Recentemente, essa coluna demonstrou o manifesto descabimento da exigência de apresentação das Certidões Negativas de Débito (CND) como requisito para a tramitação dos processos de credenciamento e recredenciamento das instituições de ensino superior particulares, a qual está lançada no artigo 15 do Decreto n° 5.773/2006.
Demonstraremos, nesta edição, o descabimento dessa exigência para os procedimentos de repasse e recompra dos Certificados do Tesouro Nacional – Série E (CFTN-E) decorrentes da participação das instituições de ensino superior no Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior, o FIES.
Inicialmente, há que se registrar que, no âmbito do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior – FIES, a Lei n° 10.260/2001, em seu artigo 7º, autorizava a União a emitir títulos da dívida pública em favor do FIES, conforme redação original:
“Art. 7o Fica a União autorizada a emitir títulos da dívida pública em favor do FIES.
§ 1o Os títulos a que se referem o caput serão representados por certificados de emissão do Tesouro Nacional, com características definidas em ato do Poder Executivo.
§ 2o Os certificados a que se refere o parágrafo anterior serão emitidos sob a forma de colocação direta, ao par, mediante solicitação expressa do FIES à Secretaria do Tesouro Nacional.
§ 3o Os recursos em moeda corrente entregues pelo FIES em contrapartida à colocação direta dos certificados serão utilizados exclusivamente para abatimento da dívida pública de responsabilidade do Tesouro Nacional.” (Redação original).
Isso significa, efetivamente, que a instituição participante do FIES tem os serviços educacionais prestados aos beneficiários do referido programa adimplidos mensalmente com títulos da dívida pública emitidos pela União, os chamados Certificados do Tesouro Nacional série E (CFTN-E), sem que fosse estipulada qualquer exigência para a sua emissão e utilização por parte das instituições participantes, como previsto na redação original do artigo 9º da referida lei:
“Art. 9o Os certificados de que trata o art. 7o serão destinados pelo Fies exclusivamente ao pagamento às mantenedoras de instituições de ensino dos encargos educacionais relativos às operações de financiamento realizadas com recursos desse Fundo.” (Redação original).
Os mencionados Certificados do Tesouro Nacional eram, portanto, emitidos e repassados mensalmente pelo agente operador do FIES, para que fossem livremente utilizados pelas instituições para pagamento de tributos e para recompra dos certificados remanescentes, sem que, repita-se, existisse qualquer tipo de exigência relativa à regularidade fiscal das instituições para realização de tais operações.
Todavia, com o advento da Lei n° 12.202/2010, ocorreu significativa alteração do conteúdo da prefalada Lei n° 10.260/2001, haja vista que seu artigo 12 na parte que disciplina a recompra dos certificados, passou a exigir, em seu artigo 12, a necessidade de comprovação de regularidade fiscal para o resgate antecipado dos títulos, nos seguintes termos:
“Art. 12. A Secretaria do Tesouro Nacional fica autorizada a resgatar antecipadamente, mediante solicitação formal do Fies e atestada pelo INSS, os certificados com data de emissão até 10 de novembro de 2000 em poder de instituições de ensino que, na data de solicitação do resgate, tenham satisfeito as obrigações previdenciárias correntes, inclusive os débitos exigíveis, constituídos, inscritos ou ajuizados e que atendam, concomitantemente, as seguintes condições:
I - não estejam em atraso nos pagamentos referentes aos acordos de parcelamentos devidos ao INSS;
II - não possuam acordos de parcelamentos de contribuições sociais relativas aos segurados empregados;
III - se optantes do Programa de Recuperação Fiscal (REFIS), não tenham incluído contribuições sociais arrecadadas pelo INSS;
IV - não estejam em atraso nos pagamentos dos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Parágrafo único. Das instituições de ensino que possuam acordos de parcelamentos com o INSS e que se enquadrem neste artigo poderão ser resgatados até 50% (cinquenta por cento) do valor dos certificados, ficando estas obrigadas a utilizarem os certificados restantes, em seu poder, na amortização dos aludidos acordos de parcelamentos.”
A exemplo do que já mencionamos em coluna anterior, no caso dos processos de credenciamento e recredenciamento de instituições de ensino superior, a exigência de Certidão Negativa de Débito para os procedimentos de emissão, utilização e recompra dos Certificados do Tesouro Nacional série E (CFTN-E), também não encontra amparo legal, sendo, da mesma forma, absolutamente descabida.
Como já demonstrado à sobeja na Coluna publicada em julho, as exigências a serem formuladas às instituições de ensino superior para a condução de suas atividades e, consequentemente, recebimento da contraprestação pelos serviços educacionais prestados, mesmo no âmbito de programas públicos de financiamento estudantil deve restringir-se aos critérios objetivos que guardem exclusivamente relação direta com a finalidade da norma constitucional e da legislação ordinária, qual seja, a aferição da qualidade do ensino ministrado.
Podemos concluir, sem maiores esforços intelectivos, que as exigências contidas no dispositivo legal acima transcrito não guardam a mínima relação com os preceitos dos artigos 206 e 209 da Constituição e nem com os artigos 7º. e 46 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que estabelecem como fator de avaliação a ser observado a qualidade do ensino ministrado.
A verdade inconteste é que o escopo do referido dispositivo legal é, única e exclusivamente, constranger, por meios transversos, as instituições a recolherem tempestiva e infalivelmente os pesados impostos que lhes são exigidos, possuindo, destarte, inequívoco lastro não na legalidade, mas na inesgotável sanha arrecadatória do voraz Estado.
Descortina-se, também neste caso, a indisfarçável voracidade tributária do Estado que pretende, de forma dissimulada, impor ao contribuinte uma verdadeira força de coação destinada a impor o recolhimento de onerosos tributos, como se o poder público não dispusesse de inúmeras e efetivas ferramentas para buscar o adimplemento de tributos.
O Poder Executivo, mais uma vez, finge ignorar princípios constitucionais e infraconstitucionais elementares, fingindo não saber que condicionar o direito das instituições de ensino superior participantes do FIES ao recebimento, utilização e recompra dos Certificados do Tesouro Nacional série E (CFTN-E) é atitude que viola o livre exercício da atividade econômica lícita, constitucionalmente assegurada e protegida, condicionando-o, indevidamente, à comprovação do recolhimento de tributos.
Com efeito, condicionar os procedimentos em tela à comprovação de regularidade fiscal configura indisfarçado meio coercitivo de cobrança de tributos, procedimento reiteradamente vedado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como demonstram as seguintes Súmulas da Alta Corte:
“Súmula 70 - É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.”
“Súmula 323 - É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.”
“Súmula 547 - Não é lícito a autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.
Felizmente, temos um Poder Judiciário atento e sempre pronto para conter os desmandos do Poder Executivo, afastando, rotineiramente, a descabida exigência de apresentação de certidões negativas como condicionante para o recebimento, utilização e recompra dos Certificados do Tesouro Nacional série E (CFTN-E) emitidos no âmbito do FIES, como demonstra o aresto recentemente publicado, oriundo do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, trazido como exemplo desse justo entendimento, registrando que a transcrição, sobretudo por questão de espaço, contempla apenas a parte final dispositiva do decisum:
“DECISÃO
.....
Tudo considerado, DEFIRO o pedido de antecipação da tutela recursal, nos termos do art. 1.019, I, do CPC, para determinar ao Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior – FNDE, ora agravado, que providencie o desbloqueio do sistema SisFIES em nome da agravante, retirando qualquer restrição no sistema, permitindo, assim, o pagamento das parcelas de parcelamento tributário, bem como para que seja assegurada à agravante a sua participação no procedimento de recompra dos títulos da dívida pública (CFTN-E) vinculados ao FIES, pelo sistema informatizado, independentemente da comprovação de regularidade fiscal, desde que este seja o único óbice existente. Esta decisão terá sua eficácia temporal limitada ao julgamento do presente agravo de instrumento ou até que seja proferida decisão final no processo principal.
Comunique-se o inteiro teor desta decisão ao ilustre juízo de origem.
Intime-se a parte agravada para, querendo, apresentar resposta (CPC, art. 1.019, II).
Publique-se. Intime-se.
Brasília, 26 de julho de 2016.
DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES – RELATOR” (Diário da Justiça Federal da 1ª Região, n. 140, AGI 0033015-56.2016.4.01.0000/DF, Rel. Desembargador Federal Néviton Guedes, 28.7.2016, pág. 423).
Não bastasse a ilegalidade desta conduta, evidencia-se, também, sua absoluta falta de lógica, pois, buscando indisfarçadamente compelir as instituições ao adimplemento tempestivo da excessiva carga tributária que injustamente incide sobre a relevantíssima e essencial atividade educacional, o Estado termina por vedar o acesso das instituições a uma de suas principais fontes de receita, qual seja, os certificados emitidos no âmbito do FIES.
Diante do contexto ora apresentado, mas reiterando o entendimento acerca da importância da busca incessante pela manutenção da regularidade fiscal das mantenedoras das instituições de ensino superior, podemos concluir que, em eventuais situações em que seja inviável tal comportamento, não podem as instituições ser privadas de participar normalmente dos procedimentos de repasse, utilização e recompra dos Certificados do Tesouro Nacional série E (CFTN-E) emitidos no âmbito do FIES.
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