Em outras oportunidades, registramos, neste espaço, que um dos princípios fundamentais da Administração Pública é o princípio da legalidade, como consta expressamente do caput do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, com a redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional n° 19, de 1988:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”.
Em síntese bastante apertada, e limitada pelo foco do presente texto, cumpre registrar que o princípio da legalidade estabelece que a norma legal é o balizador precípuo da atuação do agente público, estando o mesmo, portanto, indissoluvelmente adstrito à sua plena observância e efetivo cumprimento.
Infelizmente, parece que este aspecto, essencial para o adequado exercício das atividades inerentes à gestão pública, especialmente para a garantia da segurança jurídica necessária à efetividade dos atributos inerentes à cidadania dos administrados, está sendo deixado de lado nos programas de qualificação e treinamento dos servidores do Ministério da Educação.
Com efeito, temos presenciado diversas situações em que os servidores do MEC atribuem a si mesmos a prerrogativa de escolher quais normas legais vigentes serão observadas e quais serão simplesmente ignoradas, deixando as instituições de ensino entregues à sua descabida discricionariedade.
Poderíamos citar diversos exemplos desta conduta ilegítima, mas, para não tornar o texto muito extenso e sua leitura enfadonha, vou me ater a duas situações atuais, que demonstram claramente a afirmação lançada no parágrafo anterior.
O primeiro exemplo surge da aplicabilidade das regras traçadas pela Portaria Normativa n° 10/2016, que “dispõe sobre procedimentos de alteração no número de vagas de cursos de graduação, ofertados por Instituições de Ensino Superior - IES integrantes do Sistema Federal de Ensino, por meio de aditamento de atos autorizativos”, cujo artigo 1º estabelece:
“Art. 1º Os pedidos de alteração de número de vagas de cursos superiores de graduação, ofertados por Instituições de Educação Superior - IES integrantes do Sistema Federal de Ensino, respeitadas as prerrogativas de autonomia, devem tramitar como aditamento ao ato de autorização, de reconhecimento ou de renovação de reconhecimento, nos termos do art. 61, inciso I, da Portaria Normativa MEC nº 40, de 2007.
§ 1º Os pedidos mencionados no caput serão processados independentemente dos processos de reconhecimento ou renovação de reconhecimento, mediante análise documental, ressalvada a necessidade de avaliação in loco apontada pela Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior.”
Segundo se depreende do dispositivo legal transcrito, o pedido de aumento de vagas é admissível para qualquer curso superior autorizado, devendo o mesmo “tramitar como aditamento ao ato de autorização, de reconhecimento ou de renovação de reconhecimento” do curso cujas vagas se pretenda aumentar, como expressamente lançado no caput.
Reforçando este entendimento, o § 1º do mesmo dispositivo prevê, também de forma expressa, que os pedidos de aditamento serão processados “independentemente dos processos de reconhecimento ou renovação de reconhecimento”.
Vale dizer, a norma legal sob análise não exige, em momento algum, que os pedidos de aumento de vagas somente podem ser apresentados relativamente a cursos já reconhecidos, admitindo-se, expressamente, sua formalização para cursos “apenas” autorizados.
Acontece que, diversas instituições que manifestaram intenção de pleitear aumento de vagas para cursos somente autorizados receberam informação “extraoficial” de que esses pedidos seriam indeferidos de plano justamente por não estarem os cursos ainda reconhecidos.
Ora, essa posição se mostra manifestamente equivocada, em flagrante desconformidade com o disposto no acima transcrito artigo 1º da Portaria Normativa n° 10/2016, sem olvidar que não é legítimo que o agente público se manifeste de modo “extraoficial” sobre este tipo de situação, devendo, decerto, fazê-lo de forma pública e fundamentada.
Essa conduta indevida, contudo, não se esgota nesse exemplo.
Repete-se, por exemplo, na apreciação da questão relativa à aplicação do disposto no parágrafo único do artigo 20 da Resolução CES/CNE n° 1/2016, que “estabelece Diretrizes e Normas Nacionais para a Oferta de Programas e Cursos de Educação Superior na Modalidade a Distância”, que dispõe:
“Art. 20. O credenciamento para EaD, que tenha por base curso de pós-graduação lato sensu, ficará limitado a esse nível educacional.
Parágrafo único. A ampliação de abrangência acadêmica do ato autorizativo referido no caput para atuação da IES, na modalidade EaD, em nível de graduação, dependerá de pedido de aditamento, instruído com pedido de autorização de, pelo menos, 1 (um) curso de graduação na modalidade a distância.”
Verificamos, portanto, que a instituição de ensino superior que possua o credenciamento para oferta de cursos de pós-graduação lato sensu na modalidade de educação a distância pode ampliar sua abrangência acadêmica para atuação na graduação nesta mesma modalidade, mediante pedido de aditamento do ato de credenciamento para EaD, devidamente acompanhado do pedido de autorização de, pelo menos, um curso de graduação.
Todavia, a SERES/MEC vem insistindo em impor às instituições nessa condição a formalização de pedido de credenciamento para oferta de cursos de graduação na modalidade a distância, simplesmente fazendo tábula rasa do dispositivo acima transcrito.
Com efeito, alegando que o procedimento e mesmo o fluxo processual seriam idênticos para os processos de aditamento e novo credenciamento seriam idêntico, a SERES/MEC simplesmente decidiu ignorar o teor da Resolução CES/CNE n° 1/2016 e não disponibilizar a funcionalidade devida no sistema e-MEC, como demonstra a manifestação apresentada pela Coordenação Geral de Regulação da Educação Superior a Distância em decorrência de consulta formulada por instituição de ensino superior relativamente à aplicabilidade dos exatos termos do parágrafo único do artigo 20 da referida Resolução:
“O sistema e-MEC não disponibilizou uma funcionalidade específica de ‘aditamento’ para os casos de credenciamento EAD por instituições já detentoras do ‘credenciamento lato sensu EAD’, tendo em vista que o fluxo processual, incluindo as análises, seriam exatamente as mesmas do credenciamento EAD.
Dessa forma, a Instituição deverá observar o que se aplica ao credenciamento EAD, inclusive os prazos (janelas) para ingressar com o pedido, conforme o calendário.
Atenciosamente,
Coordenação Geral de Regulação da Educação Superior a Distância
Diretoria de Regulação da Educação Superior
Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior
Ministério da Educação.”
Percebemos, claramente, que os agentes públicos simplesmente se recusam a dar efetividade ao estabelecido pelo retromencionado dispositivo legal, argumentando que, sendo semelhantes os procedimentos, não haveria diferença entre solicitar aditamento ou credenciamento.
Acontece que, para início do processo de credenciamento, a primeira exigência é o pagamento da taxa de avaliação in loco, o que não ocorre no pedido de aditamento, pois as taxas somente seriam exigidas no momento da realização das avaliações da sede e dos polos indicados, o que, por si só, demonstra que os procedimentos, ao contrário do alegado pela SERES/MEC, não são “exatamente os mesmos”.
Nesse caso específico, percebemos, mais uma vez, que a intenção desabrida é compelir, indevidamente, as instituições a pagarem antecipadamente as taxas de avaliação in loco, bem como esquivar-se do pleno atendimento à Resolução emanada do Conselho Nacional de Educação, como se fosse dado à SERES/MEC decidir, unilateralmente, como devem ser tratados os pedidos de aditamento para ampliação da abrangência acadêmica do credenciamento para oferta de educação a distância originariamente ligado apenas à pós-graduação lato sensu.
É evidente que, em determinas situações específicas, os agentes públicos podem, e devem, agir com a aplicação do poder discricionário, mas também é absolutamente claro que esta discricionariedade não pode ser aplicada de forma universal, sobretudo para justificar que esses agentes decidam quais normas em pleno vigor devem ser aplicadas e quais devem ser simplesmente ignoradas e relegadas ao abandono.
Concluindo o raciocínio, resta indagar se nós, administrados, vamos continuar permitindo que os servidores do MEC escolham as normas legais vigentes que serão observadas e quais serão solenemente ignoradas, e se o Conselho Nacional de Educação, de onde foi emanada a Resolução CES/CNE n° 1/2016 vai permanecer inerte enquanto a SERES/MEC simplesmente se recusa a garantir a aplicabilidade de seus dispositivos, especialmente o mencionado parágrafo único do artigo 20.
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