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Os frutos do ensino à distância

14/11/2017 | Por: Época | 3424

Todos os dias, o paulistano Rinaldo Luiz Cuco levanta-se antes de o sol nascer e passa de três a quatro horas em frente ao computador estudando: assiste a videoaulas, atualiza a leitura e participa de chats e fóruns on-line. Por volta de 8 horas, sai de casa para trabalhar e às 12 horas retorna para o almoço. Após a refeição, sai para a segunda jornada de trabalho numa escola estadual de São Paulo, onde leciona história e geografia aos alunos do segundo ciclo do ensino fundamental e do ensino médio. “O tempo é escasso e a rotina cansativa, mas vale a pena”, conta o professor, que no primeiro semestre de 2018 concluirá a licenciatura em geografia num curso à distância. Cuco formou-se em estudos sociais em 1981 e, perto dos 60 anos, numa fase da vida em que as obrigações familiares aliviaram, decidiu retomar os estudos a fim de se aperfeiçoar no ofício que considera sua verdadeira vocação: ser professor. “O tempo passa, e a gente acaba ficando para trás. Voltei a estudar para atualizar o conteúdo de geografia.”

Cuco faz parte de um grupo que não para de crescer no Brasil: os estudantes que optam por fazer cursos à distância, seja em nível de graduação ou de pós-graduação, seja em cursos livres. Segundo o Censo da Educação Superior de 2016 do Ministério da Educação (MEC), o número de matrículas em cursos de graduação à distância aproxima-se de 1,5 milhão, o que corresponde a 18,6% dos 8,04 milhões de universitários no país. Somam-se a esse contingente cerca de 2,9 milhões de alunos dos cursos livres corporativos e não corporativos, conforme contabilizou o censo da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed). Uma década atrás, a educação à distância (EAD) respondia por 4,2% dos graduandos brasileiros e os cursos presenciais concentravam 95,8% das matrículas. Apenas em um ano, de 2015 para 2016, a educação à distância assistiu ao aumento de 7,2% das matrículas, ao passo que a educação presencial teve queda de 1,2%. O MEC projeta que em cinco anos a educação à distância deverá responder por metade das matrículas na educação superior brasileira.

O avanço do ensino à distância começou para atender as salas de aula do ensino básico. “No Brasil, houve fomento à educação à distância a partir de 2004 porque havia a necessidade de qualificar os professores. Muitos não tinham a formação de nível superior exigida pela lei e era preciso aumentar a quantidade de docentes com licenciatura”, diz William Klein, CEO da Hoper Educacional. Passada pouco mais de uma década, as pessoas começaram, de um lado, a enxergar a educação à distância como uma alternativa para se formar, se especializar ou mesmo satisfazer uma necessidade de aprender algo importante para a vida. “A educação à distância está atendendo pessoas que buscam todo tipo de objetivo: quem quer um diploma, quem quer se aperfeiçoar profissionalmente e quem tem motivações pessoais para estudar”, analisa Betina von Staa, consultora em inovação educacional e coordenadora técnica do censo da Abed.

Junto com a demanda, a oferta cresce. Segundo o censo da Abed, o número de novas instituições que oferecem EAD aumentou em 22%, ao passo que a quantidade de estabelecimentos que oferecem educação em geral aumentou 4%. O negócio está concentrado nas mãos de grandes grupos privados, com capacidade de investimento para implantar os polos e investir em tecnologia, materiais e conteúdos didáticos. O setor privado corresponde a 68% das instituições que atuam no segmento.

Outros fatores ajudam a compreender a explosão da educação à distância no Brasil: da diversidade da oferta, passando pela mensalidade que “cabe no bolso”, à diminuição do preconceito quanto à qualidade dos cursos. Ao contrário do que muitos acreditam, a legislação estabelece que os diplomas de educação à distância possuem o mesmo valor dos diplomas dos cursos presenciais. Em 2007, única vez em que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) divulgou uma análise do desempenho dos dois grupos no Enade, os alunos à distância se saíram melhor em sete das 13 áreas comparadas. “Vinte anos atrás, a educação à distância era uma inovação. Hoje, a EAD é natural, sobretudo para os mais jovens”, afirma João Vianney, consultor da Abed e da Hoper Educacional. Além disso, a tecnologia permite levar a educação para quem não tem outra opção. “No interior e em regiões como a Amazônia, muitas vezes a única alternativa para quem quer estudar é o ensino à distância”, afirma Betina.

Foi a solução para Andréa Aparecida de Almeida. Ela mora em Taiaçupeba, distrito na zona rural de Mogi das Cruzes, São Paulo, e cursa o 1º semestre de pedagogia à distância na Universidade do Norte do Paraná (Unopar). Casada e mãe de dois filhos, Andréa trabalha como monitora numa reserva florestal da Suzano Papel e Celulose. Ela passa o dia percorrendo trilhas no meio da Mata Atlântica com os visitantes, ensinando os moradores da cidade a se entender com a floresta, longe do sinal do celular. “Minha rotina exige muito deslocamento. Dependendo da época do ano e da demanda de visitação, passo o dia no parque atendendo estudantes e professores”, diz. Sua formação original, mais de dez anos atrás, foi em radiologia. Mas no contato com a reserva decidiu virar educadora ambiental. “Como o curso é à distância, consigo estudar dentro de casa, nos horários possíveis”, explica. “Pensei em fazer biologia, mas escolhi pedagogia porque sentia necessidade de aprofundar o meu lado educadora”,  diz Andréa.  “Quero trabalhar com educação e com crianças de uma maneira aberta, sem os limites de uma sala de aula.”

Um curso à distância também ajudou Letícia Monte Faustino, de Campinas (no interior de São Paulo), a reposicionar sua carreira. Aos 26 anos, ela está cursando o 3º semestre de análise de sistemas à distância na Universidade Cruzeiro do Sul (Unicsul). O curso é sua segunda graduação. Em 2014, ela se formou em engenharia de materiais na Universidade Federal de São Carlos (Ufscar). Mas teve dificuldade para entrar no mercado de trabalho. “O tempo foi passando e eu fiquei numa situação delicada, pois não era mais uma recém-formada nem tinha experiência profissional”, conta Letícia. Então, voltou a estudar. “Queria ingressar numa área com o mercado de trabalho mais aquecido e que tivesse a ver comigo”, aprofunda Letícia, que diz gostar de tecnologia. Ela afirma que a comodidade foi fundamental para poder estudar.  “Quando comecei o curso, ainda estava procurando emprego em engenharia, então não queria ter todo o dia tomado com aulas e estudo.” Com a guinada profissional, Letícia agora faz estágio no Instituto de Pesquisa da Samsung, em Campinas, onde trabalha com o desenvolvimento de games.

A flexibilidade da tecnologia e das metodologias dos cursos à distância não significa, necessariamente, uma rotina de estudos leve. Pelo contrário. O sucesso do aluno depende essencialmente de organização e disciplina. Por isso, a motivação interna para se aperfeiçoar é fundamental, analisa Ivete Palange, conselheira da Abed. Para evitar a falta de estímulo e a sensação de isolamento, em decorrência da ausência de contato físico com os colegas de turma, a recomendação é criar uma rotina de estudos, com dias, horários e tempo de dedicação definidos. E segui-la rigorosamente. “A rotina evita o abandono do curso”, diz.

O curso à distância abriu as portas para a ascensão profissional do administrador Juan Pablo Diehl Severo, de Porto Alegre. Ele começou a estudar assim em 2006, quando ingressou na graduação em administração na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), num projeto pioneiro da Escola de Administração da UFRGS e do Banco do Brasil voltado para funcionários, mas aberto a qualquer pessoa em busca de formação na área. Durante quatro anos, Juan Severo, funcionário do Banco do Estado do Rio Grande do Sul,  sustentou uma rotina diária de aulas e estudo, complementada por provas presenciais a cada quinzena. “Foi uma experiência importante e diferente. Apesar da flexibilidade, o curso era muito estruturado, com tutores e professores bem preparados”, lembra. Pouco depois de se graduar, em 2010, Severo participou de um processo seletivo do banco e foi transferido do atendimento em agência para a área administrativa, conforme almejava. Depois da graduação, ele iniciou uma especialização em marketing, que abandonou, porque avaliou que o material didático era de má qualidade. “Todo o conteúdo era oferecido em CDs e o suporte ao aluno era precário”, lembra. Em 2015, iniciou e concluiu uma especialização em gestão de pessoas. Atualmente, faz dois cursos de francês on-line, pois planeja viajar para a França com a esposa em 2019.

Essa flexibilidade do curso à distância também pode ser útil para o desenvolvimento pessoal, independentemente de alguma aplicação imediata na carreira. Foi o que descobriu a advogada Daniela Stump. Mestre em Direito Ambiental pela Universidade de São Paulo (USP) e sócia da Machado Meyer Advogados em São Paulo, Daniela está fazendo um curso livre de oito semanas ofertado pela Universidade Berkeley, nos Estados Unidos, chamado “A ciência da felicidade” na plataforma edX, que reúne algumas das mais renomadas instituições americanas. “Troquei o Netflix pela edX”, brinca Daniela, entusiasmada com o curso. “Sempre fiz cursos presenciais, não tinha ideia de como é estudar à distância. É muito estimulante! Dá vontade de sentar-se ao computador para assistir a videoaulas e participar dos chats, mesmo que seja entre as 22 horas e a meia-noite, quando os filhos estão na cama e depois de um dia de trabalho”, conta, ao descrever sua rotina. “Estou aprendendo muito sobre mim mesma e sobre as pessoas de maneira geral.” Daniela diz que graças ao curso está compreendendo a origem de seu interesse por temas como diversidade e inclusão. Hoje ela atua num projeto voltado para ampliar a participação de minorias no escritório. “Já existem estudos de neurociência e psicologia que mostram que a felicidade está ligada a quanto nos dedicamos aos outros. Isso me fez entender por que gosto tanto do projeto.”

Mudanças recentes na legislação sobre educação à distância prometem romper as fronteiras que ainda restam. O novo marco legal acaba com exigências do MEC para o credenciamento de instituições e abertura de cursos. Isso favorece a entrada de instituições de pequeno e médio porte num mercado hoje dominado por grandes grupos educacionais. Até então, era preciso esperar até dois ou três anos para ter um pedido limitado de abertura de polos com a tramitação concluída pelo MEC. Agora, a instituição pode abrir certo número de polos todo ano. A diversidade de opções deve se multiplicar. Voltar a estudar ficará cada vez mais irresistível.


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