Em ao menos 11 estados, na Câmara dos Deputados e no Senado foram protocolados projetos de lei para obrigar escolas e faculdades particulares a dar desconto nas mensalidades durante o isolamento da pandemia do coronavírus.
Órgãos de defesa do consumidor e juristas alertam que as propostas, nenhuma delas ainda aprovada, podem ser consideradas inconstitucionais e interferir de forma injustificada na livre iniciativa das instituições de ensino. Entre os projetos, os parlamentares defendem um desconto uniforme a todos os alunos. As proposições de redução vão de 10% a 50%.
Para entidades que representam escolas e faculdades da rede privada, a imposição de um desconto linear pode levar a demissões, queda na qualidade do ensino e até fechamento de algumas unidades. Também defendem que a medida impedirá que as instituições possam atender com reduções mais significativas famílias que tiveram maior perda de renda no período.
A Secretaria Nacional do Consumidor, ligada ao Ministério da Justiça, fez um levantamento com as secretarias estaduais de educação para analisar a planilha de custos das escolas e encontrou realidades distintas entre as unidades. No fim de março, o órgão já havia orientado não haver fundamento jurídico para a solicitação de desconto com suspensão das aulas presenciais.
“Pode ser que algumas instituições tenham tido redução de custos, mas o que encontramos é que, em média, 75% dos custos são com professores, funcionários. Esse é um custo que não muda. Mas essa é uma média e não nos parece ser uma boa política pública estabelecer um percentual igual a todas”, disse Juliana Domingues, diretora do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, da secretaria.
Juliana disse ter analisado os projetos de lei apresentados e não ter encontrado justificativa do cálculo feito para estabelecer os valores de desconto. A maioria das proposta fala em uma redução de 30% a todos os alunos. É o caso do projeto apresentado pelo senador Rogério Carvalho (PT-SE). O mesmo valor foi proposto por deputados estaduais de São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Bahia e Pará.
“A proposta tem que ser proporcional à realidade das escolas. É preciso considerar que a rede particular é muito distinta. A maioria dos colégios privados são pequenos, com a maior parte do custo ligado ao salário dos professores. Não é a mesma situação de escolas ligadas a grandes grupos educacionais”, disse Juliana.
O deputado estadual Rodrigo Gambale (PSL-SP), autor do projeto para as instituições de ensino paulistas, disse ter estabelecido o valor de 30% de desconto ao analisar a redução que alguns colégios da capital já tinham proposto às famílias. A Folha mostrou que escolas descontaram valores relativos a serviços adicionais, como refeição aos alunos, cursos extracurriculares e período integral.
“Não é possível pegar casos isolados, muitas vezes de colégios com mensalidades de R$ 8.000, e querer aplicar a toda a rede particular. Isso vai criar um efeito pior para a economia, que é a demissão de professores e fechamento das escolas. Isso vai ser ruim para as famílias futuramente”, disse Ademar Pereira, presidente da Fenep (Federação Nacional das Escolas Particulares), que representa 42 mil unidades.
A entidade já calcula que, mesmo após o fim da suspensão das aulas, as escolas enfrentem uma alta na inadimplência com a crise econômica no país. A taxa, que nos últimos anos estabilizou entre 10% e 15%, já é projetada em torno de 45%. “Preferimos trabalhar para evitar que os pais tenham de tirar os filhos da rede privada. Então, orientamos que os casos sejam negociados individualmente e que se criem condições de reparcelamento”, disse Pereira.
Sólon Caldas, diretor-executivo da Abmes (Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior), contou que a orientação dada e que observou estar em prática nas faculdades é a da negociação individual com os estudantes. “A avaliação tem ocorrido para cada caso, com descontos maiores para alunos com menos condições financeiras. Se tivermos que aplicar uma redução uniforme, vamos beneficiar quem não necessita nesse momento e prejudicar aqueles que estavam sendo atendidos com reduções maiores”.
Para ele, as iniciativas dos deputados nos estados também podem provocar insegurança jurídica e prejudicar as famílias posteriormente, já que ainda não há clareza se a legislação permite que interfiram no assunto. “Se aprovarem e concedermos o desconto, pode ser que a Justiça derrube a lei, e os alunos vão ter que voltar a pagar. Cria uma situação instável para as famílias”, disse.
Professor de direito do consumidor da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), Roberto Augusto Pfeiffer, ex-diretor do Procon-SP, diz que os estados podem legislar sobre relações de consumo, mas que a situação das mensalidades escolares gera controvérsia, já que há uma lei nacional em relação a elas.
“Não acho que uma nova lei seja o caminho, até porque não há como dar um tratamento uniforme a essa situação. É um segmento muito amplo, que abarca das creches ao ensino superior e com muitas realidades distintas. Estipular um percentual fixo pode levar a muitas situações injustas. O ideal são os acordos individuais”, disse.