A histórica falta de valorização dos profissionais do magistério, aliada às inadequadas condições de trabalho postas à sua disposição vem, há tempos, ocasionando uma crise nos cursos de licenciatura.
Sem desmerecer as demais profissões, aquela que é o lastro para todas as outras não tem apresentado atrativos capazes de estimular os egressos do ensino médio.
Remuneração pífia e péssimas condições de trabalho, entre outros fatores conhecidos, mas pouco combatidos de forma efetiva, geram ociosidade de vagas em praticamente todos os cursos para formação em nível superior de profissionais do magistério, inclusive naqueles ofertados por instituições federais e estaduais.
Valorizar o profissional do magistério, contudo, não é apenas assegurar remuneração compatível com sua importância e boas condições de trabalho, sendo necessário, decerto, aprimorar a formação inicial e continuada desses profissionais, imprescindíveis para o desenvolvimento de qualquer Nação.
O Conselho Pleno do CNE – Conselho Nacional de Educação, buscou, por meio de sua Resolução n °2/2015, atualizar e modernizar as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial e continuada em nível superior de profissionais de magistério para a educação básica, nos cursos de licenciatura, segunda licenciatura e de formação pedagógica para graduados, bem como para sua formação continuada, estando seu objeto claramente estipulado em seu artigo 1º:
“Art. 1º Ficam instituídas, por meio da presente Resolução, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada em Nível Superior de Profissionais do Magistério para a Educação Básica, definindo princípios, fundamentos, dinâmica formativa e procedimentos a serem observados nas políticas, na gestão e nos programas e cursos de formação, bem como no planejamento, nos processos de avaliação e de regulação das instituições de educação que as ofertam.
§ 1º Nos termos do § 1º do artigo 62 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), as instituições formadoras em articulação com os sistemas de ensino, em regime de colaboração, deverão promover, de maneira articulada, a formação inicial e continuada dos profissionais do magistério para viabilizar o atendimento às suas especificidades nas diferentes etapas e modalidades de educação básica, observando as normas específicas definidas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).
§ 2º As instituições de ensino superior devem conceber a formação inicial e continuada dos profissionais do magistério da educação básica na perspectiva do atendimento às políticas públicas de educação, às Diretrizes Curriculares Nacionais, ao padrão de qualidade e ao Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), manifestando organicidade entre o seu Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), seu Projeto Pedagógico Institucional (PPI) e seu Projeto Pedagógico de Curso (PPC) como expressão de uma política articulada à educação básica, suas políticas e diretrizes.
§ 3º Os centros de formação de estados e municípios, bem como as instituições educativas de educação básica que desenvolverem atividades de formação continuada dos profissionais do magistério, devem concebê-la atendendo às políticas públicas de educação, às Diretrizes Curriculares Nacionais, ao padrão de qualidade e ao Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), expressando uma organicidade entre o seu Plano Institucional, o Projeto Político Pedagógico (PPP) e o Projeto Pedagógico de Formação Continuada (PPFC) através de uma política institucional articulada à educação básica, suas políticas e diretrizes.”
A referida Resolução claramente diferencia as finalidades da formação inicial – preparação de profissionais para as funções de magistério na educação básica, infantil e nos ensinos fundamental e médio, além das diversas modalidades – e da formação continuada – desenvolvimento contínuo desses profissionais, como contido no caput de seu artigo 3º:
“Art. 3º A formação inicial e a formação continuada destinam-se, respectivamente, à preparação e ao desenvolvimento de profissionais para funções de magistério na educação básica em suas etapas - educação infantil, ensino fundamental, ensino médio – e modalidades - educação de jovens e adultos, educação especial, educação profissional e técnica de nível médio, educação escolar indígena, educação do campo, educação escolar quilombola e educação a distância - a partir de compreensão ampla e contextualizada de educação e educação escolar, visando assegurar a produção e difusão de conhecimentos de determinada área e a participação na elaboração e implementação do projeto político-pedagógico da instituição, na perspectiva de garantir, com qualidade, os direitos e objetivos de aprendizagem e o seu desenvolvimento, a gestão democrática e a avaliação institucional.”
Entre os cursos de formação inicial para profissionais do magistério para a educação básica, temos os cursos de licenciatura, de formação pedagógica para graduados não licenciados e de segunda licenciatura, como disposto no artigo 9º da prefalada Resolução CNE/CP n° 2/2015:
“Art. 9º Os cursos de formação inicial para os profissionais do magistério para a educação básica, em nível superior, compreendem:
I - cursos de graduação de licenciatura;
II - cursos de formação pedagógica para graduados não licenciados;
III - cursos de segunda licenciatura.
§ 1º A instituição formadora definirá no seu projeto institucional as formas de desenvolvimento da formação inicial dos profissionais do magistério da educação básica articuladas às políticas de valorização desses profissionais e à base comum nacional explicitada no capítulo II desta Resolução.
§ 2º A formação inicial para o exercício da docência e da gestão na educação básica implica a formação em nível superior adequada à área de conhecimento e às etapas de atuação.
§ 3º A formação inicial de profissionais do magistério será ofertada, preferencialmente, de forma presencial, com elevado padrão acadêmico, científico e tecnológico e cultural.”
Em edição anterior dessa coluna, já tratamos dos cursos de formação pedagógica para graduados não licenciados, conhecidos de forma geral como “programas de complementação pedagógica”, regulamentados, como visto pelo artigo 14 da resolução em comento.
Neste texto, vamos avançar na análise dos cursos de formação inicial para profissionais do magistério, tratando da figura dos cursos de segunda licenciatura, regulamentado pelo artigo 15 da Resolução CNE/CP n° 2/2015, cujo caput estabelece:
“Art. 15. Os cursos de segunda licenciatura terão carga horária mínima variável de 800 (oitocentas) a 1.200 (mil e duzentas) horas, dependendo da equivalência entre a formação original e a nova licenciatura.”
Os cursos de segunda licenciatura, portanto, terão sua carga horária mínima variando entre 800 (oitocentas) horas e 1.200 (mil e duzentas) horas, devendo a definição desta carga observar a relação de equivalência entre a formação original recebida pelo estudante e a nova licenciatura pretendida, conforme estipulado no § 1º do dispositivo em comento, sempre assegurada a carga horária mínima de 300 (trezentas) horas para as atividades de estágio curricular supervisionado:
“§ 1º A definição da carga horária deve respeitar os seguintes princípios:
I - quando o curso de segunda licenciatura pertencer à mesma área do curso de origem, a carga horária deverá ter, no mínimo, 800 (oitocentas) horas;
II - quando o curso de segunda licenciatura pertencer a uma área diferente da do curso de origem, a carga horária deverá ter, no mínimo, 1.200 (mil e duzentas) horas;
III - a carga horária do estágio curricular supervisionado é de 300 (trezentas) horas;”.
É fundamental que, durante o processo formativo para obtenção de segunda licenciatura, seja efetivamente assegurada a articulação entre teoria e prática, para que sejam fornecidos ao estudante os elementos básicos para que possa desenvolver conhecimentos e habilidades necessários ao exercício da docência, como exigido pelo § 2º do artigo sob análise:
“§ 2º Durante o processo formativo, deverá ser garantida efetiva e concomitante relação entre teoria e prática, ambas fornecendo elementos básicos para o desenvolvimento dos conhecimentos e habilidades necessários à docência.”
Se esse dispositivo se mostra absolutamente redundante, pois a articulação entre teoria e prática é premissa essencial para os cursos superiores, a exigência de conteúdos diversos, além daqueles específicos da área de conhecimento, traçada pelo § 3º do artigo 15 da Resolução CNE/CP n° 2/2015 merece atenção das instituições que pretendam ofertar os cursos de segunda licenciatura e também daqueles que já os ofertam, para assegurar o pleno atendimento às diretrizes curriculares ora vigentes:
“§ 3º Os cursos de formação deverão garantir nos currículos conteúdos específicos da respectiva área de conhecimento e/ou interdisciplinar, seus fundamentos e metodologias, bem como conteúdos relacionados aos fundamentos da educação, formação na área de políticas públicas e gestão da educação, seus fundamentos e metodologias, direitos humanos, diversidades étnico-racial, de gênero, sexual, religiosa, de faixa geracional, Língua Brasileira de Sinais (Libras), educação especial e direitos educacionais de adolescentes e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas.”
Importante registrar que os cursos de segunda licenciatura estão abertos a todos os portadores de diploma de graduação em licenciatura, seja qual for sua área original de formação, nos termos do § 4º do artigo sob análise:
“§ 4º Os cursos descritos no caput poderão ser ofertados a portadores de diplomas de cursos de graduação em licenciatura, independentemente da área de formação.”
Verificamos, portanto, que não há exigência de similaridade da área de formação para ingresso nos cursos de segunda licenciatura, sendo certo, apenas, que a diferença de áreas terá reflexo na duração destes, como já verificado na análise do § 1º do artigo em comento, incumbindo a cada instituição de educação superior ofertante a verificação da compatibilidade entre a formação já obtida e aquela pretendida, como claramente definido pelo § 5º do mesmo dispositivo:
“§ 5º Cabe à instituição de educação superior ofertante do curso verificar a compatibilidade entre a formação do candidato e a habilitação pretendida.”
Como apontado na análise do § 1º do artigo 15 da Resolução CNE/CP n° 2/2015, o estágio curricular é componente obrigatório em todos os cursos de licenciatura, inclusive nos cursos de segunda licenciatura, nos termos de seu § 6º:
“§ 6º O estágio curricular supervisionado é componente obrigatório da organização curricular das licenciaturas, sendo uma atividade específica intrinsecamente articulada com a prática e com as demais atividades de trabalho acadêmico.”
Apesar de o § 1º estabelecer que a carga horária mínima de estágio nos cursos de segunda licenciatura seja de 300 (trezentas) horas, as instituições poderão, para portadores de diploma de licenciatura com exercício comprovado no magistério e em exercício efetivo como docente regular na educação básica, permitir a redução de até 100 (cem) horas nesta carga horária, como facultado pelo § 7º do artigo em comento:
“§ 7º Os portadores de diploma de licenciatura com exercício comprovado no magistério e exercendo atividade docente regular na educação básica poderão ter redução da carga horária do estágio curricular supervisionado até o máximo de 100 (cem) horas.”
Caberá às instituições ofertantes, naturalmente, no exercício de suas atribuições de autonomia didático-científica, regulamentar os critérios a serem verificados para possibilitar a redução prevista no dispositivo acima transcrito e, sobretudo, para estabelecer os parâmetros a serem adotados para definição da carga de redução a ser aplicada, sempre assegurando o cumprimento, nesses casos, da carga horária mínima de 200 (duzentas) horas para as atividades de estágio nos cursos de segunda licenciatura.
Os cursos de segunda licenciatura poderão ser ofertados por instituição de educação superior devidamente credenciada e que oferte curso de licenciatura reconhecido e com avaliação satisfatória na habilitação pretendida, sem a necessidade de emissão de novo ato autorizativo, como claramente estabelece o § 8º do artigo 15 da Resolução CNE/CP n° 2/2015:
“§ 8º A oferta dos cursos de segunda licenciatura poderá ser realizada por instituição de educação superior que oferte curso de licenciatura reconhecido e com avaliação satisfatória pelo MEC na habilitação pretendida, sendo dispensada a emissão de novos atos autorizativos.”
Naturalmente, em virtude de sua vinculação com os cursos de licenciatura já ofertados pela instituição de educação superior, os cursos de segunda licenciatura, até por prescindirem de da emissão de ato autorizativo específico, terão sua avaliação de qualidade levada a efeito durante o processo de avaliação das licenciaturas preexistentes, nos termos do § 9º do artigo sob análise:
“§ 9º A oferta de cursos de segunda licenciatura deverá ser considerada quando dos processos de avaliação do curso de licenciatura mencionado no parágrafo anterior.”
Como não poderia deixar, por se tratar de Resolução estabelecendo diretrizes curriculares nacionais para a formação inicial e continuada em nível superior de profissionais de magistério para a educação básica, as regras trazidas pela norma em comento, inclusive aquelas relativas aos cursos de segunda licenciatura, também devem ser observadas por esses cursos quando ofertados sob coordenação do MEC em regime de colaboração com os sistemas de ensino e realizados por instituições de educação superior públicas ou comunitárias, como claramente exigido pelo § 10 de seu artigo 15:
“§ 10. Os cursos de segunda licenciatura para professores em exercício na educação básica pública, coordenados pelo MEC em regime de colaboração com os sistemas de ensino e realizados por instituições públicas e comunitárias de educação superior, obedecerão às diretrizes operacionais estabelecidas na presente Resolução.”
Essas são as regras a serem observadas para oferta dos cursos de segunda licenciatura, sendo certo que é fundamental, para o desenvolvimento do País, que a valorização dos profissionais do magistério saia, definitivamente, do papel e se transforme em política pública efetiva, no interesse das gerações vindouras.
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