A matemática como motor da competitividade

Espaço destinado à atualização periódica de tecnologias nacionais e internacionais que podem impactar o segmento educacional e, portanto, subsidiar gestores das instituições de ensino para que sejam capazes de agir proativamente olhando para essas tendências.

07/10/2025 | 1399

A matemática como motor da competitividade

A Folha de S.Paulo publicou recentemente o artigo “Matemática como política de Estado”, assinado por Katia Smole e Laura Angélica, especialistas em educação e representantes do Instituto Reúna. O texto lança luz sobre uma questão que ultrapassa os limites da sala de aula: o déficit em matemática no Brasil deixou de ser um problema pedagógico e tornou-se um desafio estrutural de competitividade e desenvolvimento econômico.

As autoras alertam que 51% das crianças do 4º ano do ensino fundamental não atingem o nível básico de proficiência em matemática, e que esse percentual chega a 62% no 8º ano. Esses números revelam uma fragilidade que afeta a produtividade, a inovação e a capacidade do país de formar profissionais para as demandas da nova economia digital. A defasagem matemática, acumulada desde os primeiros anos escolares, cria uma barreira silenciosa à ascensão social e perpetua desigualdades econômicas.

Segundo estudo do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) citado no artigo, profissionais com maior domínio matemático podem receber até 85% a mais do que aqueles com menor exigência numérica em suas funções. Esse dado transforma a matemática em um ativo econômico: o grau de alfabetização matemática de uma população é diretamente proporcional à sua capacidade de gerar inovação, produtividade e riqueza.

Smole e Angélica defendem que a matemática precisa ser tratada como infraestrutura de Estado, e não apenas como disciplina curricular. Da mesma forma que energia, saneamento e conectividade são elementos estruturais do desenvolvimento, o domínio matemático deve ser visto como condição essencial para o crescimento sustentável e a competitividade nacional.

A discussão ganha relevância no contexto da tramitação do novo Plano Nacional de Educação (PNE). As autoras argumentam que o plano, se quiser ser efetivo, precisa estabelecer metas mensuráveis de aprendizagem em matemática desde os primeiros anos da educação básica. Hoje, o foco excessivo na alfabetização linguística deixa um vazio formativo que compromete o raciocínio lógico, a capacidade analítica e a autonomia intelectual do estudante.

Nas instituições de educação básica, a matemática deve ser tratada como o alicerce do pensamento crítico e da resolução de problemas. Não se trata apenas de ensinar operações numéricas, mas de desenvolver a competência de pensar com base em evidências, interpretar dados e tomar decisões fundamentadas.

As escolas precisam adotar práticas pedagógicas que transformem a matemática em linguagem cotidiana — parte do modo como o aluno compreende o mundo. Isso envolve:

 

  • Formação continuada de professores voltada à alfabetização matemática e à aplicação prática do conhecimento;
  • Avaliações diagnósticas periódicas que permitam identificar e corrigir lacunas de aprendizagem precocemente;
  • Integração interdisciplinar, conectando a matemática às ciências, à tecnologia, à economia e à vida real;
  • Uso de tecnologias educacionais adaptativas, que personalizem o ritmo de aprendizado e estimulem o engajamento;
  • Desenvolvimento de projetos de aprendizagem baseados em problemas reais, aproximando o raciocínio lógico da experiência cotidiana.

 

A alfabetização matemática deve ser encarada como estratégia de inclusão e competitividade nacional. Um país que não ensina seus jovens a lidar com números reduz drasticamente sua capacidade de planejar políticas públicas, gerar inovação e sustentar sua economia do conhecimento.

O ensino superior, especialmente as universidades formadoras de professores, ocupa posição estratégica nessa transformação. A formação inicial e continuada dos educadores precisa ser reposicionada para atender às demandas da sociedade digital, em que dados, algoritmos e raciocínio lógico tornaram-se habilidades centrais.

  • Formação docente baseada em evidências: as licenciaturas devem preparar o futuro professor para compreender como os alunos aprendem matemática, utilizando metodologias ativas, abordagens interdisciplinares e avaliação formativa.
  • Pesquisa aplicada à prática pedagógica: universidades devem investir em laboratórios de inovação educacional e projetos-piloto em redes públicas, testando soluções baseadas em dados e inteligência artificial para personalização do ensino.
  • Parcerias institucionais: é essencial criar pontes entre universidades, governos e empresas para desenvolver programas de alfabetização matemática regionalizados e sustentáveis.
  • Advocacy e formulação de políticas: as instituições de ensino superior devem ocupar um papel ativo no debate público, subsidiando políticas educacionais com dados científicos e evidências de impacto.

O ensino superior, ao produzir conhecimento e formar profissionais, tem o dever de liderar o processo de transformação educacional. Isso inclui repensar o currículo, integrar tecnologia e promover uma cultura de aprendizagem contínua que se estenda a toda a rede educacional.

O déficit matemático brasileiro compromete diretamente a produtividade nacional e a inovação tecnológica. Empresas de base digital, engenharia, saúde e finanças dependem de profissionais capazes de interpretar dados, modelar cenários e resolver problemas complexos. Sem uma base sólida de raciocínio lógico, o país se torna dependente de tecnologias importadas e perde espaço na economia global.

Investir em matemática, portanto, é investir em capital humano e soberania tecnológica. É garantir que o Brasil tenha as competências necessárias para conduzir sua reindustrialização, transição energética e economia verde de forma autônoma e sustentável.

Nenhum avanço será possível sem articulação entre a educação básica e o ensino superior. A primeira é o campo da implementação — onde se formam as bases cognitivas e atitudinais. O segundo é o campo da sustentação — onde se constroem as políticas, metodologias e tecnologias de apoio.

Essa integração exige planejamento conjunto, metas compartilhadas e sistemas de acompanhamento de resultados. É preciso estabelecer ecossistemas de aprendizagem conectados, em que universidades atuem como centros de inteligência educacional para as redes de ensino.

A reportagem da Folha de São Paulo, evidencia que a matemática deve ser tratada como política de Estado e instrumento de competitividade nacional. A crise educacional brasileira não é apenas de aprendizagem; é uma crise de desenvolvimento.

Superá-la requer ação coordenada entre escolas, universidades, setor produtivo e governo. A alfabetização matemática deve deixar de ser um desafio escolar e se tornar uma agenda estratégica de país.

Educação básica e ensino superior, cada um em seu nível, são peças de um mesmo tabuleiro: formar cidadãos e profissionais capazes de pensar, criar e inovar.

A matemática, quando vista como infraestrutura social e econômica, torna-se o ponto de partida para um Brasil mais produtivo, inclusivo e competitivo.

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Carmen Tavares

Gestora educacional e de inovação com 28 anos de experiência em instituições de diversos portes e regiões, com considerável bagagem na construção de políticas para cooperação intersetorial, planejamento e gestão no ensino privado tanto na modalidade presencial quanto EAD. Atuou também como executiva em Educação Corporativa e gestora em instituições do Terceiro Setor. É mestre em Gestão da Inovação pela FEI/SP, com área de pesquisa em Capacidades Organizacionais, Sustentabilidade e Marketing. Pós-graduada em Administração de Recursos Humanos e graduada em Pedagogia pela UEMG.

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