Como efeito da pandemia, as instituições de ensino superior privadas estão acelerando a migração de sua base de cursos para o modelo híbrido, que combina ensinos presencial e digital. É esforço para compensar a progressiva redução na receita líquida do setor, puxada pelo crescente ingresso de alunos na modalidade a distância (EAD), que tem mensalidade a um terço do valor cobrado nos cursos presenciais e com preços em queda.
Para avançar em escala e em rentabilidade, companhias do setor voltam as atenções para os cursos presenciais de preços mais altos — como Medicina, Engenharia e Direito —, ampliam a abertura de polos de EAD e devem aquecer o movimento de aquisições. São estratégias para lidar com outros desafios trazidos pela Covid: aumento de inadimplência e evasão de alunos.
— Está ficando mais difícil diferenciar os cursos presenciais dos digitais. As companhias com capital em Bolsa estão voltadas para a construção de currículos híbridos, que permitem mensalidades mais altas. A tendência é que cresça a oferta de novos produtos, que serão cada vez mais personalizados. O desafio é casar qualidade acadêmica e custos de infraestrutura e tecnologia num mercado muito competitivo — frisa Mariana Ferraz, analista do setor de Educação da Eleven Financial Research.
Paulo Presse, especialista da consultoria Hoper Educação, explica que em 2019 o número de alunos que ingressam pelo EAD superou o total via presencial. É fatia que seguirá crescendo, continua ele, devendo bater 67,1% em 2021.
— A pandemia mexeu com o perfil do aluno. Temos agora estudantes e profissionais mais críticos do ponto de vista de entrega e de tecnologia. Mais que isso, querem atenção e diálogo direto com a instituição. Neste segundo semestre, considerando os grandes grupos, as matrículas no presencial recuaram entre 20% e 25%, enquanto no EAD avançaram de 20% a 35%. Isso impacta a receita das empresas do segmento, pedindo qualidade e escala — explica ele.
Os resultados colhidos pela Yduqs, dona da Estácio, ilustram o peso da base de alunos no resultado. O grupo registrou um lucro de R$ 112,5 milhões no terceiro trimestre, queda de 26,3% na comparação com igual período de 2019, mas um salto frente à perda de R$ 79 milhões de abril a junho. A captação de novos alunos neste segundo semestre avançou 36%, puxada pelo impulso de uma alta de 58% nos cursos digitais.
Medicina e engenharia
Já a captação no presencial recuou 5,9%. Sem as aquisições feitas pela companhia — que concluiu a compra da Adtalem Brasil (dona do Ibmec) em abril e do Grupo Athenas em julho —, esse recuo teria sido de 18,8%.
A Yduqs já havia feito uma virada na estrutura de cursos, apostando no EAD, com formatos de cursos híbridos, e em cursos presenciais no segmento premium — Saúde (principalmente Medicina), Engenharia e Direito, que têm mensalidades mais altas e onde estão 75% dos alunos do grupo nessa modalidade.
— Nosso EAD nasceu 100% digital, o que permite ampliar a capacidade e ter polos com muita agilidade. Além disso, focamos no presencial premium, principalmente Medicina, desde 2016, uma aposta que se prova correta. O EAD traz volume pela capilaridade, enquanto a Medicina traz o tíquete médio mais elevado — diz Adriano Pistore, vice-presidente de Operações da companhia, frisando que a Yduqs tem caixa fortalecido para seguir fazendo aquisições.
Ele avalia que o segmento presencial vem sentindo impacto da retirada do Fies. A base de alunos da Yduqs nessa modalidade de ensino cresceu 9,3% no terceiro trimestre. Sem as aquisições, teria visto esse grupo encolher em 7%, principalmente pelo tombo de 51% do Fies na Estácio.
— Quem soube se ajustar ao mercado sem Fies está melhor. Tentamos o financiamento próprio, mas não é viável. O foco é captar alunos pagantes. Então, trabalhamos para ter um tíquete médio adequado — conta ele.
O tíquete médio é questão central. Segundo a Hoper, o valor médio da mensalidade na graduação presencial no país caiu de R$ 918,14 em 2015 para R$ 736 este ano, quase 20%. No ensino a distância, passou de R$ 365,65 para R$ 249,90 no mesmo período, queda de 31,6%.
Desde 2016, a receita líquida do setor cai em média 5% ao ano, segundo a consultoria. Recuou de R$ 61,2 bilhões para R$ 54,6 bilhões em 2019. A previsão é encerrar este ano com retração de 7%, diminuindo para R$ 50,7 bilhões, e cair outros 5% em 2021, a depender do cenário econômico e político, pondera Presse.
Na pandemia, os grupos concederam descontos — por negociação direta ou imposição judicial — ou suspenderam cobranças de alunos, o que reduz o tíquete médio.
Contra o desconto linear
Sólon Caldas, à frente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), sublinha que é importante que as instituições mantenham as negociações de forma individualizada:
— Há uma crise real. Mas nossa posição é contra a aplicação de desconto linear. Ele chega a quem não precisa e não atende a quem realmente está precisando de ajuda. Os desafios são grandes, mas a intenção de matrícula para o início de 2021 subiu. E há demanda reprimida deste ano.
A Cogna, maior grupo de educação do país, promoveu uma grande reestruturação na Kroton, sua unidade voltada para graduação, revisando o modelo presencial. Buscou melhorar a oferta de cursos com foco nos de maior demanda e rentabilidade, como Saúde, Direito e Engenharia, além de Medicina. Cortou custos de infraestrutura física e unidades, sem deixar localidades. E suspendeu o financiamento estudantil próprio, buscando atrair alunos pagantes.
No terceiro trimestre, a Kroton registrou queda de menos de 2% na captação de novos alunos na comparação com um ano antes. No presencial, contudo, a diminuição chegou a 61%, enquanto os cursos digitais premium (híbridos) tiveram alta de 93,2% e o EAD, de 25,1%. Nos primeiros nove meses do ano, a receita líquida da unidade de negócios da Cogna caiu 27% ante igual período de 2019.
A Cogna anunciou a criação de um marketplace, que terá cursos de ensino superior, além de outros, como técnicos e de idiomas. Entram ainda na plataforma serviços como orientação vocacional.
A Ânima é outra que investe em consolidação e inovação para avançar. No mês passado, comprou a Laureate (dona de IBMR e Amnhembi Morumbi), após disputa com Yduqs e Ser, por R$ 4,4 bilhões. Depois, anunciou a aquisição da MedRoom, start-up de soluções em tecnologias imersivas para o ensino de Medicina.
Instituições de menor porte também se adaptam. A Universidade Candido Mendes (Ucam) pediu recuperação judicial em maio, após a pandemia ter feito o faturamento tombar em 30% e a inadimplência alcançar um quarto da base de alunos.
— Crescemos em polos de EAD no Grande Rio, subindo de 15 para 32 este ano por meio de parcerias. Em 2021, teremos outros núcleos na Região Serrana e na Região dos Lagos. Em paralelo, teremos mais cursos híbridos, buscando equilíbrio entre as ofertas de presencial e EAD, com foco na saúde financeira — conta o pró-reitor Cristiano Tebaldi.
Ele diz que nos grupos menores o desafio de ganhar escala é maior. A Ucam tem 10.500 alunos, sendo dois mil deles no ensino digital, número que estima dobrar até o início do primeiro semestre letivo de 2021:
— Estamos revisando a oferta de cursos presenciais, focando naqueles em que temos tradição e excelência reconhecida: Direito, Economia, que terá novo currículo a partir de 2021, Administração, Ciências Contábeis, engenharias de Produção e Civil. Os demais cursos migram para o EAD.