Recentemente, o pré-candidato democrata à Presidência dos Estados Unidos, senador Bernie Sanders, propôs o perdão da dívida com financiamento estudantil no país. O montante, que lá chega a US$ 1,5 trilhão, seria coberto com a criação de um imposto sobre ganhos com ações, títulos e derivativos. Além de representar um fardo para os jovens, a proposta conta com o apoio de economistas estadunidenses, para quem a dívida prejudica o consumo e a economia do país.
Enquanto na maior economia do planeta há quem pense, e proponha, uma alternativa com viés social e econômico, por aqui a dívida com o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) parece ter se tornado o inimigo público número um. No Brasil da crise e do desemprego, é possível obter descontos significativos e até mesmo a anistia de algumas dívidas, desde que quem a tenha contraído não seja um estudante de baixa renda lançando mão da única alternativa que dispõe para acessar a educação superior.
No início de junho de 2019, os veículos de comunicação do país foram efusivos ao anunciar o novo programa de renegociação de dívidas da Caixa Econômica Federal, criado para beneficiar 2,6 milhões de clientes que estavam com pagamentos em atraso há mais de um ano. Daquelas oportunidades que poucas vezes se vê, o programa do banco estatal contempla até 90% de redução no valor total da dívida.
Diante dos reiterados anúncios de que o programa governamental de financiamento estudantil atingiu, no último ano, o ápice nos atrasos, a esperança era de que os estudantes, assim como os demais clientes Caixa, estivessem contemplados no pacote de bondades anunciado pelo banco. O que se sucedeu, contudo, é digno do famoso meme “expectativa x realidade”.
Com um plano de renegociação de dívidas específico e anunciado poucos meses antes, o que restou aos estudantes em dívida com o Fies foi uma proposta bem menos benevolente. No lugar de até 90% de abatimento na dívida, manutenção do valor integral, inclusive dos juros e multas; pagamento de uma entrada, em espécie, correspondente ao maior valor entre 10% da dívida vencida e R$ 1 mil; com parcela mensal de amortização não inferior a R$ 200.
O resultado, claro, não poderia ser diferente. Um mês após o início da renegociação, apenas 1% dos 517 mil estudantes com mais de 90 dias de atraso no financiamento haviam aderido à proposta. Mais ou menos no mesmo período, voltou a circular a notícia de que uma mudança no substitutivo na reforma da Previdência pode abrir espaço para o perdão de, calcula-se, R$ 17 bilhões de ruralistas junto ao Funrural (Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural).
Apesar de ter sido a maior política pública de acesso à educação superior já implementada no Brasil, o Fies vem sendo desconstruído desde 2015 sob a justificativa de que consiste em um grande rombo para os cofres públicos. Com um passivo alardeado de R$ 13 bilhões, pouco se questionou no país o que esse valor de fato representa não apenas para a economia nacional, mas, principalmente, para o desenvolvimento que ainda buscamos.
Para além disso, em momento algum se discutiu sobre a utilização dos recursos que há anos são acumulados no Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo (FGEDUC), instrumento criado exatamente para cobrir eventuais déficits no programa e para o qual são repassados, pelas instituições particulares de educação superior, 6% de cada contrato do Fies efetivado até o final de 2017. Em maio de 2019, somente ali, havia mais de R$ 12,5 bilhões disponíveis.
É muito pouco provável que a proposta de anistia do pré-candidato estadunidense seja levada adiante na sua integridade. Contudo, não há como negar a distância que separa as duas nações na busca por soluções para o financiamento estudantil. Aqui, sequer somos capazes de formular uma proposta de renegociação que dialogue com a realidade e atenda às necessidades dos estudantes. No Brasil, vale mais quem se endivida para adquirir bens de consumo ou sonega impostos.
*Sólon Caldas, diretor executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES)