A educação contribui para o crescimento econômico de várias formas. A principal delas se dá pela capacitação da força de trabalho que assim, se torna mais apta a absorver, reproduzir e desenvolver tecnologias. Com a mão de obra mais qualificada, aumenta a produtividade marginal do trabalho e o efeito é a expansão da renda das empresas e, em termos agregados, o maior ritmo de crescimento da economia. (Marcos Cintra – Doutor em Economia pela Universidade Harvard e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas)Infelizmente, não há receitas para recuperar o plus do manjar branco da avó nem do arroz com feijão da mãe. Podemos até reproduzir a receita ipsis litteris, mas o resultado deixa aquela “frustração afetiva”, a melancolia do “não ficou igual”. Querer copiar receitas educacionais de outros países pode gerar sentimentos parecidos ou até produzir efeitos catastróficos se não se levar em conta a idiossincrasia das culturas. Estamos já acostumados a ouvir, e respeitar, o “milagre” que ocorreu com a Coreia do Sul. Com a economia em frangalhos e uma população iletrada, esse país asiático era, na década de 1950, um país paupérrimo, desprovido de recursos naturais e, aparentemente, sem futuro. Hoje é a décima quinta potência econômica mundial, um gigante de manufatura e exportador de tecnologia de ponta. A grande aposta desse tigre asiático foi o investimento em educação. A partir do nada, a Coreia do Sul apostou no que tinha: seu povo. Governo e famílias, em conjunto, perceberam o valor da educação e nela investiram maciçamente. Essa aposta resultou na formação de engenheiros e de operários necessários para desenvolver uma base manufatureira sobre a qual a economia pudesse florescer. Na Coreia do Sul, o sistema priorizou inicialmente a educação primária. Só quando esta se tornou universal, o governo passou a destinar recursos para o segundo e terceiro graus. Além de um plano de carreira consolidado, os professores sul-coreanos recebem altos salários e o status dos professores é resultado da relação que a sociedade possui com a educação. Como já disse, essas não são receitas ready made, mas podem orientar a “virada de mesa” brasileira, a mudança necessária para nossa adequação à sociedade do conhecimento. Ainda enfrentamos, é certo, neste novo milênio, mazelas de países subdesenvolvidos, como bem destaca o professor Raulino Tramontin, crítico e observador da educação nacional, que, dia desses, me dirigiu cumprimentos por artigo postado neste blog sob o título O desafio de transformar o ensino básico até 2022: “Temos problemas crônicos de evasão, abandono e repetência ocasionados pela miséria, falta de socialização, falta de estímulos, falta de aptidão dos professores e por aí afora, sem falar na fome. Assim, só podemos lançar mão de experiências estrangeiras mais como exemplos de iniciativa, pois nosso sistema político é outro, nossa economia é outra, nossos costumes são outros, nossa cultura é outra, para o mal e para o bem”. Como mudar esse nosso quadro? Temos, como povo, de empreender nossa “reprogramação cerebral”. Por que é tão difícil mudar o status quo? Porque dá trabalho. A troca de padrão de comportamento exige toda uma reprogramação do cérebro para substituir um antigo costume por outro, exige a criação de novas conexões entre os neurônios. A tarefa é difícil, mas não impossível. Cidadania, espírito crítico, criatividade, cooperação, trabalho sério e duro são palavras-chave para reprogramar o “complexo de vira-lata” do nosso povo, alcunha estimulada por migalhas, pela xepa governamental, que cria “programas” que não engajam o cidadão a querer mudar estruturalmente a sua situação. Não é possível erradicar a pobreza, extrema ou moderada, pela pura e simples transferência de renda. É preciso melhorar a capacidade das pessoas de se manterem em empregos de qualidade, o que só será possível com educação. O exemplo da Coreia do Sul pode nos redimir: lá a educação não foi vista como gasto, mas como investimento. Investimento ao qual a sociedade como um todo – governo, professores, pais, estudantes e demais atores sociais – se dedicou com afinco (diria até com patriotismo, palavra quase em desuso por aqui não fossem ações da Lava-jato, que nos fazem acreditar que o Brasil ainda tem jeito). No Brasil, aumentar o valor destinado à educação é fundamental como motor para o rápido crescimento econômico. Mas, para essa proposta não parecer café requentado, temos de repensar seriamente nossa concepção de educação e de formação docente com um norte magnético a ser perseguido por todos: qua-li-da-de. Qualidade não como meta deste ou daquele governo, mas como necessidade precípua para nosso desenvolvimento socioeconômico. Qualidade a ser aferida em todos os níveis por meio de controle e seriedade constantes. Acredito em algumas medidas de valorização educacional que dizem respeito à concentração de recursos no ensino fundamental, até sua universalização (ao contrário do que fazemos hoje); ao incentivo aos melhores alunos (a Coreia do Sul recruta entre os melhores discentes do ensino médio os professores do fundamental, e dá a eles bons salários e estímulos para progresso na carreira); aos salários e ao bom ambiente de trabalho para os docentes; à atração de empresas para parcerias financeiras com universidades e desenvolvimento de polos universitários voltados para alta tecnologia; à maior permanência nas escolas (o tempo de permanência na Coreia do Sul é de dez horas diárias, o dobro do Brasil); à participação dos pais e familiares nas atividades escolares. Para o sociólogo italiano Domenico De Masi, o brasileiro – por sua flexibilidade, capacidade de lidar com a adversidade, abertura à diferença e à engenhosidade – tem um grande potencial criativo, que se exprime com muita força nos aspectos da produção imaterial. Por isso, tem certa facilidade em pensar fora da caixa, mas, por vezes, lhe faltam a disciplina, o rigor e a tenacidade para dar concretude às ideias e transformá-las em inovações científicas e tecnológicas. Aí está o campo aberto ao papel da educação, que deve evoluir para trabalhos multi, inter e transdisciplinares. Para De Masi, os novos pensadores, integrando conhecimentos, serão os inventores de uma nova etapa pós-industrial, de um novo humanismo, ajudando também a criar uma nova “cabeça” brasileira. Só a educação – formal ou informal, mas pensada para este século pós-industrial – pode conferir poder aos indivíduos e criar um Brasil melhor, tanto no aprimoramento social quanto na escolha dos seus representantes políticos, com políticas educacionais consistentes e duradouras, instituições sociais e políticas robustas nas áreas críticas – financiamento, currículo, formação de professores, avaliação e gestão.