A surpresa dos dirigentes de instituições federais quanto à Portaria 1.030 do Ministério da Educação (MEC), determinando a retomada do ensino presencial, primeiramente a partir do mês que vem e, por último, em março, não é para menos. Em vez de sacramentar a volta, o que se esperava era justamente o contrário: o aceno do governo para a continuidade das atividades remotas, que finalmente ocorreu ontem. O ministro Milton Ribeiro homologou o Parecer 19/2020 do Conselho Nacional de Educação (CNE), dando passagem para essa modalidade de ensino até dezembro de 2021. O despacho foi publicado no Diário Oficial da União (DOU). A norma vale não só para o ensino superior, mas também para a educação básica em todo o país, das redes pública e privada.
“Não sabemos ainda quando as escolas terão condição de funcionar normalmente. Vão começar 2021 seguindo protocolos sanitários. Então, decidimos estender o ensino remoto até o fim de dezembro para que as instituições possam retomar as aulas presenciais com atividades complementares fora dessa modalidade. E também com o objetivo de garantir a possibilidade de escolas ampliarem o turno escolar com atividades não presenciais para repor conteúdos que não tenham sido oferecidos em 2020, principalmente”, explica a relatora do parecer e presidente do CNE, Maria Helena Guimarães Castro. A norma atual, que valida atividades a distância durante a pandemia, expira no próximo dia 31. O parecer recomenda ainda a continuidade curricular numa dobradinha 2020-2021 e a não reprovação dos alunos este ano.
O documento cria as bases para a continuidade pedagógica a distância a alunos de estabelecimentos que não puderem reabrir e dá fôlego também àqueles que reencontrarão a sala de aula, abrindo caminho para as escolas oferecerem atividades presenciais num turno e não presenciais em outro, além de permitir a alternância de turmas entre os dois modelos. “Apenas 30% das escolas estão voltando. Para reorganizar dentro dos protocolos, é preciso diminuir o número de alunos em sala. Além disso, mesmo estudando em tempo integral o aluno pode complementar a atividade presencial.”
Maria Helena lembra que protocolos e aspectos pedagógicos são ditados pelos municípios, mas o parecer dá a eles condições de oferecer atividades não presenciais para serem registradas devidamente, e sempre seguindo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). “Recomendamos ainda que as escolas revisem seus currículos para o ano que vem de modo a selecionar os objetivos de aprendizagem e habilidades mais essenciais, sem se preocupar em oferecer todo o currículo previsto, além da formação contínua de professores para uso de tecnologia”, avisa.
A presidente do CNE diz ainda que há “enorme preocupação” com a situação de Belo Horizonte, a única capital em que o ensino municipal não aderiu ao modelo remoto. “É absurdamente equivocada a decisão do conselho e do prefeito. Não há no país cidade de mais de 100 mil habitantes que não ofereceu nada aos seus alunos. BH é exceção e, nesse caso, é difícil falar em 2020 e 2021 conjugados, pois o 2020 da rede municipal, simplesmente, não aconteceu”, afirma. Em nota sobre a diferença de desempenho das escolas municipais, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) afirma que na ocasião da retomada das aulas “o ensino certamente será híbrido e cada grupo de alunos terá tempo presencial ou acesso digital, conforme suas possibilidades socioeducacionais”.
Graduação
A homologação dá força às federais para manterem o modo remoto. Diante da Portaria 1.030 determinando a volta às salas de aula em todos os estabelecimentos federais de ensino a partir de março, vários deles já avisaram que a suspensão das atividades presenciais está mantida. Em Minas, esse é o caso das universidades federais de Minas Gerais (UFMG), dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), de Juiz de Fora (UFJF) e de Viçosa (UFV), ambas na Zona da Mata, do Triângulo Mineiro (UFTM). E ainda da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), no Campo das Vertentes, onde o reitor, Marcelo Pereira de Andrade, garantiu “que a comunidade acadêmica jamais será colocada em risco”.
Do lado das particulares, “o setor é majoritariamente favorável a que se estenda a possibilidade de uso remoto por mais um tempo”, segundo o presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes), Celso Niskier. Para ele, não há dúvidas da necessidade da expansão para assegurar as condições, até mesmo, do retorno. “Com flexibilidade de um modelo híbrido (presencial e remoto), as unidades poderão reabrir com os cuidados necessários para garantir a saúde da comunidade. Manter aulas remotas é essencial para o retorno gradual de atividades essenciais”, diz.
Niskier afirma que o modelo a ser adotado por muitos estabelecimentos de ensino superior será o que se chegou a adotar nas universidades da França, por exemplo, antes do reconfinamento: 50% dos alunos em modo presencial e 50% a distância. “Modelos criativos e inovadores estão surgindo para lidar com a pandemia e são necessários amparo legal, garantia da qualidade e flexibilidade para as instituições voltarem da melhor forma”, afirma. Dessa forma, mesmo a parte prática poderia ser feita com atividades de simulação e outros recursos tecnológicos. “O setor (das particulares) valoriza as atividades presenciais e isso não vai mudar com a pandemia. Em muitas universidades e faculdades há incerteza quanto à garantia de segurança sanitária de sua comunidade.”
A quinta fase da pesquisa “Coronavírus e ensino superior: o que os alunos pensam”, elaborada pela Educa Insights em parceria com a Abmes, mostra uma demanda reprimida, para 2021, de 30,7% de alunos que tinham planos de ingressar no ensino superior no segundo semestre deste ano.