Por meio da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres), o Ministério da Educação adotou medidas para diminuir a burocracia e agilizar os processos de credenciamento de novas instituições e criação de novos cursos. Foram apresentados números recordes neste início de governo.
Apenas nos três primeiros meses de 2019, a secretaria já deu andamento a mais de 10 mil processos de regulação, mais que em todo o ano de 2015, quando foram registrados pouco mais de 8,6 mil. Nos 12 meses de 2016, o total de processos foi de 10,6 mil. “O resultado é fruto de um esforço da secretaria, que se debruçou sobre a papelada e fez mutirão para diminuir a fila de processos que, anteriormente, demoravam de um a dois anos para serem concluídos”, afirma o secretário Marco Antônio Barroso Faria.
O melhor andamento também reflete no setor da supervisão. Em 2018, foram instaurados 271 processos, ao passo que apenas nos três primeiros meses de 2019 foram instaurados 193 processos – o setor é essencial para supervisionar e garantir a qualidade de ensino no país. Com a agilização das demandas, o setor conseguiu registrar, neste início de 2019, aumento de mais de 137%.
Burocracia
Existem três tipos de instituições de ensino superior: faculdades, centros universitários e universidades. Com exceção das universidades federais, que surgem por meio de Lei Federal, qualquer outra precisa dar entrada de pedido no MEC para começar a funcionar. Marco Antonio Faria lembra que a diferença entre as categorias é o tamanho da autonomia, no que diz respeito à criação de cursos e registro de diplomas, além de pré-requisitos estabelecidos no Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de 2017. O documento também dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação das instituições e dos cursos superiores de graduação e de pós-graduação lato sensu, nas modalidades presencial e a distância (EaD).
Originalmente, as instituições privadas precisam ser credenciadas como faculdades e o funcionamento é condicionado a ato autorizativo do MEC. Somente após isso as instituições podem alterar sua organização acadêmica, por meio de um pedido de recredenciamento como centro universitário ou universidade, desde que atendam aos requisitos estabelecidos no decreto. Vale lembrar que o pedido de abertura e credenciamento de uma instituição privada deve observar um calendário definido pelo MEC.
Para se abrir uma faculdade, é feito o registro no MEC e o processo passa para a Diretoria de Regulação da Educação Superior (Direg), que vai fazer a análise sobre a instituição que será aberta. Concomitantemente são enviados os pedidos de autorização dos cursos que serão oferecidos – no mínimo um e no máximo cinco. Todo o processo pode demorar cerca de dois anos, embora a atual secretaria esteja conseguindo dar andamento mais rápido à fila. Essa faculdade, porém, precisa solicitar ao MEC autorização para abrir novos cursos, e precisa também de uma universidade para registrar seus diplomas emitidos.
O Centro Universitário tem maior autonomia, mas um número maior de pré-requisitos para cumprir. Ao contrário das faculdades, os centros universitários podem criar um novo curso e avisar ao MEC posteriormente, no prazo de 60 dias. Eles podem emitir e registrar seus diplomas, mas não diplomas de outras faculdades.
Já as universidades têm bastante autonomia, além de cumprir uma lista maior de pré-requisitos estabelecidos no decreto, como uma quantidade mínima de professores em tempo integral e com títulos (mestrado ou doutorado). Diferentemente das outras duas categorias, as universidades podem emitir e registrar seus diplomas, além de registrar os diplomas de terceiros, no caso as faculdades.
É preciso destacar, segundo Faria, que a autonomia na criação de cursos por parte dos centros universitários e universidades não se aplica a alguns cursos ligados a entidades de classe, como os cursos de direito, medicina, odontologia, psicologia e enfermagem.
Todas as instituições e cursos necessitam de recredenciamento no MEC, quando tudo é verificado para garantir a qualidade do ensino – inclusive se a instituição está cumprindo o que foi solicitado, planejado e aprovado no início do processo. O prazo varia de instituição para instituição, sendo maior para as universidades.
Todo esse processo de cadastramento, vistoria, autorização, entre outros, não só demora muitos meses como envolve várias diretorias da Seres, como a Direg e a Diretoria de Supervisão da Educação Superior (Disup), além de outros órgãos, como o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que entre outras tarefas cuida da avaliação das instituições. Caso houvesse uma autorregulação por parte das faculdades, centros universitários e universidades, ela oneraria menos o Estado e facilitaria o melhor andamento dos processos, defende o secretário.
Solução
“Tudo o que é tecnicamente possível o MEC está fazendo para desburocratizar o setor, tanto que apresentou resultados recordes nos três primeiros meses de 2019”, afirma o secretário Marco Antônio Faria. “Mas é pouco, comparado com os resultados alcançados em outros países, como os Estados Unidos, cujas as instituições se autorregulam e, portanto, precisam de uma menor intervenção do Estado.”
Faria explica que, no Brasil, quando uma instituição é criada, ela já está ligada a mantenedoras, ou seja, grupos ou empresas maiores que as sustentam. Essas mantenedoras, por sua vez, possuem grupos colegiados que se reúnem justamente para discutir questões do setor e poderiam trabalhar em parceria com o MEC, como agências acreditadoras.
“Essas agências acreditadoras privadas, que estão acima das instituições, poderiam certificar aspectos pedagógicos e de gestão, por exemplo, e criar algo parecido com um selo de qualidade, inspecionando as instituições e certificando, com antecedência, a qualidade de todos os processos, setores e infraestruturas”, observa Marco Antônio Faria. “Algumas instituições já se autorregulam no que diz respeito à organização e qualidade. Quando suas solicitações são enviadas ao MEC, a tendência é andar mais rápido e com menor intervenção do Estado, uma vez que tudo está de acordo com os pré-requisitos estabelecidos. A fila, no entanto, está cheia de instituições que não possuem essa ‘autorregulação’ e aumentam a burocracia para todas as outras.”
Todos os processos deveriam seguir um fluxo contínuo, mas quanto mais instituições apresentam problemas, mais a burocracia emperra. Um processo é parado, por exemplo, quando uma instituição tem algum problema que precisa ser sanado. Técnicos são acionados para notificar e reparar o problema, e isso trava não só o processo em que estavam trabalhando, mas todos os outros da fila.
Em um exemplo hipotético, se todas as famílias do Brasil tivessem mantenedores que cuidassem da saúde de cada membro, incentivando-os a seguir regras pré-estabelecidas para o bem da saúde, menos pessoas precisariam ir ao hospital, ou passariam menos tempo lá, o que desafogaria o sistema como um todo, com menos consultas, uma menor fila de cirurgias e assim por diante. Neste caso, tantos os recursos financeiros quanto os servidores da Saúde poderiam ser usados para outros fins. O mesmo se aplicaria ao ensino superior particular no Brasil.
Autorregulação regulada
O cenário ideal para o ensino superior privado do Brasil seria a autorregulação desempenhada pelas próprias instituições, como acontece em muitos países, o que oneraria menos o Estado, reduziria a burocracia e refletiria em ganhos para a população. Esta é a avaliação do secretário. Ele observa que, enquanto isso não acontece, o MEC, por meio da Seres, tenta, da maneira que pode, dar um melhor andamento aos processos em busca de garantir a qualidade da educação superior no país.
Se houvesse a autorregulação por meio de agências acreditadoras, o processo de regulação, supervisão e avaliação não sairia das mãos do MEC, explica Faria. “Isso porque ela seria uma autorregulação regulada, ou seja, o ministério continuaria ditando as regras do ensino superior, mas com a certeza de que as mantenedoras já teriam garantido a qualidade do serviço nas faculdades, centros universitários e universidades.” Isso, segundo ele, não somente diminuiria a burocracia, onerando menos o Estado, como traria ganhos às próprias instituições e à população.
“Nos Estados Unidos é assim. Esses grupos acreditadores criam selos de qualidade e para participar desse grupo você precisaria conseguir essa aprovação”, explica o secretário. “Então eles se autorregulam para que a qualidade nunca caia. Eles sabem que o produto que eles vendem é o que os mantém vivos. Como seria no Brasil? O MEC não abriria mão de ter uma política, direcionamentos, mas a partir deles, esses grupos poderiam criar ferramentas para se autorregular. Automaticamente as instituições ganhariam maior qualidade, respaldo e respeito, ao passo que a população se beneficiaria em decorrência disso.”
Marco Antônio cita como exemplo a Disup, uma diretoria do MEC reservada apenas para quando as instituições estão em estado crítico. “Essa supervisão cairia bastante se um padrão pré-estabelecido pelas mantenedoras fosse criado, gerando menos visitas presenciais – muitas delas são realizadas até mesmo para averiguar se uma denúncia é verdadeira, o que demanda tempo e recursos.”
Todos os ganhos também podem refletir no futuro do ensino superior no Brasil, avalia Marco Antônio. “A diminuição da burocracia faria com que o MEC pudesse fornecer equipes para outros setores ou focar, por exemplo, mais o produto que o método, ou seja, os alunos. Quanto tempo depois de formados eles conseguiram emprego? Como está a vida profissional do egresso? Eles estão entrando no mercado de trabalho preparados?”
“Isso não quer dizer que o ministério deixaria de atuar nas instituições”, prevê. “Muito pelo contrário, se poderia centrar mais naquelas que têm mais problemas e menor qualidade. Se a instituição tem mais qualidade e cumpre todos os pré-requisitos, seja ela universidade, faculdade ou centro universitário, terá uma nota entre 4 e 5 (sendo 5 a nota máxima), e precisaria de menor intervenção. Sobraria tempo, esforços e recursos para dar mais atenção às instituições de nota 3.”
“A autorregulação regulada das instituições privadas no Brasil é possível, mas o passo tem de ser dado por elas”, afirma o secretário. “As próprias instituições trabalhariam em parceria com o MEC e ajudariam tornar a Seres mais uma produtora de políticas do que de processos. E tudo seria calcado numa avaliação em 360º, como encontramos em outros setores, a exemplo dos transportes por aplicativo. Há o Estado, que oferece a lei, as regras do jogo e quem auditora; há a instituição, que se preocupa em ter qualidade, tanto de suas unidades quanto de seus concorrentes, e há o usuário, que de posse desse ‘selo de qualidade’ ajudaria a qualificar o serviço e melhorar ainda mais as ferramentas da autorregulação.”
Segundo esse raciocínio, a implantação de mecanismos com vistas à qualidade dos serviços prestados seria, a longo prazo, um indicativo de uma necessidade menor de regulação pelo Estado. “A regulação da educação deve ter por objetivo a elevação da qualidade dos cursos. Isso não pode ser confundido com uma regulação econômica”, ressalta Marco Antonio. “A autorregulação regulada e a desburocratização seriam a abertura de um novo espaço de discussão para uma regulação mais eficiente e compartilhada, à semelhança das boas práticas já adotadas em outros países.”