Educação Superior Comentada | A estatização da educação

Ano 2 • Nº 26 • De 23 a 29 de setembro de 2014

A Coluna Educação Superior Comentada desta semana desta aponta para o risco da evidente estatização da educação.

29/09/2014 | Por: Gustavo Fagundes | 7672

A ESTATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO

Estamos, inequivocamente, passando por um processo de flagrante estatização da educação, com reiterado desprezo ao princípio constitucional da livre iniciativa.

Tenho ouvido nos últimos anos a ladainha de que a livre iniciativa seria uma invenção neoliberal, destinada a proporcionar a privatização da educação.

Não existe falácia maior do que esta afirmação, pois o princípio constitucional da livre iniciativa está assegurado desde o advento da Constituição Federal de 1937, que assim tratava deste tema, observada a grafia original:

“DA EDUCAÇAO E DA CULTURA

 

Art 128 - A arte, a ciência e o ensino são livres à iniciativa individual e a de associações ou pessoas coletivas públicas e particulares.”

Esta premissa consolidou-se, de fato, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1946, que assim dispunha em seu artigo 167, verbis:

“Art 167 - O ensino dos diferentes ramos será ministrado pelos Poderes Públicos e é livre à iniciativa particular, respeitadas as leis que o regulem.”

Desde então, a garantia à livre iniciativa sempre esteve presente em nosso regramento constitucional, chegando, aos dias de hoje, com a disposição contida no conhecido artigo 209 da Constituição Federal de 1988:

“Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:

I - cumprimento das normas gerais da educação nacional;

II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.”

Infelizmente, de tanto repetir o mantra falacioso acima apontado, os gestores públicos parecem ter, de fato, passado a acreditar nele, o que vem fazendo com que passem, progressiva e insistentemente, a tratar educação como objeto de concessão ou permissão do Estado, e não de autorização, como expressamente prevê o artigo 209 da Constituição Federal.

Sobre essa questão, é muito interessante conhecer a decisão expressa do Supremo Tribunal Federal, emitida no julgamento da ADIN nº 1.007-7-PE, que contou com a relatoria do Ministro Eros Roberto Grau:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.007-7 PERNAMBUCO

RELATOR: MIN. EROS GRAU

REQUERENTE: CONFEDERACAO NACIONAL DOS ESTABELECIMENTOS DE ENSINO CONFENEN

ADVOGADO: LEUCIO LEMOS FILHO E OUTROS

REQUERIDO: GOVERNADOR DO ESTADO DE PERNAMBUCO

REQUERIDO: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE PERNAMBUCO

 

EMENTA

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 10.989/93 DO ESTADO DE PERNAMBUCO. EDUCAÇÃO: SERVIÇO PÚBLICO NÃO PRIVATIVO. MENSALIDADES ESCOLARES. FIXAÇÃO DA DATA DE VENCIMENTO. MATÉRIA DE DIREITO CONTRATUAL. VÍCIO DE INICIATIVA.

1. Os serviços de educação, seja os prestados pelo Estado, seja os prestados por particulares, configuram serviço público não privativo, podendo ser desenvolvidos pelo setor privado independentemente de concessão, permissão ou autorização.

2. Nos termos do artigo 22, inciso I, da Constituição do Brasil, compete à União legislar sobre direito civil.

3. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente.

 

ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, julgar procedente a ação e declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 10.989, de 07 de dezembro de 1993, do Estado de Pernambuco, nos termos do voto do relator.”

Podemos verificar, portanto, que o órgão judiciário máximo em matéria constitucional, decidiu, mesmo sem mencionar expressamente o artigo 209 da Constituição Federal, que a educação configura “serviço público não privativo” e que, nessa condição, não está sujeito aos regimes de concessão ou permissão!

Essa decisão, por si só, é mais do que suficiente para demonstrar o total descabimento, por exemplo, da adoção do regime de editais como forma única de acesso à autorização de oferta de cursos de Medicina, regime este que, como já reiteradas vezes alertado nesta coluna, será, em breve, ampliado para outros cursos superiores, se não se tornar, em curto espaço de tempo, regra para a oferta de todo e qualquer curso, impedindo, de vez, o exercício do direito à livre iniciativa.

Mais curioso, e talvez paradoxal, seja constatar que, ao tempo em que o segmento da infraestrutura venha sendo privatizado em ritmo acelerado, mesmo que sob a denominação de “adoção de regime de concessões”, setores constitucionalmente assegurados à livre iniciativa, como a educação, vem sendo tratados de forma diametralmente oposta, com adoção de políticas de viés nitidamente estatizante.

Mesmos os programas públicos de acesso e permanência, como o FIES e o PROUNI, possuem, se analisados criteriosamente, uma nítida intenção de tornar as IES subservientes, à medida que as tornam dependentes da boa vontade e do “espírito de cooperação” dos entes públicos.

Na verdade, à medida que avança a oferta do FIES, as IES, na verdade, tornam-se verdadeiramente reféns do poder público, pois grande parte de seus recursos são proveniente dos cofres públicos, estando em flagrante processo de subjugação econômica.

Evidentemente, não estamos afirmando que o FIES e o PROUNI sejam programas ruins, mas inadequada é a crescente e sufocante dependência das instituições a esses programas, sobretudo no que diz respeito aos recursos do FIES.

Em síntese, precisamos atentar para o acelerado processo de estatização da educação, que vem transformando um serviço público não privativo do Estado em objeto de concessão e permissão, impondo, como no caso dos cursos de Medicina, a obtenção de autorização de funcionamento a um autêntico processo licitatório, sistemática esta que, repita-se, diante da passividade de todos, será em breve adotada para outros cursos superiores, como, aliás, já possibilita a Lei nº 12871/2013 para os demais cursos da área da saúde, como previsto em seu artigo 3º, § 6º.

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Qualquer crítica, dúvida ou correções, por favor, entre em contato com a Coluna Educação Superior Comentada, por Gustavo Fagundes, que também está à disposição para sugestão de temas a serem tratados nas próximas edições. 


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