Em diversas oportunidades, essa Coluna chamava a atenção para o total desapego do Ministério da Educação (MEC) aos princípios fundamentais da legalidade e da hierarquia das leis, sendo a conduta dos gestores do MEC nos últimos anos pautada pelo descumprimento de inúmeras portarias editadas pelo próprio Ministério, pelo estabelecimento de procedimentos e imposição de obrigações às instituições de ensino a partir de Notas Técnicas, atos meramente destinados ao esclarecimento das questões controversas na legislação, sem o condão de alterá-la.
Essa conduta também demonstrava constantes tentativas mal disfarçadas do MEC de usurpar a competência constitucional do Poder Legislativo, utilizando-se de atos normativos secundários e terciários para estabelecer obrigações e impor limitações a direitos assegurados por leis federais e pela própria Constituição Federal, numa flagrante tentativa de fugir ao espartilho da legalidade.
Um exemplo típico desse histórico de truculência e arbitrariedade foi a republicação, em dezembro de 2010, da Portaria Normativa nº 40, de 12 de dezembro de 2007, solução encontrada pelo MEC para alterar e inflar descaradamente a referida portaria.
Apenas para demonstrar o indisfarçável caráter modificativo da republicação havida, convém registrar que a Portaria Normativa nº 40/2007 foi publicada no dia 12 de dezembro de 2007 com a seguinte ementa:
“Institui o e-MEC, sistema eletrônico de fluxo de trabalho e gerenciamento de informações relativas aos processos de regulação da educação superior no sistema federal de educação”.
Depois de mais de três anos em vigor, a Portaria Normativa nº 40/2007 foi republicada no dia 29 de dezembro de 2010 em virtude de “ter saído, no DOU nº 239, de 13-12-2007, Seção 1, págs. 39 a 43, com incorreção no original”, desta feita com a seguinte ementa:
“Institui o e-MEC, sistema eletrônico de fluxo de trabalho e gerenciamento de informações relativas aos processos de regulação da educação superior no sistema federal de educação, e o Cadastro e-MEC de Instituições e Cursos Superiores e consolida disposições sobre indicadores de qualidade, banco de avaliadores (BASIS) e o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) e dá outras disposições”.
A simples leitura das diferentes ementas trazidas pela versão original da Portaria Normativa nº 40/2007 e por sua republicação já demonstra a existência de mais uma ilegalidade na condução das atividades de regulamentação exercidas pelo MEC.
Com efeito, vale registrar o disposto no artigo 5º da Lei Complementar nº 95/1988 acerca da definição legal do que vem a ser a ementa de uma norma legal:
“Art. 5o A ementa será grafada por meio de caracteres que a realcem e explicitará, de modo conciso e sob a forma de título, o objeto da lei.”
Ora, se a ementa é destinada a apresentar de forma clara e destacada o objeto da norma legal, força é concluir que a mera republicação da norma legal não pode servir de veículo para a alteração de seu objeto, pois esta alteração demanda a edição de um novo diploma legal.
Efetivamente, a republicação de uma norma legal somente é admitida na hipótese de necessidade de correção de pequenos erros materiais e, ainda assim, antes de sua entrada em vigor, conforme ensina de forma absolutamente clara o item 19.8.6 do Manual de Redação da Presidência da República, documento este que supomos seja do conhecimento dos gestores do MEC responsáveis pela produção de seus atos normativos, nos seguintes termos:
"19.8.6. Vacatio Legis e Republicação do Texto para Correção
Poderá ocorrer que a lei – ou outro ato normativo – ao ser publicada, contenha incorreções e erros materiais que lhe desfiguram o texto, impondo-se sua republicação parcial ou total.
Se tiver de ser republicada a lei, antes de entrar em vigor, a parte republicada terá prazo de vigência contado a partir da nova publicação (Lei de Introdução ao Código Civil, art. 1o, § 3o).
As emendas ou as correções a lei que já tenha entrado em vigor são consideradas lei nova (Lei de Introdução ao Código Civil, art. 1o, § 4o). Sendo lei nova, deve obedecer aos requisitos essenciais e indispensáveis a sua existência e realidade.”
Ora, inadmissível, portanto, de acordo com a mais elementar técnica legislativa, bem como em conformidade com a Lei Complementar 95/1998 e com o Manual de Redação da Presidência da República a republicação da Portaria Normativa nº 40/2007 mais de três anos depois de sua publicação original e, principalmente, com a alteração de seu objeto.
Outro evidente sinal de inadequação da conduta autoritária do MEC neste caso é que a republicação, evidenciando a inverdade de sua justificativa, não teve como objeto a correção de erros materiais na versão original.
Com efeito, fosse este o objetivo da republicação, certamente teria sido levada a efeito imediatamente depois da publicação original da norma em comento, jamais deixando transcorrer mais de três anos desta.
Ainda que assim não fosse, hipótese aceita apenas para emular, a inverdade da justificativa se descortina quando, pela simples leitura da nova versão da Portaria Normativa nº 40/2007, verificamos que promoveu a revogação de dispositivos originais da mesma, além de ter inserido diversos artigos ao texto original, sem olvidar o já evidenciado elastecimento do objeto da portaria em análise.
Quando todos pensavam que os tempos de atos descabidos por parte do MEC tinham, finalmente, ficado no passado, eis que nos deparamos com a republicação, em 13 de fevereiro de 2017, da Portaria n° 817/2015, de 13 de agosto de 2015, cujo objeto é dispor “sobre a oferta da Bolsa-Formação no âmbito do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego - Pronatec, de que trata a Lei n.º 12.513, de 26 de outubro de 2011, e dá outras providências”.
Com efeito, analisando o conteúdo da portaria republicada, verificamos que, ao contrário do motivo alegado para sua republicação, não ocorreu a retificação de incorreções contidas no texto originalmente publicado.
Na verdade, a única alteração identificada no novo texto republicado em relação àquele originalmente publicado foi a inclusão do artigo 86-A, promovido pela Portaria n° 1.460, de 15 de dezembro de 2016:
“Art. 86-A. O empenho e o repasse de recursos aos parceiros ofertantes, para atender a pactuação específica, prevista no art. 38 desta Portaria, poderão ser realizados previamente à execução das horas-aluno, a título de fomento, observada a programação orçamentária e financeira do MEC.
§ 1º O empenho e o repasse de que trata o caput deste artigo serão calculados com base no número de horas-aluno previstas em razão do número de vagas pactuadas ou, a critério da SETEC-MEC, com base no custo total do curso por estudante.
§ 2º Eventual saldo de recursos verificado ao final do exercício na conta corrente específica do parceiro ofertante, decorrente do não cumprimento ou do cumprimento parcial da oferta pactuada, aferido por intermédio do Sistec, poderá ser reprogramado para o exercício subsequente ou devolvido de acordo com as determinações legais e normativas do Programa.
§ 3º A reprogramação referida no § 2º deste artigo ficará condicionada a nova pactuação com a mesma finalidade.
§ 4º Caberá à SETEC-MEC, por meio de ato do dirigente máximo da Secretaria, estabelecer e solicitar os valores a serem empenhados e transferidos à conta de cada parceiro ofertante, com a indicação do tipo de pactuação ao qual se vincula a transferência.”
Vale dizer, estamos, mais uma vez, diante de uma republicação levada a efeito em flagrante desacordo com as normas relativas à redação e publicação dos atos normativos, porquanto a republicação levada a efeito nada mais foi do que uma simples compilação, ou seja a publicação de uma norma anterior acrescida de dispositivos nela incorporados por comando normativo posterior.
Não houve, portanto, motivo apto a ensejar a legítima republicação da Portaria n° 817/2015, porquanto, como apontado acima, não houve incorreção do texto original sanada pelo ato normativo republicado, cujo escopo, repita-se, limitou-se a promover a inserção de texto incluído por norma editada em dezembro de 2016.
Ocorreu desta vez, a exemplo do que já havia ocorrido em relação à Portaria Normativa n° 40/2007, simulação da republicação de ato normativo, figura destinada exclusivamente à correção de pequenos erros no texto original, para, no primeiro caso, ampliar seu objeto, revogar dispositivos da norma original e inserir novos dispositivos em seu texto, e, no segundo, incorporar dispositivo inserido por norma posterior, figuras estas, repita-se, absolutamente incompatíveis com o escopo do ato de republicação.
O MEC tinha em mãos duas soluções legítimas e adequadas, quais sejam, a consolidação das normas inseridas na nova redação da Portaria n° 817/2015 ou a edição de um novo ato normativo, mas, adotando novamente uma postura de desapego às regras vigentes, optou pela solução ilegítima e inadequada da republicação fora das hipóteses legítimas para tal procedimento.
A gestão do MEC, apesar da notória evolução da postura demonstrada em relação às instituições de ensino superior e ao respeito pelas normas legais vigentes, ainda incorre em equívocos que marcaram a gestão do sistema federal de ensino nos últimos anos.
•
Qualquer crítica, dúvida ou correções, por favor, entre em contato com a Coluna Educação Superior Comentada, por Gustavo Fagundes, que também está à disposição para sugestão de temas a serem tratados nas próximas edições.
A ABMES presta também atendimento presencial nas áreas jurídica e acadêmica. Saiba mais sobre o serviço e verifique as datas disponíveis.