Em audiência pública interativa nesta quarta-feira (23), representantes do ensino superior, dos trabalhadores em educação, ativistas do setor e internautas criticaram a Medida Provisória (MP) 785/17, que altera as formas de concessão do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).
Ao longo do debate na comissão mista encarregada de emitir parecer sobre a matéria, eles foram unânimes em afirmar que a MP atende às necessidades fiscais do governo federal, mas restringe o acesso dos estudantes ao financiamento estudantil, ao exigir fiador e extinguir o prazo de carência para quitação do empréstimo, hoje de 18 meses, entre outras alterações.
Sem caráter social
Representante da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior, Sólon Caldas disse que a MP atende a interesses imediatos do governo, mas abandona totalmente o caráter social do Fies. Ele destacou ainda que os mais ricos estudam de graça nas universidades públicas, enquanto os menos favorecidos precisam pagar mensalidades em estabelecimentos particulares de ensino. Também alertou que o número de vagas oferecidos pelo programa não atende à demanda dos alunos.
Sólon Caldas criticou, entre outros pontos, o fato de o governo não financiar 100% da mensalidade, o que faz com que o estudante não tenha como arcar com a diferença. Além disso, o governo estabelece alguns cursos prioritários, nem sempre em consonância com o mercado de trabalho, e as vagas acabam sobrando e ficando ociosas no sistema.
“A MP fatiou o Fies em três modelos. O primeiro oferece só 100 mil vagas. Nos outros dois modelos, o governo transfere o risco financeiro para os bancos. A restrição vai ser muito maior. O ‘juro zero’ é um discurso perigoso do governo. O juro é corrigido pelo INPC. Em 2014, foram mais de 730 mil contratos. Em 2017, não vamos chegar a 200 mil. Precisamos de um Fies sustentável, mas que não fique só de enfeite”, alertou.
Dificuldades de financiamento
Representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, Gilmar Ferreira disse que a MP não abarca de forma plena as metas decenais do Plano Nacional de Educação (PNE), que preveem avanços na instrução de grupos historicamente desamparados na educação superior.
“A MP traz limitações na admissão do tempo de carência aos que acessaram o benefício e no desconto consignado em folha de pagamento. A fragmentação dos contratos dificultará a quitação. A exigência de fiador levará a outras exigências que dificultarão a obtenção do financiamento”, afirmou.
“O governo continua com sua saga de contenção de gastos para alimentar o rentismo, e provoca submissão dos parcos recursos públicos. No caso dos fundos regionais de desenvolvimento, eles atendem mais ao mercado internacional de exportação in natura, deixando à margem o desenvolvimento local, ou submetendo as regras às exigências do mercado”, acrescentou.
Redução do programa
Assessor jurídico do Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior, José Roberto Covac afirmou que a educação não deve representar custo, mas um investimento necessário para o desenvolvimento do País. “Vai ter redução do programa. A gente não sabe até que ponto os recursos serão destinados no montante necessário para o ensino superior. O desafio que temos é cumprir as metas do PNE. O aluno, ao sair do Fies, agrega receita no mínimo de 70%, fora a qualificação que ele vai dar ao sistema de produção do País”, ressaltou.
Representante da Associação Nacional das Universidades Particulares, Elizabeth Guedes destacou a importância do crédito estudantil e da educação para o desenvolvimento nacional. “Se nós, de ensino superior, tivéssemos os três milhões de alunos adicionais que nos permitissem chegar à média da OCDE [Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico], só de aumento do produto interno bruto (PIB) a gente teria de três a seis por cento. Ninguém que pegou empréstimo com o Fies deve nada ao Brasil, pelo contrário. O País sempre ficará devendo toda vez que um jovem se formar, gerar emprego e começar a pagar impostos”, afirmou.
Expansão do ensino superior
Membro do comitê da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Catarina de Almeida disse que o Brasil precisa decidir se vai continuar com o empréstimo subsidiado ou adotar uma ação de longo prazo para expansão da educação superior pública.
“Temos que aumentar em 50% o número de vagas, sendo que 40% precisam ser nas universidades públicas, com a expansão de mestres e doutores. As universidades federais estão em processo de contenção de sua expansão, mas são as universidades que têm o maior número de professores com dedicação exclusiva. É preciso pensar no processo de regulação da educação, fazer avaliação do financiamento e de seu retorno para a educação de qualidade e a empregabilidade”, defendeu.
Impacto na empregabilidade
Representante da Associação Brasileira de Estágios, Seme Arone Júnior observou que apenas 16% da população entre 25 e 34 anos têm nível superior no País, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O percentual é de 11% entre as pessoas mais velhas, em torno de 55 anos.
“Há um impacto do ensino superior na empregabilidade. No Brasil, o percentual de quem tem nível de ensino superior completo é de 6,4%. Quem não tem ensino médio vive um drama. É importante dar acesso à educação para os jovens. Precisamos ampliar a inserção do jovem no ensino superior”, afirmou.
Representante da Confederação Nacional Dos Estabelecimentos de Ensino, Jorge de Jesus Bernardo disse que a MP não vai ampliar o acesso ao ensino superior no País. “A MP não atende aos alunos, aos mantenedores e ao próprio país. Não estamos contribuindo para o desenvolvimento do Brasil”, alertou.
Aprimoramento
Por sua vez, o senador Pedro Chaves (PSC-MS) disse ser favorável ao aprimoramento do Fies. Ele sugeriu o aumento do Fundo Garantidor e da participação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no programa. “Temos que definir uma forma de minimizar o problema. Sou favorável ao Fies, ao aumento do número de vagas e a facilitar ao máximo. Se não, o estudante não tem condição”, afirmou.
Ao final da audiência pública, o relator da matéria, deputado Alex Canziani (PTB-PR) disse ser favorável ao aprimoramento da MP. “Acredito que a gente possa buscar um novo caminho, construir um texto mais adequado ao que a sociedade precisa, sem esquecer a situação fiscal em que se encontra o País”, disse.
Essa foi a primeira das cinco audiências programadas pela comissão mista para a discussão da MP 785/17. O colegiado é presidido pelo senador Dalírio Beber (PSDB-SC). A relatora-revisora da MP é a senadora Lúcia Vânia (PSB-GO).