A recente decisão de alguns conselhos profissionais de não aceitarem alunos formados por cursos de Ensino a Distância (EAD) tem gerado forte discussão entre as entidades representativas e as instituições de ensino que oferecem a modalidade de ensino. Arquitetura, Farmácia, Medicina Veterinária e Odontologia estão no foco da discussão, trazida à tona após publicação de reportagem do jornal Folha de S.Paulo.
Para o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul (CAU/RS), Tiago Holzmann da Silva, a decisão busca alertar estudantes sobre os riscos da falta de orientação presencial.
— Não somos contra cursos de EAD. Pelo contrário, essa é uma importante ferramenta de suporte à tecnologia e que amplia as possibilidades. Mas o que não podemos aceitar é que essa ferramenta substitua uma forma de ensino estabelecida há décadas — destaca Silva, complementando que, no Estado, ainda não há turmas formadas a distância em Arquitetura e Urbanismo.
— O EAD é uma ferramenta poderosa de apoio e de suporte, inclusive na área da pós, onde é fundamental. Mas isso depois de formado. Esse tipo de educação é muito mais barato para empresas que vendem matrícula.
De acordo com o presidente do CAU/RS, é preciso uma discussão aprofundada sobre o método, principalmente entre o Ministério da Educação (MEC) e os órgãos reguladores.
— Quem cuida das carreiras profissionais são os conselhos, e do ensino é o MEC. Se não houver diálogo, podemos ter problemas. A graduação tem de ser uma responsabilidade compartilhada entre essas entes. No caso da Arquitetura, não temos ninguém dentro do ministério. São pessoas que não são da área decidindo sobre nossa profissão — afirma Silva.
O arquiteto cita como exemplo prático de algo que pode sofrer prejuízo na área a elaboração de projetos.
— Ninguém aprende a fazer projeto sozinho, na frente do computador. O aluno entende isso nos ateliês, onde submetem suas ideias à avaliação de colegas e professores. O que estuda na faculdade é uma simulação da relação direta entre o arquiteto e o cliente, e aqui (nas instituições de ensino) fazemos as vezes desses contratantes. Não podemos permitir a banalização do ensino.
Em fevereiro, durante a 321ª Reunião Plenária do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), foi aprovada por unanimidade a Resolução nº 1.256, que proíbe a inscrição de egressos de cursos de Medicina Veterinária a distância.
O Conselho afirma que as diretrizes curriculares do MEC admitem que 20% da grade horária da graduação seja por aulas online, desde que restritas aos conteúdos meramente teóricos. A entidade defende que os outros 80% das aulas sejam exclusivamente presenciais, inclusive, com estágio profissional.
— Já é um processo complexo de aprendizagem em aulas presenciais. Imagine como seria aprender isso virtualmente? Como seriam aulas online de auscultação do coração ou dos movimentos estomacais? É um curso caro, o aluno tem a expectativa de uma sólida formação, mas acaba sendo vítima de um sistema de educação meramente mercantilista, que não garante formação de qualidade — disse o presidente do CFMV, Francisco Cavalcanti de Almeida.
Exame de Ordem como da OAB
A Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed) dá como certa a reversão das decisões dos conselhos na Justiça. O trunfo é o fato da lei garantir ao MEC o poder de aprovar ou não a regulamentação de cursos superiores e validar seus diplomas. Não caberia aos conselhos escolher qual diploma vale ou não, no entendimento da associação.
— O que acontece é que os conselhos querem garantir o mercado. Acreditam que com o número maior de profissionais, porque cade vez mais haverá egressos de EAD, a remuneração irá cair. Ora, isso vale para qualquer carreira, é por isso que as pessoas precisam se qualificar cada vez mais – diz o diretor da Abed e pró-reitor da Universidade Positivo Carlos Longo.
O dirigente, ainda, faz uma provocação aos conselhos usando o exemplo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
— O que os conselhos podem fazer é criar uma prova para decidir quem pode atuar na área, como o Exame de Ordem da OAB. Se estão preocupados com a qualidade, por que não? Só que, aí, terá de ser para todos os egressos, não somente os de cursos EAD.
Em nota divulgada nesta sexta-feira (12), a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) pontua que "está buscando o judiciário como forma de coibir essa atuação dos conselhos profissionais e fazê-los se explicarem judicialmente a respeito da irregular e ilegal restrição ao exercício profissional, bem como sobre a invasão da competência do Ministério da Educação (MEC)".
Confira o comunicado na íntegra
ABMES aciona legalmente conselhos profissionais que se opõem a cursos EAD
Por ocasião da matéria “Conselhos profissionais vetam alunos formados por educação a distância” publicada na edição de hoje, 12 de abril de 2019, do jornal Folha de S.Paulo, a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) informa às mantenedoras de educação superior e à sociedade que desde o princípio deste movimento tem atuado junto ao Ministério da Educação no sentido de impedir as constantes tentativas de usurpação de poder proferidas por esses órgãos.
Nesse sentido, a Associação está buscando o judiciário como forma de coibir essa atuação dos conselhos profissionais e fazê-los se explicarem judicialmente a respeito da irregular e ilegal restrição ao exercício profissional, bem como sobre a invasão da competência do Ministério da Educação (MEC).
A ação da ABMES está fundamentada no fato de que proibir a inscrição e o registro de egressos de cursos ofertados na modalidade a distância extrapola, em grande medida, a competência dos conselhos, além de ir de encontro ao marco legal vigente no país.
Isso porque é atribuição exclusiva do Ministério da Educação (MEC) atuar na regulação e supervisão dos cursos de graduação no Brasil. Portanto, não cabe a qualquer conselho profissional proibir a inscrição de egressos ou restringir o trabalho de profissionais que se formaram ou atuaram em instituições e cursos regularmente autorizados pelo MEC.
Como se essa determinação legal não fosse suficiente, as ações dos conselhos profissionais ignoram ainda a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que estabelece os requisitos para a validade de um diploma; decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Conselho Nacional de Educação (CNE), que reforçam a competência dos conselhos profissionais e mostram que o Poder Judiciário está atento às arbitrariedades praticadas por alguns deles; e também a legislação relacionada à educação a distância, que proíbe terminantemente qualquer discriminação a egressos de cursos a distância, bem como veda a inclusão da informação sobre a modalidade de ensino no diploma.
Sendo assim, ações no sentido de prejudicar egressos de cursos EAD não é apenas ilegal, mas está na contramão de toda a estruturação regulatória da oferta de educação superior. “Talvez a ausência de premissas ou a falta de compreensão técnica da dimensão pedagógica, como a equivocada preconcepção de que não seria possível assegurar o pleno acesso a todo conteúdo de forma adequada, tenham resultado no equívoco de criar as absurdas vedações constantes da resolução”, afirma Sólon Caldas, diretor executivo da ABMES.
Tanto a LDB quanto o Decreto nº 9.057, de 25 de maio de 2017, que regulamenta a educação a distância no país, estabelecem que as atividades presenciais previstas nos projetos pedagógicos de curso devem ser realizadas na sede da instituição de ensino, nos polos de educação a distância ou em ambiente profissional, conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais. Portanto, as graduações ofertadas na modalidade EAD têm garantidas todas as atividades presenciais necessárias para os cursos que delas necessitam, assim como ocorre nas graduações ofertadas na modalidade presencial.
A orientação da ABMES, que inclusive consta na matéria da Folha, é que tanto as instituições de educação superior quanto os estudantes aguardem as providências que estão sendo tomadas. Ambos devem dar continuidade, dentro da absoluta normalidade, aos seus cursos, se atentando ao fato de que, devidamente autorizado e reconhecido pelo MEC, esse curso goza de todas as atribuições do curso presencial, sem qualquer distinção.
Com as ações, a ABMES se posiciona, mais uma vez, na defesa das prerrogativas e obrigações legais que fundamentam o Estado Democrático de Direito, no qual estão fincadas as bases da nossa Constituição Federal, bem como atua para garantir que a população brasileira tenha acesso a informações verídicas e confiáveis, não ficando à mercê de interesses classistas focados na desconstrução de tendências globais e na reserva de mercado.