“As massas humanas mais perigosas são aquelas em cujas veias foi injetado o veneno do medo. Do medo da mudança.” (Octavio Paz)No artigo da semana passada relatei a história do filho do taxista, mas ela é melhor do que eu havia entendido. De fato, os meninos ficaram a tarde na escola para colaborar com a professora. O objetivo era a criação de um canal de YouTube para os trabalhos escolares. Uma semana antes, ela deu tarefa para eles pesquisarem no Google três cidades brasileiras em que gostariam de viver. Os dois estudantes apresentaram na classe um vídeo feito por eles e abafaram. Então a professora pediu que ensinassem aos colegas como filmar e fazer uma apresentação. Esse cenário mostra que os alunos estão participando e não apenas ouvindo. Ou seja, a professora abriu espaço para aprendizagem colaborativa. O que é importante é que ela os colocou como protagonistas e não mais como simples espectadores. E é isso o que de fato precisa sair do campo das ideias e ser efetivamente mudado. Comecei o primeiro artigo da série em que abordo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) baseando-me numa excelente peça publicitária da SAS Plataforma, publicada na Folha de S.Paulo. É conteúdo persuasivo e motivador que mostra como implantar essa estratégia transformadora no ensino básico brasileiro. Completamente possível, porém há ao mesmo tempo centenas de críticas mostrando justamente o contrário: que nada vai dar certo. O Brasil é o único país que, depois de alguns anos de uma reforma e não tendo conseguido implantá-la, faz outra. Foi sempre assim em todos os níveis e graus ao longo da história. A questão legal da Base Comum Curricular está vencida. Mas agora se discute em todas as regiões como implementar o processo. Todavia, continuamos com um velho problema no ensino público: pouca ou nenhuma infraestrutura a não ser nos grandes centros para poder implantar a BNCC. Isso requer recursos que hoje não estão disponíveis como deveriam estar. Por outro lado, como já disse, não há compromisso por parte das prefeituras e nem dos estados. É o governo federal que envia todos os meses, através do FNDE, os recursos para estados e municípios e que deveria ser o fiel da balança nessa equação, estabelecendo para todos o dever de casa e cobrando a execução. Se não tomarmos medidas drásticas, não implantaremos a BNCC. Vamos levar, levar e pôr um arremedo e pronto. Discutir questões ideológicas já não é tão importante. O importante é identificar o que um brasileiro deve saber e aprender no ensino fundamental. Qual o mínimo para poder ser um cidadão e ter habilidade profissional. Quando se pensa em uso de tecnologias nas escolas públicas, vale observar que o governo reduziu exigências para que as prefeituras possam participar do programa “Internet para Todos”, do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). O Brasil está com 70% de um satélite ocioso ao custo mensal de mais de 800 mil, por que estão brigando e o caso está na mesa da presidente do STF, que parece não ter pressa. O programa “Internet para Todos” quer atingir no mínimo 40 mil localidades com banda larga. Isto é, internet de alta velocidade. Ela é tão fundamental que muda tudo: muda escola, muda arquitetura dos ambientes, muda principalmente a cabeça das pessoas. A questão da mão de obra qualificada para sua implantação dessa infraestrutura tecnológica nas escolas, já abordamos, mas não vejo nenhum movimento efetivo no MEC, para além da infraestrutura, avançando de fato para trabalhar de forma incisiva em programas de formação de professores, orientadores, profissionais da internet, profissionais de artes etc. Sem todo esse processo estruturado, tudo vai ficar no papel, e o resto é conversa fiada que está estampada todos os dias em todos os jornais com “loas” às reformas que não saem do papel. Há teóricos e profetas de todos e para todos os gostos, inclusive para o meu e o de vocês. Mas isso não resolve, a não ser com comprometimento, efetividade de ações e direcionamento dos recursos, já que o PNE foi para o brejo com tudo. Enquanto não pensarmos o sistema educacional como redes interligadas, não sairemos dessa situação simplista de reducionismo barato, ou pior, de simplificações que fazem o aprendiz a se perguntar: o que querem de mim? O que querem me ensinar? O que minha família espera que eu aprenda. Vamos dividir as tarefas entre escola e família? Precisamos com urgência, pois instruir, escolarizar é apenas uma parte do processo. Agora atribuir valores, princípios, modos de vida em sociedade, engajamento interpessoal é outra coisa. Falar e fácil, difícil é fazer acontecer. O que tem de gente falando besteira a respeito da BNCC sem nunca ter atuado numa sala de aula é de espantar. Manda eles cuidarem de seus filhos que farão melhor que tentar elaborar teorias para os filhos dos outros. A participação da família é essencial e falamos dela no artigo anterior. Mas é fundamental também a participação da sociedade como um todo. Não dá para deixar tudo na mão do governo. Quantos milhares de profissionais e empresários hoje em excelente posição financeira que fizeram escola pública em seus diversos níveis participam de qualquer iniciativa colaborativa de doação de recursos para a educação dos despossuídos? Ou seja, devolver o que tiveram de graça. Se fizer pesquisa dá para contar nos dedos. E o ensino particular, por suas inúmeras associações de classe, que iniciativas já fizeram para colaborar para que o país tenha egressos do ensino básico mais preparados para enfrentar um mercado de trabalho mais competitivos? Vale lembrar: se um catador de lixo de Olinda, Sebastião Pereira Duque, pode reformar uma escola toda, o que o ensino particular poderia fazer? Quantas latrinas faltam nas pobres escolas públicas do interior do nordeste brasileiro e todos esperam que o governo resolva. Quantos livros e cadernos poderiam ser doados, sem falar dos computadores em desuso. Realmente foi importantíssimo discutir a BNCC, mas agora é a hora de agir e por causa disso é que escrevo. Educação não é para amadores, mas para profissionais bem-intencionados.