Duas décadas depois da criação do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), o programa bate recorde em dívidas e apresenta déficit de R$ 13 bilhões. Ao todo 47,7% dos estudantes atualmente matriculados estão inadimplentes.
A medida completa 20 anos nesta 3ª feira (28.mai.2019). O programa foi instituído como Medida Provisória do governo de Fernando Henrique Cardoso em 28 de maio de 1999.
O Fies se propõe como um financiamento a taxas baixas para o pagamento de cursos de graduação. Estudantes com dificuldades financeiras podem recorrer a 1 empréstimo, subsidiado pelo governo. Ao longo do curso, pagam uma pequena parte, referente aos juros. Depois da formatura, pagam as parcelas correspondentes às mensalidades.
Quase 3 milhões de estudantes participaram do Fies nos últimos 10 anos. De acordo com o ministério, 2,8 milhões desse total ainda estão em débito com a União. Os dados são contabilizados pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) desde 2010.
Até 2017, as parcelas começavam a ser pagas em até 18 meses após a formatura, e poderiam ser divididas em 1 período 3 vezes maior que a duração do curso. O valor das dívidas de estudantes do Fies corresponde a R$ 24 bilhões. Desse total, R$ 13 bilhões não foram pagos pelos estudantes inadimplentes.
Segundo o MEC (Ministério da Educação), o grupo de inadimplentes corresponde a 522.414 estudantes atualmente matriculados em faculdades pelo Fies. O valor representa 47,7% do total de 1.096.328 alunos dentro do programa que estão cursando o ensino superior.
Histórico
O programa foi 1 dos principais impulsionadores para o acesso ao ensino superior no Brasil. Segundo o professor Remi Castioni, da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, o Fies e o Prouni (Programa Universidade para Todos) permitiram que o Brasil a alcançasse “1 modelo de massa da universidade, que é basicamente quando se atinge em torno de 30% [do total da população] em número de matrículas no ensino superior”.
Castioni afirma que o programa tem contribuído para o crescimento do setor privado. “Boa parte da expansão dos grandes grupos empresariais que passaram a operar nos últimos anos no Brasil sobreviveu pelo Fies, porque o programa acabou garantindo muito para esses grupos.”
A farra do Fies
Instituições privadas chegaram a orientar que alunos aderissem ao financiamento sem real necessidade. Em 2015, o jornal O Estado de São Paulo publicou a reportagem “A farra do Fies”. Segundo o texto, de 2010 a 2013, o número de inscritos no programa aumentou 448%, frente ao crescimento de 13% de novas matrículas.
A apuração constatou que instituições estimulavam alunos a migrar do pagamento particular e a se endividar pelo Fies. Isso diminuía os riscos das universidades de ter inadimplentes, já que não tinham de cobrar as mensalidades de seus estudantes, mas do próprio governo federal.
O papel na educação superior
ABMES (Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior) defende a importância do fundo para a formação universitária. Para o diretor executivo da Associação, Sólon Caldas, “o Fies consiste em uma das maiores políticas públicas de acesso à educação superior já implementadas no país, especialmente a partir de 2010, quando sofreu alterações e passou a ser ainda mais inclusivo, até 2014, quando atingiu seu ápice”.
Uma pesquisa divulgada pela ABMES, em junho de 2018, aponta que questões financeiras são o maior motivo de evasão no ensino superior particular. A causa é apontada por 36% dos alunos que abandonaram os estudos. Dentro desse grupo, 60% indicam que o valor da mensalidade era muito alto; 17% afirmam ter saído após não ter conseguido financiamento.
A pesquisa, que usou dados do Censo Educação Superior, afirma que em 2016 o Fies representava 26% das matrículas no ensino superior particular do país. A região com maior adesão era a Nordeste (36%), seguida pela Centro-Oeste (34%) e Norte (25%). Eis a adesão por região brasileira.
Mudanças no programa
O número de vagas oferecidas para participar do financiamento diminuiu nos últimos anos. O ápice foi em 2016, quando o MEC ofereceu 325 mil inscrições. Houve redução nos 2 anos seguintes. Para 230 mil e 100 mil, respectivamente. As 100 mil vagas por ano se mantiveram para o ano de 2019. Sendo metade delas para cada semestre letivo.
Sólon Caldas afirma que o número geral de inscritos no ensino superior diminuiu nos últimos 4 anos. E que mudanças estruturais no Fies, paralelas à diminuição das vagas, dificultaram o ingresso às faculdades.
“A divisão das vagas em 3 modalidades, sendo duas geridas por bancos privados no que foi denominado Programa de Financiamento Estudantil, P-Fies, dificultou o acesso, já que o financiamento somente é liberado aos estudantes que atendem às exigências bancárias de garantia de pagamento, geralmente muito mais rígidas do que as adotadas pelo governo”, afirmou o diretor da ABMES.
Já Remi Castioni aponta que os gastos do MEC com o Fies são consideráveis e que a inadimplência é uma questão a se pensar. O professor acredita que se o financiamento fosse direcionado para cursos com uma maior taxa de empregabilidade, as chances de pagamento seriam maiores.
“No Brasil a gente tem o modelo de concentração de cursos universitários em apenas 4 tipos: Administração, Pedagogia, Ciências Contábeis e Direito. Esses 4 representam ? das vagas no ensino superior. Então a taxa de empregabilidade é muito baixa. As pessoas se ocupam de outras coisas, mas todo mundo quer fazer Direito”, afirmou. “Poderia verificar as demandas regionais e investir em cursos que gerem empregos”, defendeu.
Castioni também defende que o governo deve fazer tomar decisões sobreo programa com base em análises reais. “Mas nós não temos 1 sistema de avaliação”, declarou. “Tem a nota de 1 a 5, mas não se sabe muito bem por que 1 curso tem 3, 4 ou nota 5. Há muita pouca transparência. Não tem pesquisa sobre a inserção dos alunos que fazem ensino superior. A gente sabe que tem mais chance, mas não sabe como ou quanto”, concluiu.