Educação Superior Comentada | A morte anunciada do Fies

Ano 4 • Nº 35 • 11 de outubro de 2016

Na Coluna Educação Superior Comentada desta semana, o consultor jurídico da ABMES, Gustavo Fagundes, fala sobre a morte anunciada do Fies

11/10/2016 | Por: Gustavo Fagundes | 3989

Estamos, lamentavelmente, assistindo aos momentos finais e agonizantes do Fies, cuja morte está, há alguns meses, sendo inexoravelmente anunciada.

Reiteradas vezes alertei para os riscos de adesão desmedida aos programas públicos de financiamento e concessão de bolsas para o ensino superior, avisando que, estrategicamente, era extremamente temerário deixar parte significativa da receita de uma instituição de ensino superior nas mãos do Estado, pois havia risco de problemas no fluxo de contratação, aditamento, emissão e recompra dos certificados.

Fui taxado de alarmista, criticado por estar me manifestando contrariamente às políticas públicas de acesso e permanência na educação superior, quando, na verdade, procurava, apenas, demonstrar o perigo dessa desmedida dependência dos humores do poder público, sugerindo que houvesse parcimônia na adesão ao programa e na oferta de vagas.

Infelizmente, somente agora, meus alertas parecem fazer sentido. 

Estamos há meses com o Fies simplesmente paralisado, sem que seja aberto o procedimento para o aditamento dos contratos existentes, deixando, com isso, mais de dois milhões de estudantes e, praticamente, todas as instituições de ensino superior particulares abandonadas à própria sorte, sentindo, diariamente na própria pele os deletérios efeitos da dependência do Estado.

Desde julho, ocasião em que deveriam ter sido iniciados os procedimentos de aditamento dos contratos já celebrados, não se avança um único passo na direção da solução do problema, deixando completamente à deriva todos que acreditaram e apostaram nas promessas de garantia de funcionamento do Fies.

Desde então aguardamos a votação do PLN 8, que objetiva a autorização legislativa para suplementação de verbas para o Ministério da Educação, destinada a garantir a regularização do funcionamento do Fies e a realização do Enem/2016.

E, desde então, vemos o sucessivo adiamento da discussão e deliberação sobre o tema, sessão após sessão, sempre por falta de quórum.

Angustiado com a situação, que aflige todos aqueles que, verdadeiramente, se preocupam com a educação, passei a acompanhar as sessões do Congresso Nacional em que o tema estava na pauta.

Venho presenciando, desde então, um autêntico show de horrores, com sessões prolongadas desnecessariamente, parlamentares batendo boca e discutindo tudo, menos o objeto da sessão deliberativa em andamento, oposição obstruindo indiscriminadamente tudo que venha como proposta do Governo e situação desmobilizada e ausente do plenário, impossibilitando a votação dos temas incluídos em pauta.

Curioso é testemunhar situação e oposição fazendo discursos enaltecendo o Fies e afirmando a importância fundamental de votar a suplementação de verbas necessárias à retomada de seu funcionamento, mas, no momento seguindo, perceber que suas condutas são diametralmente opostas ao discurso entoado, com ações e omissões que servem, exclusivamente, para alongar a sessão sem a votação da questão.

Os dois lados afirmam ter apresentado requerimento para, depois da análise dos vetos ainda pendentes – dois a serem apreciados pela Câmara dos Deputados e um pelo Senado Federal – inverter a ordem da pauta remanescente e permitir a votação do PLN 8 em primeiro lugar, para trazer, enfim, a solução para o impasse no Fies.

A lógica desses discursos indicaria, portanto, agilidade na apreciação dos vetos para, finalmente, poderem analisar o pedido de suplementação de verbas para o Ministério da Educação, solucionando, com isso, os impasses do Fies e do Enem/2016.

Todavia, as atitudes tomadas caminham em sentido diametralmente oposto!

A oposição, adotando posição de obstrução em decorrência de projetos não incluídos na pauta da sessão deliberativa conjunta, não registra a presença de seus parlamentares no plenário, mas insiste em fazer uso inadequado do microfone, retardando a abordagem dos temas constantes da pauta.

A situação, supostamente a maior interessada em deliberar sobre os temas da pauta, acaba, na realidade, auxiliando a postura de obstrução adotada pela oposição, pois se mostra absolutamente incapaz de levar os parlamentares do bloco governista para o plenário, impossibilitando o atingimento do quórum para votação.

Parecem esquecer que uma das atribuições básicas da atividade parlamentar é comparecer às sessões deliberativas e participar de forma ativa e adequada dos procedimentos de debate e votação dos temas incluídos em pauta.

Ou seja, na verdade, de uma forma ou de outra, oposição e situação atuam prestando um brutal desserviço à educação, postergando, repetidas vezes, a apreciação do PLN 8, destinado a prover suplementação de verbas para o Ministério da Educação regularizar a situação do Fies e realizar o Enem/2016.

Enquanto isso, estudantes e instituições de ensino participantes do Fies permanecem sem uma solução, numa aflição que já dura quatro meses e, o que é ainda mais grave, sem nenhuma perspectiva de solução no curto prazo, e ainda ficando sujeitos a discursos demagógicos dos parlamentares em defesa do Fies, imediatamente seguidos de atitudes que demonstram a farsa vociferada nos microfones.

Peço perdão se o texto desta coluna se apresenta muito inflamado, mas tenho absoluta certeza de que todos aqueles que estão acompanhando a agonia do Fies e, sobretudo, as sessões conjuntas do Congresso Nacional, compartilham deste sentimento de indignação.

E convido àqueles que ainda não assistiram à transmissão de alguma sessão do Congresso Nacional para deliberar sobre o tema para que o façam, e tenho certeza que também passarão a compartilhar do mesmo sentimento.

Com as raríssimas e honrosas exceções daqueles parlamentares efetivamente comprometidos com a educação, facilmente identificáveis pela serenidade de sua postura e suas intervenções sempre moderadas e fundamentadas, podemos perceber que há um descompromisso generalizado com a educação no Legislativo Federal.

Aliás, começo a acreditar que não se se trata, verdadeiramente, de descaso e falta de comprometimento com a educação.

Trata-se, sim, de um intencional abandono do tema, causado pelo verdadeiro pavor que os parlamentares sentem diante da perspectiva de se depararem com cidadãos que tenham educação de qualidade e, com isso, se mostrem eleitores realmente críticos e conscientes.

Tenho certeza que esses parlamentares sabem, como sei, que, no momento em que for ofertada educação de qualidade para os brasileiros, teremos finalmente cidadãos e eleitores conscientes, politicamente maduros, e aí a renovação nas cadeiras do Legislativo, em todos os níveis e esferas, chegará muito perto de 100%.

Por isso o medo.

Por isso o discurso em defesa da educação contrastando com atitudes diametralmente opostas, sempre relegando a educação a uma posição secundária, subordinada aos interesses mesquinhos de oposição e situação.

De toda sorte, a verdade é que, enquanto o Ministério da Educação acena com “Fies Turbo”, “Fies 2.0” e outras promessas mirabolantes, o Fies real vai caminhando para uma morte trágica e, mantido o cenário atual, inevitável, bombardeado pelo descaso, pela falta de compromisso e, essencialmente, pelo temor que a perspectiva de uma população com acesso efetivo a educação de qualidade causa em políticos despreparados e descompromissados com o os interesses legítimos de quem os elege.

Mas sempre temos opção. Podemos escolher entre ficar encolhidos esperando que a sessão deliberativa do Congresso Nacional atinja o quórum necessário para apreciar os vetos pendentes e, finalmente, apreciar o PLN 8, ou podemos buscar meios que nos permitam tornar efetivo o direito de nossos estudantes ao aditamento dos contratos do Fies já existentes.

Enfim, parece que os alertas sobre os riscos da adesão desmedida ao Fies não eram infundados....

Qualquer crítica, dúvida ou correções, por favor, entre em contato com a Coluna Educação Superior Comentada, por Gustavo Fagundes, que também está à disposição para sugestão de temas a serem tratados nas próximas edições.

A ABMES presta também atendimento presencial nas áreas jurídica e acadêmica. Saiba mais sobre o serviço e verifique as datas disponíveis.

 


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Altera a Resolução nº 18, de 30 de janeiro de 2018, que dispõe sobre a definição do percentual de financiamento dos contratos do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).


PORTARIA MEC Nº 522, DE 01 DE JUNHO DE 2018

Ficam designados, para compor o Comitê Gestor do Fundo de Financiamento Estudantil - CG-Fies.


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