Em diversas colunas anteriores, apresentei neste espaço observações acerca dos princípios fundamentais que devem nortear a condução dos processos no âmbito da Administração Pública.
Lembramos, inicialmente, que o inciso LX do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 é absolutamente cristalino ao estabelecer, como direito fundamental, a publicidade dos atos processuais:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
.....
LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;”.
A publicidade dos atos processuais, portanto, somente poderá sofrer restrição por força de lei e, exclusivamente, para defesa da intimidade das partes ou do interesse social.
Assim, a regra geral é que os atos processuais sejam públicos, limitando-se a restrição da publicidade aos casos em que assim o exijam a defesa da intimidade das partes ou do interesse social, como ocorre, por exemplo, no caso de processos envolvendo interesses de menores de idade.
No que diz respeito aos processos no âmbito da Administração Pública, a obrigação de publicidade dos atos processuais decorre, ainda, do disposto no caput do artigo 37 da Constituição Federal, que estabelece a publicidade como princípio fundamental da atuação dos entes públicos:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”
No âmbito da Administração Pública Federal, existe ainda a Lei n° 9.784/1999 que regula o processo administrativo, sendo certo que seu artigo 2º estabelece que, além de obedecer, entre outros, aos princípios da legalidade, a condução dos processos administrativos deverá atender a critérios de atuação, conforme a lei e o direito (inciso I), divulgação oficial dos atos administrativos ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição Federal (inciso V):
“Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
I - atuação conforme a lei e o Direito;
.....
V - divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição;”.
Cabe registrar, como visto acima, que a Constituição Federal somente permite restrição ao princípio da publicidade dos atos processos em duas hipóteses, quais sejam: defesa da intimidade das partes ou do interesse social.
Em consonância com os princípios fundamentais anteriormente delineados, os incisos II e III do artigo 3º da Lei n° 9.784/1999 estabelecem que o administrado tem assegurado, entre outros, o direito de ter ciência da tramitação do processo administrativo em que tenha a condição de interessado, bem como de formular alegações antes do julgamento, as quais devem ser levadas em consideração:
“Art. 3º O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados:
.....
II - ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas;
III - formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente;”.
Outro princípio fundamental consagrado pela Lei n° 9.784/1999 é a previsão de que os atos de instrução processual que demandem atuação do administrado devem ser realizados da forma que lhe seja menos onerosa, nos termos do § 2º do artigo 29 da referida norma legal:
“Art. 29. As atividades de instrução destinadas a averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisão realizam-se de ofício ou mediante impulsão do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias.
.....
§ 2º Os atos de instrução que exijam a atuação dos interessados devem realizar-se do modo menos oneroso para estes.”
Verificamos, portanto, que, além dos atos processuais no âmbito da Administração Pública serem, necessariamente, públicos, os administrados devem ter assegurado o conhecimento da tramitação dos processos em que sejam interessados e garantida a realização dos atos em que devam atuar do modo menos oneroso.
Nesse contexto, seria inimaginável um processo administrativo no qual o administrado tivesse negado o acesso à informação acerca do responsável pela relatoria do mesmo, somente podendo saber quem é o relator de seu processo no momento da sessão de julgamento.
Seria, também, inimaginável, um processo no qual fosse marcada a data do julgamento e o administrado fosse instado a comparecer no início da manhã e ficar à disposição do órgão responsável pelo julgamento até o início da noite com o objetivo de acompanhar a análise de sua pretensão.
Imaginemos que essas situações teratológicas ocorressem em detrimento da atuação de advogado legitimamente constituído nos autos de um processo administrativo...
Evidentemente, o órgão representativo desses profissionais adotaria as medidas legais necessárias à preservação e efetivação dos direitos do profissional, e, sobretudo, do administrado por ele representado.
Mas o que fazer quando essas práticas ocorrem em processo conduzido pela própria autarquia responsável legalmente pela garantia dos direitos e prerrogativas desse profissional?
Pois é, infelizmente, é assim que ocorre a tramitação dos processos de autorização e reconhecimento de cursos de Direito perante a Comissão Nacional de Educação Jurídica da OAB, onde os representantes das instituições de ensino não conseguem ter acesso à identificação do relator do processo, a qual somente poderá ser conhecida no momento da análise do processo, em nítido desatendimento aos princípios da publicidade dos atos processuais e da atuação da Administração Pública na condução dos processos administrativos, bem como ao direito das partes às informações sobre os processos na qual tenham a condição de interessadas.
Além disso, as instituições são comunicadas acerca da marcação de data para apreciação de seus processos, sem que haja a prévia estipulação de uma pauta, com definição, ainda que aproximada, dos horários para apreciação dos processos, sendo, portanto, os representantes das instituições de ensino simplesmente comunicados que, caso tenham interesse em exercer seu direito constitucional de acompanhar a análise de seus processos, devem chegar ao local no início da manhã e permanecer à disposição até o início da noite, sem que se busque a prática do ato processual do modo menos oneroso para a parte interessada.
Tenho certeza que a referida comissão tem motivos relevantes para adoção dos procedimentos acima mencionados, mas tenho, também, a convicção de que, atenta como sempre à observância dos princípios constitucionais e legais, a CNEJ/OAB implantará, com a possível brevidade, modificações na forma de condução dos processos administrativos para manifestação nos pedidos de autorização e reconhecimento dos cursos de Direito, de forma a assegurar a efetividade do acatamento aos princípios insculpidos na Constituição e na Lei n° 9.784/1999.
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