ele observou que resultados abaixo do porcentual de acerto com resposta aleatórias.
Weintraub não detalhou quais seriam as punições possíveis. A ideia do ministro é também criar mecanismos positivos. E esse seria o primeiro passo da estratégia.
Presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), Alexandre Lopes afirmou que a ideia é incluir, no próximo edital, uma regra que permita a divulgação da faixa de nota do estudante que participou do exame. Isso seria feito, por exemplo, para aqueles que tivessem um nível de acerto entre 60% e 80% e na outra faixa, para aqueles que tivessem um acerto acima de 80%. Tal mecanismo, na avaliação de Weintraub, poderia ser usado como incentivo, sobretudo no momento em que o estudante for procurar uma colocação no mercado de trabalho.
“Nada será feito a fórceps”, disse Weintraub, ao apresentar as propostas. A ideia é que mudanças nas regras de avaliação sejam discutidas com especialistas. Parte delas, de acordo com Lopes, poderão ter aplicação imediata. Outras necessitarão de portaria ou de mudança na lei.
Lopes afirmou que a ideia é apresentar um conjunto de sugestões para melhorar as avaliações preparadas pelo Inep até o fim de 2019. Lopes afirmou que a ideia é apresentar até o fim do ano um conjunto de sugestões para melhorar as avaliações preparadas pelo Inep.
Os resultados do Enade mostram um desempenho superior de cursos dados em instituições públicas. Ao mostrar os dados, o ministro destacou a pequena diferença nos resultados entre cursos presenciais e cursos a distância.
O levantamento preparado pelo Inep mostra que 12,2% dos cursos a distância tiveram classificação 4 e 5, maior do que o resultado médio. Nos cursos presenciais, a fatia que ficou com essa classificação é de 20,8%. Na outra ponta, 28,4% dos cursos a distância tiveram conceito mais baixo que a média (1 e 2) ante 18,1% dos cursos presenciais.
A comparação, contudo, tem universos bem distintos. Foram considerados no Enade 376 cursos com ensino a distância e 7.642 cursos presenciais. O presidente do Inep atribuiu a diferença ao fato de que alguns cursos, como Direito, por exemplo, não apresentam a modalidade a distância.
Apesar da grande diferença do universo analisado, Weintraub avalia que o desempenho das duas formas de ensino é semelhante para os cursos que fizeram parte deste Enade. A expansão de cursos a distância ficou evidente no Censo de Educação Superior, divulgado em setembro. O trabalho mostra que, no ano passado, a cada 10 alunos que ingressam no ensino superior, 4 vão para modalidade de ensino a distância. ,Para Weintraub é uma realidade que não há como escapar. A defesa dessa forma de ensino foi além da comparação dos dados do Enade. “É uma modalidade mais eficiente do ponto de vista econômico.”
Deficiências
Criado em 2014, o Enade teve sua eficácia questionada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que sugeriu inclusive a suspensão da aplicação da prova. Segundo o relatório da organização, que fez a avaliação a pedido do Ministério da Educação (MEC), o exame não permite saber se um curso melhorou ou piorou sua qualidade ao longo dos anos e também não estabelece níveis mínimos de desempenho esperado dos alunos. O documento concluiu que a prova tem "objetivos irreais" e falha na tarefa de atestar a qualidade das graduações.
O exame, aponta o relatório, tem “fraquezas significativas” em concepção, elaboração, objetivos e resultados obtidos. Por isso, a OCDE recomenda ao MEC que avalie se vale a pena mantê-lo. “É questionável se a qualidade e a utilidade dos resultados obtidos com o exame justificam o gasto de dinheiro público.” Em 2017, a aplicação do Enade custou R$ 118 milhões.
Prova foi criada para avaliar cursos e não o aluno, dizem especialistas
Especialistas e representantes do setor do ensino superior ouvidos pelo Estado lembraram que o Enade foi criado em 2004 para avaliar a qualidade dos cursos e não o conhecimento dos alunos. Para que a proposição do ministro seja colocada em prática, seria preciso mudar o formato, a matriz curricular e o objetivo da prova.
"Há alguns anos questionamos se o formato e os conteúdos cobrados na prova são os mais adequados. Se o exame tem o objetivo de avaliar os cursos, como cobrar e punir os alunos que não vão bem? Punir o estudante não vai melhorar a qualidade do ensino superior", disse Maria Helena Guimarães de Castro, conselheira do Conselho Nacional de Educação (CNE) e ex-secretaria executiva do MEC nos governos FHC e Temer. Ela defende que é preciso repensar todo o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) e a organização dos cursos de graduação que, em sua opinião, é muito "engessada" no País se afastando dos interesses e necessidades dos estudantes.
Simon Schwartzman, membro da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES), disse que a prova do Enade tem uma matriz curricular genérica, já que avalia cursos do País todo, com características diferentes. Por isso, vem sendo apontado como insuficiente até mesmo para avaliar os cursos. "Relatórios e avaliações vem mostrando que o exame não é eficiente nem para o seu objetivo e querem acrescentar uma nova função a ele? Não vai servir para melhorar a qualidade da educação".
Sólon Caldas, diretor executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (ABMES), também disse não ver benefícios em usar a prova como punição para os alunos. Ele lembrou que o setor defende há anos que a nota do Enade seja incluída no histórico escolar para incentivar o estudante a se dedicar para a prova. "Seria uma motivação para ele fazer a prova. Não acho que punir seja o caminho", disse. Em 2016, o MEC disse que estudava a proposta, mas ela não avançou.
Caldas também defendeu que não se deve avaliar a qualidade dos cursos de graduação apenas com os resultados de desempenho na prova. "Não é possível dizer que um curso é bom ou ruim apenas com base numa prova por melhor elaborada que ela seja. Se estamos formando profissionais, outros mecanismos de avaliação têm de ser levados em conta", disse.