Educação Superior Comentada | A necessidade de revisão do conceito restritivo de sede das IES

Na edição desta semana, o consultor jurídico da ABMES, Gustavo Fagundes, aponta para a necessidade da revisão do conceito restritivo de sede das instituições de educação superior. Segundo ele, que já comentou sobre o tema em edição anterior da coluna, é necessário que haja um debate amplo sobre esta questão, buscando adequar a necessária definição de “sede” no âmbito regulatório à realidade da evolução geopolítica dos municípios

27/06/2018 | Por: ABMES | 3557

Em edição anterior desta coluna, mais precisamente naquela veiculada em 23 de maio de 2017, demonstramos que o MEC, a partir de Pareceres emanados do Conselho Nacional de Educação, adota o conceito de sede de uma instituição de educação superior como o limite territorial do município em que está credenciada, ou seja, aquele indicado em seu ato válido de credenciamento ou recredenciamento.

Naquela ocasião, demonstramos claramente que o conceito de sede não pode ser confundido com o local de oferta dos cursos superiores, por ter caráter bem mais amplo.

Todavia, não há dúvidas de que o conceito restritivo de sede precisa ser revisto e flexibilizado, para atender à realidade das transformações do mundo geopolítico.

Com efeito, dois fenômenos típicos na vida dos municípios apontam para a necessidade dessa revisão e flexibilização.

Embora a questão a fusão, incorporação e criação de novos municípios seja tema de relativa complexidade no âmbito do Direito Administrativo, vamos tentar simplificar o tratamento do tema nesta coluna, tratando, de forma genérica, da figura da criação de novos municípios pela emancipação.

Com efeito, nas hipóteses de mera fusão ou incorporação de municípios, entendo que a questão não traria maiores controvertimentos, pois a solução seria relativamente simples, bastaria o aditamento do ato de credenciamento ou recredenciamento para que a sede da instituição restasse indicada como o município resultante da fusão ou incorporação, caso o município onde antes estivesse localizada esta deixasse de existir por um desses fenômenos jurídicos.

O primeiro caso, portanto, a gerar a necessidade de debates mais profundos é a emancipação, fenômeno pelo qual surge um novo município, a partir da evolução social, econômica e política de uma região de determinado município, que culmina com a conquista do status de nova unidade administrativa.

Nessa situação, pode ocorrer que uma unidade da instituição de ensino esteja localizada nesta região e que, a partir da emancipação, passe a estar em município diverso daquele mencionado em seu ato regular de credenciamento ou recredenciamento.

Pode ocorrer, ainda, que um campus de universidade ou centro universitário, antes localizado no âmbito de sua sede, passe, por força de ato administrativo de emancipação e criação de novo município, a ser, ao menos em tese, caracterizado como um campus fora de sede, por estar, a partir daí, localizado em município distinto da sede da instituição.

No caso de uma faculdade, as instalações localizadas no município criado pela emancipação passariam a ser considerados espaços irregulares? E os cursos nela ofertados, teriam seus atos autorizativos cassados por oferta irregular, uma vez que estariam fora da sede da instituição de educação superior?

No caso de universidades e centros universitários, cujos campi antes localizados na sede e, portanto, detentores das prerrogativas de autonomia universitária, passariam a ser considerados campi fora de sede e teriam essas prerrogativas cassadas?

Não há dúvidas, portanto, que a figura administrativa da emancipação traz grande impacto na discussão acerca do conceito de sede das instituições de educação superior, devendo, portanto, ser enfrentada pelos gestores responsáveis pela regulação no âmbito dos sistemas de ensino.

O outro fenômeno relevante para o debate acerca da definição do conceito de sede das instituições de educação superior é a conurbação, situação em que dois ou mais municípios se unem e terminam por formar uma única e inseparável malha urbana, na qual os limites territoriais deixam de ser fisicamente identificáveis.

Nosso País possui inúmeros exemplos de municípios conturbados, nos quais é virtualmente impossível distinguir onde termina um município e onde começa o outro.

Logradouros públicos nessas conurbações, não raro, tem seu início em um município e o término em outro, da mesma forma como alguns imóveis que possuem mais de um acesso apresentam uma entrada em cada um dos municípios conurbados.

Não é raro que empresas incorporadoras, ao adquirirem imóveis para instalação de empreendimento imobiliário em áreas conurbadas, com possibilidade de acesso por vias acessíveis dois municípios, façam a opção de colocar a entrada principal em determinado município, inclusive por questões tributárias.

Pretender, nessas situações, adotar uma definição absoluta e restritiva para a sede, como sendo exclusivamente o município expressamente indicado no ato de credenciamento ou recredenciamento institucional é ignorar a condição efetiva dos municípios conurbados, exigindo que haja uma diferenciação onde a realidade não comporta isso, pois é virtualmente impossível em virtude da unicidade da malha urbana existente.

Como seria possível separar, de forma estanque, a realidade social, econômica e populacional, em um ambiente no qual a separação só é possível nos mapas cartográficos, no qual os pontos são assentados rigorosamente com os dados de latitude e longitude, totalmente afastados da realidade cotidiana?

Apontar como irregular a instalação de uma unidade educacional em região conurbada somente por estar localizada no lado par de um logradouro público, por pertencer a município distinto daquele indicado no ato de credenciamento, ao qual pertence apenas o lado impar do mesmo logradouro é de um rigorismo formal absolutamente descabido e incompatível com a modernidade urbana de diversos municípios do País.

Adotar, especialmente no caso dos municípios conurbados, a definição de sede como sendo a região metropolitana do município indicado no ato de credenciamento seria uma possibilidade de adequar a necessidade de clara conceituação e delimitação da sede das instituições de educação superior com a observação da realidade urbana desses municípios, permitindo às instituições a atuação regular dentro de uma malha urbana una e virtualmente indivisível para feitos de vida cotidiana e de atuação acadêmica.

Imprescindível, considerando que a normatização, sob pena de ineficácia, precisa estar adequada à realidade social existente, que o debate acerca da definição do conceito de sede das instituições de educação superior se debruce sobre essas questões essenciais.

 

Percebemos, como acima apontado, que, apesar de estar claro o conceito de sede das instituições de educação superior como o limite territorial do município indicado em seu ato válido de credenciamento ou recredenciamento, é fundamental que este conceito seja revisto ou, ao menos, flexibilizado, uma vez que a rigidez adotada não permite o atendimento a fenômenos usuais como a criação de novos municípios por emancipação e a conurbação, como acima apontado.

Faz-se necessário, portanto, que haja um debate amplo sobre esta questão, buscando adequar a necessária definição de “sede” no âmbito regulatório à realidade da evolução geopolítica dos municípios, de modo a permitir que este conceito, embora claro e bem definido, possa acompanhar as modificações que a modernidade traz à delimitação dos limites territoriais dos municípios e, sobretudo, à realidade de suas malhas urbanas.

Qualquer crítica, dúvida ou correções, por favor, entre em contato com a Coluna Educação Superior Comentada, por Gustavo Fagundes, que também está à disposição para sugestão de temas a serem tratados nas próximas edições.

A ABMES também oferece atendimento presencial nas áreas jurídica e acadêmica. Para agendar um horário, envie e-mail para faleconosco@abmes.org.br.


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