Educação Superior Comentada | Ampliação dos debates acerca da proposta de alteração do ensino médio

Ano 4 - Nº 41 - 23 de novembro de 2016

A Coluna Educação Superior Comentada desta semana traz algumas considerações a respeito da proposta de alteração do ensino médio veiculada pela Medida Provisória n° 764/2016 no intuito de estimular o debate das alterações propostas

23/11/2016 | Por: Gustavo Fagundes | 5341

Embora o foco desta Coluna seja, como seu próprio nome indica, a educação superior, é certo que, neste momento, não podemos nos esquivar em tecer algumas considerações acerca da proposta de alteração do ensino médio veiculada pela Medida Provisória n° 764/2016, buscando, com isso, estimular que seja ampliado o debate sobre a questão.

Além disso, é certo que quaisquer alterações que venham a ser introduzidas no ensino médio terão consequências sobre a educação superior, seja pela imposição de adequações nos processos seletivos, seja pela necessidade de modificação nos cursos de Licenciatura, apenas nos atermos aos dois aspectos mais evidentes da questão.

Se, por um lado, não possuo especialização nas questões atinentes ao ensino médio, por outro parece saltar aos olhos, mesmos dos leigos, que alterações neste nível educacional são absolutamente impositivas.

Um aspecto que, inicialmente, julgo relevante destacar, é a previsão de ampliação da carga horária do ensino médio, que deve, progressivamente, passar das atuais 800 (oitocentas) horas exigidas pelo artigo 24 da Lei n° 9.394/1996 para o mínimo de 1400 (mil e quatrocentas) horas, como previsto no artigo 1º da MP n° 746/2016, com a inclusão de parágrafo único ao mencionado dispositivo da LDB:

“Art. 1º A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com as seguintes alterações:

"Art. 24. .....

Parágrafo único. A carga horária mínima anual de que trata o inciso I do caput deverá ser progressivamente ampliada, no ensino médio, para mil e quatrocentas horas, observadas as normas do respectivo sistema de ensino e de acordo com as diretrizes, os objetivos, as metas e as estratégias de implementação estabelecidos no Plano Nacional de Educação."

 Este dispositivo estabelece, portanto, a progressiva adoção do turno integral no ensino médio, com a exigência de jornada diária de 7 horas, mantida a duração mínima de 200 dias de efetivo trabalho escolar no ano letivo.

Evidentemente, essa implantação, ainda que progressiva, demandará investimentos pesados nas redes de ensino pública e privada, de modo a assegurar a permanência integral dos estudantes do ensino médio, com garantia de fornecimento de atividades escolares adequadas e atraentes, assegurada a indispensável qualidade acadêmica.

Desnecessário dizer que a mera ampliação da quantidade de horas no ambiente escolar não é garantia de qualquer melhoria no ensino médio, sendo certo que é imprescindível que haja uma evolução da atividade educacional, com vistas a assegurar que esse tempo a mais seja preenchido com atividades relevantes, bem como atraentes para os estudantes.

Acredito que o inchaço do currículo escolar do ensino médio, com a constante inclusão de novos conteúdos e disciplinas, por mais relevantes que sejam, termina impondo um agigantamento da parte obrigatória do currículo, deixando pouco ou praticamente nenhum espaço para a inovação ou a customização curricular, o que permitiria atender, de forma mais adequada e relevante aos interesses dos estudantes.

Essa, aliás, é uma crítica contumaz ao ensino médio, que apresenta aos estudantes, indistintamente, uma grande carga uniformizada de conteúdos, sem buscar identificar os anseios individuais e, assim, customizar a oferta educacional de acordo com as expectativas futuras dos alunos, de modo que a formação ofertada tem pouca ligação com as áreas do ensino superior pretendidas.

Isso, inequivocamente, gera descontentamento e desinteresse dos estudantes pelo ensino médio, porquanto recebem, forçadamente, conteúdos que pouca aplicação terão em sua vida futura, servindo apenas para tornar penosa essa etapa da vida escolar.

Não é de hoje que estudiosos preconizam a individualização do percurso formativo apresentado aos estudantes do ensino médio, considerando suas aptidões e, sobretudo, suas aspirações futuras, de modo a aprofundar os estudos nas áreas do conhecimento que lhes serão mais úteis, sem olvidar, decerto, a oferta de um grau mínimo de conteúdos nas demais áreas necessárias a uma formação básica robusta.

Ao contrário do que vem sendo apontado, a proposta trazida pela MP n° 764/2016 não parece fragilizar em excesso o ensino médio, como podemos verificar da análise da nova redação dada ao artigo 26 da LDB pela referida Medida Provisória:

“Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos.

§ 1º Os currículos a que se refere o caput devem abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente da República Federativa do Brasil, observado, na educação infantil, o disposto no art. 31, no ensino fundamental, o disposto no art. 32, e no ensino médio, o disposto no art. 36.

§ 2º O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais, constituirá componente curricular obrigatório da educação infantil e do ensino fundamental, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos.

§ 3º A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da educação infantil e do ensino fundamental, sendo sua prática facultativa ao aluno:

I – que cumpra jornada de trabalho igual ou superior a seis horas;

II – maior de trinta anos de idade;

III – que estiver prestando serviço militar inicial ou que, em situação similar, estiver obrigado à prática da educação física;

IV – amparado pelo Decreto-Lei no 1.044, de 21 de outubro de 1969;

V – (VETADO)

VI – que tenha prole.

§ 4º O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e européia.

§ 5º No currículo do ensino fundamental, será ofertada a língua inglesa a partir do sexto ano.

§ 6o A música deverá ser conteúdo obrigatório, mas não exclusivo, do componente curricular de que trata o § 2o deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.769, de 2008)

§ 7º A Base Nacional Comum Curricular disporá sobre os temas transversais que poderão ser incluídos nos currículos de que trata o caput.

§ 8º A exibição de filmes de produção nacional constituirá componente curricular complementar integrado à proposta pedagógica da escola, sendo a sua exibição obrigatória por, no mínimo, 2 (duas) horas mensais.

§ 9o Conteúdos relativos aos direitos humanos e à prevenção de todas as formas de violência contra a criança e o adolescente serão incluídos, como temas transversais, nos currículos escolares de que trata o caput deste artigo, tendo como diretriz a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), observada a produção e distribuição de material didático adequado.

§ 10. A inclusão de novos componentes curriculares de caráter obrigatório na Base Nacional Comum Curricular dependerá de aprovação do Conselho Nacional de Educação e de homologação pelo Ministro de Estado da Educação, ouvidos o Conselho Nacional de Secretários de Educação - Consed e a União Nacional de Dirigentes de Educação - Undime."

Além dessas alterações que não tem, ao contrário do que vem sendo afirmado, fragilizado em demasia o ensino médio, a proposta apresentada finalmente possibilita a flexibilização do currículo desta etapa educacional, permitindo a adequação do percurso formativo aos anseios dos estudantes, conforme redação dada ao artigo 36 da LDB pela Medida Provisória n° 764/2016:

"Art. 36. O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos específicos, a serem definidos pelos sistemas de ensino, com ênfase nas seguintes áreas de conhecimento ou de atuação profissional:

I - linguagens;

II - matemática;

III - ciências da natureza;

IV - ciências humanas; e

V - formação técnica e profissional.

§ 1º Os sistemas de ensino poderão compor os seus currículos com base em mais de uma área prevista nos incisos I a V do caput.

§ 3º A organização das áreas de que trata o caput e das respectivas competências, habilidades e expectativas de aprendizagem, definidas na Base Nacional Comum Curricular, será feita de acordo com critérios estabelecidos em cada sistema de ensino.

§ 5º Os currículos do ensino médio deverão considerar a formação integral do aluno, de maneira a adotar um trabalho voltado para a construção de seu projeto de vida e para a sua formação nos aspectos cognitivos e socioemocionais, conforme diretrizes definidas pelo Ministério da Educação.

§ 6º A carga horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum Curricular não poderá ser superior a mil e duzentas horas da carga horária total do ensino médio, de acordo com a definição dos sistemas de ensino.

§ 7º A parte diversificada dos currículos de que trata o caput do art. 26, definida em cada sistema de ensino, deverá estar integrada à Base Nacional Comum Curricular e ser articulada a partir do contexto histórico, econômico, social, ambiental e cultural.

§ 8º Os currículos de ensino médio incluirão, obrigatoriamente, o estudo da língua inglesa e poderão ofertar outras línguas estrangeiras, em caráter optativo, preferencialmente o espanhol, de acordo com a disponibilidade de oferta, locais e horários definidos pelos sistemas de ensino.

§ 9º O ensino de língua portuguesa e matemática será obrigatório nos três anos do ensino médio.

§ 10. Os sistemas de ensino, mediante disponibilidade de vagas na rede, possibilitarão ao aluno concluinte do ensino médio cursar, no ano letivo subsequente ao da conclusão, outro itinerário formativo de que trata o caput.

§ 11. A critério dos sistemas de ensino, a oferta de formação a que se refere o inciso V do caput considerará:

I - a inclusão de experiência prática de trabalho no setor produtivo ou em ambientes de simulação, estabelecendo parcerias e fazendo uso, quando aplicável, de instrumentos estabelecidos pela legislação sobre aprendizagem profissional; e

II - a possibilidade de concessão de certificados intermediários de qualificação para o trabalho, quando a formação for estruturada e organizada em etapas com terminalidade.

§ 12. A oferta de formações experimentais em áreas que não constem do Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos dependerá, para sua continuidade, do reconhecimento pelo respectivo Conselho Estadual de Educação, no prazo de três anos, e da inserção no Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos, no prazo de cinco anos, contados da data de oferta inicial da formação.

§ 13. Ao concluir o ensino médio, as instituições de ensino emitirão diploma com validade nacional que habilitará o diplomado ao prosseguimento dos estudos em nível superior e demais cursos ou formações para os quais a conclusão do ensino médio seja obrigatória.

§ 14. A União, em colaboração com os Estados e o Distrito Federal, estabelecerá os padrões de desempenho esperados para o ensino médio, que serão referência nos processos nacionais de avaliação, considerada a Base Nacional Comum Curricular.

§ 15. Além das formas de organização previstas no art. 23, o ensino médio poderá ser organizado em módulos e adotar o sistema de créditos ou disciplinas com terminalidade específica, observada a Base Nacional Comum Curricular, a fim de estimular o prosseguimento dos estudos.

§ 16. Os conteúdos cursados durante o ensino médio poderão ser convalidados para aproveitamento de créditos no ensino superior, após normatização do Conselho Nacional de Educação e homologação pelo Ministro de Estado da Educação.

§ 17. Para efeito de cumprimento de exigências curriculares do ensino médio, os sistemas de ensino poderão reconhecer, mediante regulamentação própria, conhecimentos, saberes, habilidades e competências, mediante diferentes formas de comprovação, como:

I - demonstração prática;

II - experiência de trabalho supervisionado ou outra experiência adquirida fora do ambiente escolar;

III - atividades de educação técnica oferecidas em outras instituições de ensino;

IV - cursos oferecidos por centros ou programas ocupacionais;

V - estudos realizados em instituições de ensino nacionais ou estrangeiras; e

VI - educação a distância ou educação presencial mediada por tecnologias."

Creio que, além da progressiva ampliação da carga horária do ensino médio, a outra face importante da alteração proposta é a adoção da Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos com possibilidade de ênfase nas cinco principais áreas de conhecimento ou de atuação profissional, quais sejam, linguagem, matemática, ciências da natureza, ciências humanas ou formação técnica e profissional, conforme contido na nova redação do caput do artigo 36 da LDB e seus cinco incisos.

Pode não ser uma proposta perfeita, mas decerto é um excelente ponto de partida para alimentar os debates daqueles que realmente se preocupam com a modernização do ensino médio.

Não parece producente ser apenas contra as propostas de alteração do ensino médio, sem, contudo, apresentar sugestões concretas de melhoria e aprimoramento, sendo certo que invadir escolas, apenas por ser contra a proposta apresentada, em nada contribui para a melhoria do ensino médio, não trazendo nenhum conteúdo útil para o estabelecimento do debate.

Entendo necessário que todos os segmentos interessados na melhoria do ensino médio se coloquem de forma ativa e produtiva, debatendo a proposta apresentada e trazendo contribuições que possam aprimorar seu conteúdo, porquanto julgo ser isenta de dúvidas a premissa de que todos os envolvidos possuem legítimo interesse no aprimoramento e evolução do ensino médio.

Devem, portanto, se comportar como tal, agindo de forma propositiva, estimulando o debate e dele participando de forma ativa e, sobretudo, fundamentada.

Essa proposta, inclusive, parece ser um excelente tema para estudos profundos pelas instituições que possuam cursos de Licenciatura, por serem, naturalmente, um ambiente absolutamente propício para a análise crítica e produtiva do conteúdo da Medida Provisória n° 764/2016.

Qualquer crítica, dúvida ou correções, por favor, entre em contato com a Coluna Educação Superior Comentada, por Gustavo Fagundes, que também está à disposição para sugestão de temas a serem tratados nas próximas edições.

A ABMES presta também atendimento presencial nas áreas jurídica e acadêmica. Saiba mais sobre o serviço e verifique as datas disponíveis.


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