A inteligência artificial será o fator de mudança mais radical na economia nos próximos cinco a dez anos, o que implica inúmeros riscos, incluindo a eliminação de empregos, mas não haverá nenhuma hecatombe digital se os cuidados necessários forem tomados a tempo. É essa a visão de futuro descrita pelo francês Jean-Philippe Courtois, presidente global de vendas, marketing e operações da Microsoft, que veio a São Paulo na semana passada.
“É correto dizer que alguns empregos serão completamente automatizados”, diz o executivo de 59 anos - 35 deles passados na companhia americana. A adoção crescente de robôs e sistemas que aprendem sem intervenção humana, o chamado aprendizado de máquina, é inevitável, porque traz ganhos econômicos indispensáveis à competição. “Mas na maioria dos casos, só parte do trabalho será automatizada”, afirma Courtois, o que abre espaço para que as pessoas adquiram novas habilidades e se reposicionem no mercado.
A inteligência artificial tem se disseminado tão rapidamente que mesmo operários e outros profissionais cujas atividades não tinham nenhuma conexão com a tecnologia - de balconistas de loja a funcionários de uma estação de trem - poderão ter a possibilidade se reposicionar, diz Courtois. Isso porque as empresas nas quais trabalham dependem de sistemas de dados e precisam de pessoas para lidar com a demanda crescente por informações.
Até 2030, a expectativa é que a inteligência artificial acrescente US$ 15,7 trilhões à economia mundial, diz Courtois, com base em levantamento da consultoria PwC. Esse montante virá principalmente dos ganhos com produtividade e do estímulo ao consumo proporcionado pela melhoria dos produtos. A questão para países, sociedades e empresas é como se antecipar a esse movimento - e tirar vantagem dele - em vez de ficar para trás e reagir tardiamente às mudanças. A resposta está, em grande parte, na requalificação.
“No Brasil, formamos metade da demanda [dos profissionais de tecnologia] de que precisamos, e 50% deles [saem da universidade] sem estar atualizados nas tecnologias mais recentes”, diz Tânia Cosentino, presidente da Microsoft no Brasil. Para ajudar a combater essa deficiência, a companhia fechou, na semana passada, um acordo com a ABMES, associação que congrega quase 80% das universidades privadas do país, para a criação conjunta de um currículo para a área de inteligência artificial, informa a executiva.
O futuro, no entanto, não será um mundo conduzido por engenheiros, diz Courtois. Muitas profissões vão, de fato, exigir habilidades técnicas voltadas ao mundo digital, algo que as gerações mais jovens já estão desenvolvendo intuitivamente dentro das organizações, afirma. “Toda empresa está se tornando uma empresa de software, mas isso não significa que todas as pessoas se tornarão engenheiros.”
Além disso, existe a necessidade de desenvolver um segundo conjunto de habilidades, que não depende de um curso de tecnologia. São capacidades de colaboração e criatividade para que pessoas com experiências de vida distintas encontrem, na tecnologia, saídas para os problemas que enfrentam - de forma coletiva e mais rápida.
Esse componente humano, em contraste com um mundo supostamente dominado por máquinas, está na base de outro dilema que tende a se intensificar: com o uso da inteligência artificial, Estados autocráticos não poderiam se transformar em ditaduras digitais, capazes de controlar os passos de seus cidadãos de uma maneira nunca vista antes?
“Temos sido muito claros em dizer que precisamos de princípios quanto à maneira de conduzir as inovações”, diz Courtois. “São princípios éticos de inteligência artificial, que aplicamos a nós mesmos, mas que também podem ser compartilhados com governos.” Entre esses princípios, afirma, estão a imparcialidade e a diversidade, “exatamente para garantir que as pessoas que vão criar os algoritmos não sejam apenas homens brancos, com as mesmas crenças, mas pessoas com visões diferentes”, diz. É fácil culpar um algoritmo por alguma atividade indevida, mas por trás de qualquer algoritmo existem pessoas, afirma.
Torcedor do Nice, pequeno time de futebol da cidade francesa onde cresceu, Courtois jogou futebol na juventude, não profissionalmente. Era líbero, com liberdade tanto para defender como para atacar. É um bom paralelo para a posição que ocupa, hoje, na Microsoft. Responsável pelas 124 subsidiárias da empresa no mundo, ele é um dos principais homens de operação do executivo-chefe da companhia, o indiano Satya Nadella.
Desde que assumiu o cargo, em 2014, Nadella mudou a rota da Microsoft. Historicamente concentrada no sistema Windows, a companhia foi reorientada para os serviços em nuvem, que têm impulsionado os resultados. No trimestre mais recente, fechado em setembro, a receita da Microsoft aumentou 14%, para US$ 33 bilhões, e o lucro líquido cresceu 21%, para US$ 10,7 bilhões, em relação ao ano anterior.
Courtois diz que o trabalho da Microsoft é estabelecer a mais confiável plataforma de nuvem para os usuários. Cita a Vivo, um cliente brasileiro, e afirma que a Microsoft nunca tentará se tornar uma operadora de telecomunicações. Ele diz que não é o que faz a Amazon, que oferece serviços de nuvem ao mesmo tempo em que deixa outros varejistas “aterrorizados”, ou o Google, que recentemente anunciou a entrada nos serviços financeiros. Ele não perdeu a prática de defender - e atacar.