Educação Superior Comentada | A simplificação do atendimento prestado aos usuários de serviços públicos

Ano 5 - Nº 24 - 02 de agosto de 2017

Na edição desta semana, o consultor jurídico da ABMES, Gustavo Fagundes, fala sobre as medidas para simplificação do atendimento prestado aos usuários de serviços públicos. Fagundes cita o Decreto n° 9.094/2017 que ratifica a dispensa do reconhecimento de firma e da autenticação em documentos produzidos no país e institui a Carta de Serviços ao Usuário

02/08/2017 | Por: Gustavo Fagundes | 6492

A Lei n° 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, já determinava, há quase vinte anos, que a administração pública deve, nos processos administrativos, assegurar a adoção de formas simples, suficientes para assegurar adequado grau de certeza, segurança e respeito ao direito dos administrados, bem como evitar a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público, como expressamente previsto no parágrafo único do artigo 2º do referido diploma legal, entre outros critérios aplicáveis:

“Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

 Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

 I - atuação conforme a lei e o Direito;

 II - atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;

 III - objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;

 IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;

 V - divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição;

VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;

VII - indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;

VIII - observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;

IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;

X - garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio;

XI - proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei;

XII - impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados;

XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.”

Já naquela ocasião havia expressa previsão de que o reconhecimento de firma somente deve ser exigido quando haja dúvida de autenticidade, nos termos do § 2º do artigo 22 da referida norma legal:

“Art. 22. Os atos do processo administrativo não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir.

.....

§ 2º Salvo imposição legal, o reconhecimento de firma somente será exigido quando houver dúvida de autenticidade.”

Também remonta ao ano de 1999 a previsão de que, estando os fatos e dados necessários à instrução processual registrados no órgão responsável pelo processo ou outro órgão administrativo, cabe ao responsável pela instrução prover, de ofício, a obtenção do documento, nos exatos termos do artigo 37 da Lei n° 9.784/1999:

“Art. 37. Quando o interessado declarar que fatos e dados estão registrados em documentos existentes na própria Administração responsável pelo processo ou em outro órgão administrativo, o órgão competente para a instrução proverá, de ofício, à obtenção dos documentos ou das respectivas cópias.”

Nessa mesma esteira, o Código Civil (Lei n° 10.406/2002), estabelece, claramente, a desnecessidade de reconhecimento de firma nos instrumentos particulares, nos exatos termos de seu artigo 221, verbis:

“Art. 221. O instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem esteja na livre disposição e administração de seus bens, prova as obrigações convencionais de qualquer valor; mas os seus efeitos, bem como os da cessão, não se operam, a respeito de terceiros, antes de registrado no registro público.”

Esse mesmo diploma legal prevê ainda a eficácia probante das reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou coisas, exceto se restar impugnada sua exatidão, conforme expressamente disposto em seu artigo 225:

“Art. 225. As reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão.”

Resta, portanto, absolutamente cristalino que, desde 1999, as leis em vigor, notadamente a Lei n° 9.784/1999 (Lei do Processo Administrativo) e a Lei n° 10.406/2002 (Código Civil), trazem previsão expressa no sentido de promover a simplificação e a desburocratização da vida do cidadão, seja em sua relação com a Administração Pública, seja em sua relação com outras pessoas de direito privado.

No âmbito dos processos de regulação, supervisão e avaliação no sistema federal de ensino, contudo, parece que as disposições acima mencionadas não são aplicáveis, pois, rotineiramente, as instituições são confrontadas com exigências que demonstram desconhecimento ou mera recusa à aplicabilidade das mesmas.

Com efeito, é exigida apresentação de certidões negativas de débito ou de ônus sobre os imóveis, que nada mais são do que o registro de fatos “em documentos existentes na própria Administração responsável pelo processo ou em outro órgão administrativo”, cuja obtenção, como acima exposto, deve ser providenciada pelo agente responsável pela instrução junto ao ente responsável pela emissão do documento.

Nesse mesmo compasso, como admitir a exigência de inclusão de ato de credenciamento ou recredenciamento da instituição nos processos de autorização, reconhecimento ou renovação de reconhecimento de cursos superiores, ou da inclusão do ato de autorização nos processos de reconhecimento ou renovação desses cursos, documentos esses emitidos pelo próprio órgão da Administração onde tramitam os processos?

Também tem sido prática corriqueira, sobretudo por parte dos avaliadores, a exigência, sem qualquer fundamentação ou, conforme exigido expressamente pelo artigo 225 do Código Civil, impugnação de sua exatidão, de cópia autenticada de toda a documentação apresentada pelas instituições de ensino superior, notadamente em relação ao corpo docente.

Parece que essa conduta se repete em todos os órgãos da Administração Pública Federal, tanto que restou recentemente publicado o Decreto n° 9.094/2017, dispondo sobre a simplificação do atendimento prestado aos usuários dos serviços públicos, ratificando a dispensa do reconhecimento de firma e da autenticação em documentos produzidos no país e instituindo a Carta de Serviços ao Usuário.

Cumpre registrar que o referido Decreto praticamente repete o contido nos dispositivos já transcritos acima, extraídos, repita-se, da Lei do Processo Administrativo (Lei n° 9.784/1999) e no Código Civil (Lei n° 10.406/2002), tanto que ratifica a dispensa de reconhecimento de firma e de autenticação em documentos, reiterando, portanto, a previsão legal sobre o tema.

Com efeito, ao estabelecer as diretrizes norteadoras das relações entre os órgãos do Poder Executivo Federal e os usuários de seus serviços, o artigo 1º do Decreto n° 9.094/2017 é claro ao estabelecer:

“Art. 1º Os órgãos e as entidades do Poder Executivo federal observarão as seguintes diretrizes nas relações entre si e com os usuários dos serviços públicos:

I - presunção de boa-fé;

II - compartilhamento de informações, nos termos da lei;

III - atuação integrada e sistêmica na expedição de atestados, certidões e documentos comprobatórios de regularidade;

IV - racionalização de métodos e procedimentos de controle;

V - eliminação de formalidades e exigências cujo custo econômico ou social seja superior ao risco envolvido;

VI - aplicação de soluções tecnológicas que visem a simplificar processos e procedimentos de atendimento aos usuários dos serviços públicos e a propiciar melhores condições para o compartilhamento das informações;

VII - utilização de linguagem clara, que evite o uso de siglas, jargões e estrangeirismos; e

VIII - articulação com os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e os outros Poderes para a integração, racionalização, disponibilização e simplificação de serviços públicos.

Parágrafo único.  Usuários dos serviços públicos são as pessoas físicas e jurídicas, de direito público ou privado, diretamente atendidas por serviço público.”

Além disso, o artigo 2º do referido Decreto prevê que é obrigação dos órgãos e entidades do Poder Executivo Federal obter diretamente do ente público responsável pela base de dados pertinente os documentos comprobatórios de regularidade da situação de usuário dos serviços públicos, de atestados, certidões ou outros documentos comprovatórios constantes de base de dados oficial da administração pública federal, exceto no caso de documentos que contenham informações sigilosas sobre os usuários, hipótese em que, nos termos do artigo 3º, a obtenção fica condicionada à autorização expressa do usuário:

“Art. 2º Salvo disposição legal em contrário, os órgãos e as entidades do Poder Executivo federal que necessitarem de documentos comprobatórios da regularidade da situação de usuários dos serviços públicos, de atestados, de certidões ou de outros documentos comprobatórios que constem em base de dados oficial da administração pública federal deverão obtê-los diretamente do órgão ou da entidade responsável pela base de dados, nos termos do Decreto nº 8.789, de 29 de junho de 2016, e não poderão exigi-los dos usuários dos serviços públicos.”

“Art. 3º Na hipótese dos documentos a que se refere o art. 2º conterem informações sigilosas sobre os usuários dos serviços públicos, o fornecimento pelo órgão ou pela entidade responsável pela base de dados oficial fica condicionado à autorização expressa do usuário, exceto nas situações previstas em lei.”

Outro aspecto importante tratado pelo Decreto em comento é a vedação à recusa de recebimento, pelo protocolo dos órgãos do Poder Executivo Federal, de qualquer requerimento que lhes seja apresentado, exceto em caso de manifesta incompetência, conforme previsto no inciso III de seu artigo 5º:

“Art. 5º No atendimento aos usuários dos serviços públicos, os órgãos e as entidades do Poder Executivo federal observarão as seguintes práticas:

...

III - vedação de recusa de recebimento de requerimentos pelos serviços de protocolo, exceto quando o órgão ou a entidade for manifestamente incompetente.”

O artigo 9º, por seu fim, reitera, como regra geral, a desnecessidade de reconhecimento de firma e de autenticação de documentos, já consagrada pelos diplomas legais anteriormente mencionados, nos seguintes termos:

“Art. 9º Exceto se existir dúvida fundada quanto à autenticidade ou previsão legal, fica dispensado o reconhecimento de firma e a autenticação de cópia dos documentos expedidos no País e destinados a fazer prova junto a órgãos e entidades do Poder Executivo federal.”

Além desses pontos, mais relevantes e diretamente relacionados à tramitação dos processos de regulação, supervisão e avaliação no âmbito do sistema federal de ensino, o Decreto n° 9.094/2017 estabelece, ainda, a necessidade de elaboração e divulgação da Carta de Serviços ao Usuário, descrevendo, de forma clara, as características e demais informações relevantes relativamente aos serviços prestados, assim como a racionalização das normas relativas ao atendimento aos usuários e a adoção de canais para solicitação de simplificação e avaliação dos serviços prestados, entre outros aspectos relativos ao tema.

Acredito que esse Decreto, embora, como acima apontado, traga regras para simplificação do atendimento aos usuários já trazidas por leis vigentes há mais de 15 anos, seja imediatamente aplicado pelos órgãos do sistema federal de ensino, porquanto, além de trazer normas obrigatórias, está em evidente harmonia com a intenção de modernização e flexibilização do contexto regulatório relativo à educação superior.

Qualquer crítica, dúvida ou correções, por favor, entre em contato com a Coluna Educação Superior Comentada, por Gustavo Fagundes, que também está à disposição para sugestão de temas a serem tratados nas próximas edições.

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