O plenário da Câmara aprovou nesta terça-feira (31) a medida provisória que institui novas regras para o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Por 255 votos a 105, os deputados acataram as mudanças propostas pelo governo ao sistema que financia estudantes de cursos privados do ensino superior, profissional, técnico ou tecnológico e em programas de mestrado e doutorado. Os deputados acabaram de analisar os destaques apresentados à MP ainda durante a noite. A matéria agora vai ao Senado.
Atualmente, para ter acesso ao financiamento, o estudante deve passar por avaliação positiva em processos estabelecidos pelo Ministério da Educação (MEC), como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Também é necessário comprovar renda familiar mensal bruta de até três salários-mínimos. Entre as principais mudanças estão as formas de pagamento da dívida e das taxas de juros do financiamento.
Dívida
Uma das alterações propostas pela MP está a exigência de que o pagamento do valor financiado ocorrerá no primeiro mês após a conclusão do curso. Antes, após a formatura, o estudante tinha até 18 meses para começar a pagar o financiamento. O chamado "prazo de carência" tinha como objetivo dar um tempo ao recém-formado para que ele conseguisse uma fonte de renda antes de começar a quitar a dívida. Nesse período, o estudante pagava, a cada três meses, uma parcela de até R$ 150, referente aos juros que incidem sobre o financiamento.
De acordo com a medida aprovada pela Câmara, o estudante poderá consignar a dívida à folha de pagamento, caso esteja empregado. O saldo devedor remanescente deverá ser pago em prestações mensais equivalentes ao maior valor entre o pagamento mínimo e o cálculo do percentual vinculado à renda bruta do estudante. Ou, ainda, poderá ser amortizado e quitado de forma integral com redução dos encargos.
Juros
Entre outros pontos, a medida estabelece também que, a partir do primeiro semestre de 2018, os financiamentos serão concedidos, dependendo da modalidade, sem juros e com correção anual de acordo com a variação do índice oficial de preços ou taxa estipulada no início do contrato. Hoje, a taxa de juros anual do programa é de 6,5%. A MP admite a possibilidade de reparcelamento ou amortização em condições especiais de débitos vencidos e a extensão do prazo para conclusão do curso financiado por até quatro semestres.
A medida permite o abatimento de 1% do saldo devedor para estudantes que atuarem como professores de educação básica na rede pública. O percentual de abatimento pode chegar a 50% do valor devido para estudantes que atuarem como médicos de equipe da saúde da família ou como médico militar em áreas carentes de profissionais.
Instituições financeiras oficiais, como bancos ou administradores de crédito, poderão atuar como agente operador do Fies e empresas financeiras poderão ser contratadas para serviços de cobrança administrativa. Fica dispensada a licitação na contratação das empresas se elas forem públicas. Os operadores de crédito poderão gerir os recursos do programa, fiscalizar as informações prestadas pelos estudantes e definir as condições de concessão de financiamento, de acordo com critério estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
A MP também introduz novas modalidades de financiamento como o Fies-trabalhador e o Fies-empresas, direcionados aos cursos profissionais e técnicos. O texto cria ainda o Programa de Financiamento Estudantil, que complementará o Fies e será composto por recursos de fundos regionais de desenvolvimento, do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), além de outras receitas a serem definidas.
A medida constitui ainda o Fundo Garantidor do Fies, uma espécie de seguro privado de limite de R$ 3 bilhões, ao qual deverão se vincular obrigatoriamente as insituições privadas de ensino que adotam o programa. A instituição de ensino que tiver interesse em aderir ao Fies deverá aplicar percentuais que variam de 10% a 25 % sobre os encargos educacionais, de acordo com o tempo de vínculo da entidade mantenedora ao fundo garantidor.
Polêmica
O governo argumenta que as mudanças são necessárias para garantir a sustentabilidade e a continuidade do programa. Segundo o ministro da Educação, Mendonça Filho, o Fies precisa ser reestruturado para cobrir um rombo de R$ 32 bilhões do sistema. Parlamentares da base governista argumentaram no plenário da Câmara que as mudanças garantem o aumento de vagas para estudantes de baixa renda.
“O Fies vai ficar com 150 mil vagas, o Fies 2, com mais 150 mil vagas, podendo aumentar através dos fundos constitucionais, e o Fies 3 vai ficar com 80 mil vagas, totalizando 380 mil vagas. Se nós fizermos uma comparação nos últimos três anos, 2015, 2016 e 2017, veremos que nós tivemos uma média de 230 mil, 240 mil vagas por ano. Então nós vamos ter um acréscimo de mais de 50%. Eu acho que nós temos que aprovar essa matéria hoje aqui na Casa, para que o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e os estudantes que estão se preparando para o Enem possam se preparar para ter acesso a essas vagas”, disse o deputado Moses Rodrigos (PMDB-CE).
Para partidos da oposição, a reforma do sistema pode prejudicar o acesso de estudantes de baixa renda ao ensino superior. Os oposicionistas apresentaram diferentes requerimentos para tentar obstruir a votação, mas todos foram rejeitados.
“Nós entendemos que essa matéria agora quer transformar o Fies até como política educacional, como política fiscal. Ela está transitando para política fiscal a juros abertos e saqueando dinheiro de fundos públicos, como está previsto no projeto: FGTS, BNDES, fundos da Amazônia, do Norte, do Nordeste, do Centro-Oeste. Na verdade, ela só está garantindo hoje poucas vagas para aqueles que ganham até três salários mínimos. Quer dizer, os pobres serão excluídos. É por isso que essa medida provisória é para facilitar a vida de banqueiros, pois os juros serão liberados, juros de mercado”, disse Ivan Valente (PSOL-SP)
Diante das divergências, a sessão chegou a ser suspensa pelo presidente interino da Câmara, Fábio Ramalho (PMDB-MG), na tentativa de um acordo entre os líderes. Após a retomada, o PT retirou a obstrução depois de ter duas de suas sugestões de mudanças no texto acatadas, entre elas a retirada da possibilidade de utilizar o Fundo de Garantia do Tempo e Serviço (FGTS) para pagamento de dívidas do Fies.
O partido também conseguiu fechar acordo para incluir na MP a possibilidade dos estudantes aderirem ao Programa Especial de Regularização do Fies, uma espécie de Refis para liquidar débitos vencidos até 30 de abril deste ano.
No entanto, PSOL e PCdoB continuaram com a estratégia de impedir o andamento da votação, o que arrastou a discussão por mais de duas sessões. O presidente interino reiterou que tinha sido firmado acordo e decidiu prosseguir com a votação. Ramalho alertou que os deputados que faltassem à votação estariam sujeitos a efeitos administrativos.
“Mudar a natureza do Fies, batizá-lo de Novo Fies, fazendo com que a decisão da taxa de juros e a análise da capacidade financeira do estudante fiquem por conta dos bancos privados é algo que se pode decidir às pressas? Isso é uma mudança da natureza original do Fies, que ajudou a expandir o número de estudantes universitários no país”, reclamou a líder do PCdoB, Alice Portugal (BA).
Para o líder do DEM, deputado Efraim Filho (PB), a aprovação do novo programa representa uma conquista. “O resultado é uma conquista de serenidade desta Casa. Um tema no qual as divergências foram respeitadas, se marcou uma posição contrária, mas se construiu [a oportunidade] (….) para o jovem que deseja investir na sua formação pessoal e profissional”, declarou Efraim.