Início de ano letivo é sinônimo de fila dupla na porta de escolas, mas também de caras e corpos pintados em sinais de trânsito próximo a faculdades pedindo a motoristas a tradicional ajuda em dinheiro para celebrar, entre novos amigos, a entrada no ensino superior. Este semestre, veteranos não farão a festa e os novatos terão de esperar.
Não só para comemorar, como para se proclamar calouros. Nas universidades públicas, nada acontece antes de abril, quando será liberado o acesso ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu).
Pelo mesmo caminho optaram as privadas, que estão prolongando seus vestibulares e o início do semestre letivo, numa organização fora do habitual para evitar uma perda histórica de matrículas – perspectiva que já leva a se falar inclusive em um risco de “apagão de mão de obra”.
As incertezas decorrentes da pandemia e o resultado tardio do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) fazem o ensino superior brasileiro, puxado pela rede privada, bater à porta de um revés. Historicamente, o primeiro semestre é o mais disputado (por atrair os recém-formados do ensino médio) e tem o maior número de ingressos.
Em anos anteriores, a essa altura, estava definido e com os calouros já em sala de aula, mas, desta vez, entrou em modo stand-by. O resultado do Enem sairá só dia 29. No início de fevereiro, o Ministério da Educação publicou o edital do Sisu: inscrições de 6 a 9 de abril, com resultado no dia 13.
Em Minas, assim como em grande parte do país, instituições de ensino superior estão começando o semestre letivo em modo remoto, com algumas aulas práticas presenciais, sobretudo na área da saúde, conforme autorizado pelas autoridades sanitárias.
Mas, enquanto o ritmo com os veteranos segue na medida do possível, inscrições para vestibulares continuam abertas, com muitas faculdades decididas a receber calouros até abril – com direito a reforço, para quem chegar tardiamente conseguir atingir o ritmo da turma ou com classes iniciando mesmo em abril.
O objetivo agora é não pagar para ver o resultado da perigosa mistura de incertezas quanto à pandemia, cenário econômico e o derradeiro: o adiamento do Enem. E tentar ao máximo reverter, ou pelo menos minimizar, os prejuízos.
A PUC Minas, a mais tradicional particular do estado, estendeu as inscrições para seu vestibular, nos cursos que ainda oferecem vaga, até amanhã – uma ação excepcional, motivada pelas novas datas do exame, e que a universidade ainda não sabe se manterá nos próximos semestres.
“Foi o prazo máximo que conseguimos estender. Não temos calendário para esperar o resultado do Enem”, afirma o coordenador do processo seletivo da PUC, Félix Araújo.
No processo simplificado para 2021, o candidato pode optar por redação on-line, que deve ser agendada, ou nota do Enem de anos anteriores. O resultado será divulgado em até 72 horas depois da redação ou 24 horas depois da inscrição usando a nota do exame. Araújo explica que até meados de abril serão aceitos alunos para o primeiro semestre.
Com um início tardio, o término do semestre dos calouros se dará em 12 de julho. Os candidatos que precisam do Enem 2020 para acesso ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) ou às bolsas do Programa Universidade para Todos (Prouni) poderão ser selecionados neste primeiro semestre e se matricular, mas só começarão os estudos a partir de agosto.
“O número de alunos neste semestre é muito menor e se deve mais à incerteza provocada pela pandemia quanto à realização ou não de aulas presenciais, que ao atraso do Enem. Eles estão preferindo esperar talvez o ano que vem, quando a rotina de aulas presenciais será certamente retomada”, diz Félix Araújo.
Por enquanto, apenas disciplinas práticas de alguns cursos estão ocorrendo presencialmente, como as clínicas de atendimento da área de saúde.
O desafio do financiamento
Outras instituições preferiram não sacrificar o calendário, caso da Faculdade Arnaldo, que normalmente aceita a nota do Enem para ingresso, mas não neste semestre. Os veteranos começaram as aulas em 1º de fevereiro e calouros, no fim do mês.
Alunos que dependem de Prouni e Fies para pagar a mensalidade ficarão com a agenda apertada. A aceitação deles depende do prazo de divulgação dos beneficiados. Se, na época, a carga horária dos cursos já estiver em 25% ou mais, o benefício só poderá ser usado pelo aluno no segundo semestre.
Os centros universitários Una e UniBH optaram também por receber novos alunos além da data-padrão, com propostas para ajudar a enfrentar a crise e não se prender à divulgação da nota do Enem.
Em ambos, o semestre letivo começou no fim de fevereiro para calouros e veteranos, com aulas on-line e ao vivo. O retorno presencial será gradativo para atividades práticas autorizadas.
As entradas por meio do Fies ou do Prouni já estão sendo aceitas e, independentemente do dia em que a nota do Enem sair, Una e Uni decidiram esperar quem vai entrar por meio desse mecanismo.
Para isso, oferecem acolhimento e nivelamento para calouros de “entrada tardia”, para que eles não tenham prejuízo pedagógico. Outro trunfo é o programa de antecipação do Mérito Enem, para que o aluno possa concorrer a bolsas de estudo. Quanto maior a nota no exame nacional, maior a bolsa que será oferecida de forma retroativa.
Intenção de início de graduação despenca
Se para as universidades públicas o caminho está traçado com o Sisu, para as particulares ele se transformou em aposta. De forma geral, a graduação presencial perdeu terreno nos últimos anos.
O último Censo da Educação Superior, divulgado ano passado com o cenário de 2019, mostra aumento no número geral de matrículas no país, de 8,4 milhões para 8,6 milhões, mas puxado pelo ensino a distância (EAD).
Minas Gerais seguiu tendência nacional: redução de 3,9% no número de matrículas em faculdades no modo presencial.
Em 2021, não deve ser diferente, como imagina o próprio setor das privadas, responsável pela maioria esmagadora de matrículas na graduação.
A primeira edição da pesquisa “Observatório da educação superior: análise dos desafios para 2021”, feita na época da aplicação do Enem, mostra intenção de apenas 25% dos entrevistados de começar uma graduação neste semestre – o mesmo patamar de abril do ano passado, no início da pandemia.
O levantamento da empresa de pesquisas educacionais Educa Insights, em parceria com a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), constatou perda de 13 pontos percentuais na intenção de início imediato entre meados de novembro, quando estava em 38%, para o fim de janeiro.
Na EAD, essa diminuição é de 46% no fim do ano para 38% atualmente, mas, segundo a Abmes, a procura está maior que em anos anteriores.
A nota do exame nacional é a principal forma de ingresso no ensino privado – cerca de 20% a 30% das matrículas, segundo a Educa Insights, além de ser fator preponderante de matrícula, já que é pré-requisito para acesso ao crédito do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e às bolsas do Programa Universidade para Todos (Prouni).
Ao efeito Enem, somam-se o término de auxílio emergencial, a crise econômica e as incertezas dos rumos da pandemia para enfrentar um curso presencial.
A previsão é de concentração da demanda para meados de 2021. “Havia em novembro uma onda de demanda reprimida que desapareceu em janeiro. Coincide com a pandemia, que aumentou, mas também com perspectivas de emprego e renda”, afirma o diretor-presidente da ABMES, Celso Niskier.
Ainda sem projeção consolidada, ele fala no risco de “apagão” de mão de obra. “Não havendo ingresso em quantidade suficiente no primeiro semestre de 2021, haverá menor número de formandos daqui a quatro ou cinco anos. Esse efeito vai influenciar todas as áreas, já que a queda é geral. A única área que se sustenta um pouco mais e pela qual houve procura maior é a de saúde.”