A fase de tolerância em relação ao Ministério da Educação (MEC) parece ter chegado ao fim. Passados os cem primeiros dias de novo governo, representantes do setor privado e da área pública de ensino estão muito insatisfeitos e já não poupam mais críticas. É unânime a reclamação de que o ministro Ricardo Vélez Rodríguez tem deixado de lado questões prioritárias de educação como políticas públicas e se pautado apenas numa agenda de costumes.
"O MEC está sem liderança e, mais do que isso, há uma disputa política e ideológica na equipe que faz vítimas, seja com demissões, seja nos programas de avaliação, e está comprometendo a agenda de 2020. O ministro está focado em temas periféricos", disse Haroldo Corrêa Rocha, secretárioexecutivo de Educação do governo de São Paulo, que também reclamou da falta de interlocução das secretarias estaduais de Educação com o MEC.
Sonia Barreira, coordenadora do Critique, grupo que reúne colégios particulares como a Escola da Vila e Parque, classificou a atuação de Vélez como "catastrófica" devido a sua falta de conhecimento técnico sobre educação. "As escolas precisam tocar projetos como a reforma do ensino médio, mas isso fica paralisado diante do atual MEC. Vivemos muito mais do que uma paralisia, é uma verdadeira catástrofe ter um pessoa sem conhecimento técnico num setor tão importante e complexo como a educação", disse Sonia.
No ensino superior, a ausência de interlocução das faculdades com a pasta já prejudicou, por exemplo, os alunos do Fies, programa de financiamento estudantil. A plataforma do Fies não está conseguindo se integrar ao sistema da Caixa e com isso os processos de matrículas estão atrasados. "Com essa confusão, com pessoas saindo do MEC, não conseguimos resolver o problema técnico do Fies. Eles adiaram o prazo de inscrição, mas não sabemos o que vai ser. As aulas começaram em fevereiro e já estamos em abril", disse Sólon Caldas, diretor-executivo da Associação das Mantenedoras do Ensino Superior (ABMES).
Em relação à afirmação de Vélez de que não houve um golpe militar em 1964 no Brasil e por isso os livros didáticos deveriam passar por uma reformulação, uma fonte do mercado de obras escolares pontuou que teria de haver uma mudança na Base Nacional Curricular Comum (BNCC), uma vez que os livros didáticos de história do 9º ano reconhecem que houve uma ditadura civil-militar no país neste período.
"Acho que cada governo tem o direito de querer contar a história do seu jeito, mas esse tema não tem relevância neste momento. O MEC deveria se ater a temas como políticas públicas, BNCC e reforma do ensino médio", disse o presidente da Federação Nacional das Escolas Privadas (Fenep), Ademar Batista Pereira, que se classifica como um liberal. Ele reclamou da ausência de um grupo de trabalho entre as escolas privadas e o Ministério da Educação para debater questões de longo prazo.
Representantes do ensino superior e da educação básica privados estiveram reunidos com o ministro da Educação apresentando propostas variadas, desde Fies até cobrança de mensalidades em universidades públicas, mas nenhuma das conversas teve um segundo encontro devido às várias demissões na pasta.