Não há dúvidas acerca da manifesta obsolescência de nossa legislação trabalhista, significativa parte dela com mais de sete décadas de existência e, exatamente por isso, absolutamente inadequada para um mercado de trabalho em franca transformação.
Ao longo dessas sete décadas, diversas alterações foram introduzidas, mas não foram capazes de acompanhar a velocidade das transformações no mundo do trabalho.
Depois de muita polêmica, e mantendo a perspectiva de algumas possíveis alterações posteriores por meio de medidas provisórias ou novos projetos de lei, finalmente restou aprovada a chamada reforma trabalhista, a qual, por meio da Lei n° 13.467/2017, alterou significativamente a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com sua entrada em vigor em novembro de 2017.
A ABMES realizou, no último dia 03/10/2017, importante seminário sobre os aspectos fundamentais da reforma trabalhista e seus reflexos para as mantenedoras das instituições de educação superior particulares, no qual foram abordados, embora sucintamente, as principais modificações na legislação trabalhista.
Entre as diversas modificações, para melhor, de nossa antiga legislação trabalhista, acredito que uma das mais importantes tenha sido a valorização da negociação coletiva, seja por meio de convenção coletiva de trabalho (celebrada entre sindicatos patronal e laboral), seja por meio de acordo coletivo de trabalho (celebrado entre empresa e sindicato laboral).
O instrumento coletivo de trabalho, nos termos do artigo 611-A da CLT, incorporado pela Lei n° 13.467/2017, terá prevalência sobre a lei, inclusive sobre lei específica, podendo dispor, entre outros, sobre quaisquer dos temas previstos no referido dispositivo legal:
“Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:
I - pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais;
II - banco de horas anual;
III - intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas;
IV - adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015;
V - plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança;
VI - regulamento empresarial;
VII - representante dos trabalhadores no local de trabalho;
VIII - teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente;
IX - remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual;
X - modalidade de registro de jornada de trabalho;
XI - troca do dia de feriado;
XII - enquadramento do grau de insalubridade;
XIII - prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho;
XIV - prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo;
XV - participação nos lucros ou resultados da empresa.
§ 1o No exame da convenção coletiva ou do acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho observará o disposto no § 3o do art. 8o desta Consolidação.
§ 2o A inexistência de expressa indicação de contrapartidas recíprocas em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho não ensejará sua nulidade por não caracterizar um vício do negócio jurídico.
§ 3o Se for pactuada cláusula que reduza o salário ou a jornada, a convenção coletiva ou o acordo coletivo de trabalho deverão prever a proteção dos empregados contra dispensa imotivada durante o prazo de vigência do instrumento coletivo.
§ 4o Na hipótese de procedência de ação anulatória de cláusula de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, quando houver a cláusula compensatória, esta deverá ser igualmente anulada, sem repetição do indébito.
§ 5o Os sindicatos subscritores de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho deverão participar, como litisconsortes necessários, em ação individual ou coletiva, que tenha como objeto a anulação de cláusulas desses instrumentos.”
Registre-se que a enumeração contida no artigo 611-A da CLT não é restritiva, sendo certo que outros temas da relação de trabalho podem ser tratados em instrumentos de negociação coletiva, desde que não esteja expressamente vedada sua utilização para supressão ou redução dos direitos expressamente ressalvados pelo disposto no artigo 611-B da mesma norma legal:
“Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos:
I - normas de identificação profissional, inclusive as anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
III - valor dos depósitos mensais e da indenização rescisória do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS);
IV - salário mínimo;
V - valor nominal do décimo terceiro salário;
VI - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
VII - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
VIII - salário-família;
IX - repouso semanal remunerado;
X - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% (cinquenta por cento) à do normal;
XI - número de dias de férias devidas ao empregado;
XII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;
XIII - licença-maternidade com a duração mínima de cento e vinte dias;
XIV - licença-paternidade nos termos fixados em lei;
XV - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;
XVI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;
XVII - normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho;
XVIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas;
XIX - aposentadoria;
XX - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador;
XXI - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;
XXII - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência;
XXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;
XXIV - medidas de proteção legal de crianças e adolescentes;
XXV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso;
XXVI - liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho;
XXVII - direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender;
XXVIII - definição legal sobre os serviços ou atividades essenciais e disposições legais sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade em caso de greve;
XXIX - tributos e outros créditos de terceiros;
XXX - as disposições previstas nos arts. 373-A, 390, 392, 392-A, 394, 394-A, 395, 396 e 400 desta Consolidação.
Parágrafo único. Regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo.”
Os direitos elencados no artigo supratranscrito, portanto, não podem ser objeto de redução ou supressão por parte de instrumentos de negociação coletiva de trabalho, sendo certo, portanto, que para todos os demais aspectos das relações laborais é possível a adoção desses instrumentos, cujas disposições terão prevalência sobre as leis.
Um aspecto fundamental, contido no parágrafo único do retro mencionado artigo 611-B da CLT é a previsão expressa de que as regras relativas à duração do trabalho e intervalos não são consideradas normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para fins de vedação à prevalência das normas de negociação coletiva sobre o texto legal.
Vale dizer, os instrumentos coletivos de trabalho podem dispor sobre duração do trabalho e sobre os intervalos intrajornada e interjornada, possuindo tais disposições valor prevalente ao texto legal.
Convém registrar que, mesmo antes da edição da Lei n° 13.467/2017, o Egrégio Supremo Tribunal Federal já vem adotando o preclaro entendimento acerca da efetividade e plena aplicabilidade dos instrumentos de negociação coletiva validamente estipulados, inclusive, no que diz respeito ao caso específico analisado, à validade da quitação ampla no caso de adesão a plano de dispensa incentiva, como demonstra o Acórdão ora trazido:
“EMENTA
Ementa: DIREITO DO TRABALHO. ACORDO COLETIVO. PLANO DE DISPENSA INCENTIVADA. VALIDADE E EFEITOS. 1. Plano de dispensa incentivada aprovado em acordo coletivo que contou com ampla participação dos empregados. Previsão de vantagens aos trabalhadores, bem como quitação de toda e qualquer parcela decorrente de relação de emprego. Faculdade do empregado de optar ou não pelo plano. 2. Validade da quitação ampla. Não incidência, na hipótese, do art. 477, § 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, que restringe a eficácia liberatória da quitação aos valores e às parcelas discriminadas no termo de rescisão exclusivamente. 3. No âmbito do direito coletivo do trabalho não se verifica a mesma situação de assimetria de poder presente nas relações individuais de trabalho. Como consequência, a autonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos mesmos limites que a autonomia individual. 4. A Constituição de 1988, em seu artigo 7º, XXVI, prestigiou a autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas, acompanhando a tendência mundial ao crescente reconhecimento dos mecanismos de negociação coletiva, retratada na Convenção n. 98/1949 e na Convenção n. 154/1981 da Organização Internacional do Trabalho. O reconhecimento dos acordos e convenções coletivas permite que os trabalhadores contribuam para a formulação das normas que regerão a sua própria vida. 5. Os planos de dispensa incentivada permitem reduzir as repercussões sociais das dispensas, assegurando àqueles que optam por seu desligamento da empresa condições econômicas mais vantajosas do que aquelas que decorreriam do mero desligamento por decisão do empregador. É importante, por isso, assegurar a credibilidade de tais planos, a fim de preservar a sua função protetiva e de não desestimular o seu uso. 7. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho, em razão de adesão voluntária do empregado a plano de dispensa incentivada, enseja quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas objeto do contrato de emprego, caso essa condição tenha constado expressamente do acordo coletivo que aprovou o plano, bem como dos demais instrumentos celebrados com o empregado”.
Decisão
O Tribunal, apreciando o tema 152 da repercussão geral, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, conheceu do recurso extraordinário e a ele deu provimento, fixando-se a tese de que a transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho em razão de adesão voluntária do empregado a plano de dispensa incentivada enseja quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas objeto do contrato de emprego caso essa condição tenha constado expressamente do acordo coletivo que aprovou o plano, bem como dos demais instrumentos celebrados com o empregado. Impedida a Ministra Rosa Weber. Ausentes, justificadamente, o Ministro Celso de Mello e, participando, na qualidade de Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, de palestra e compromissos na República Italiana e do Programa de Visitantes Internacionais, por ocasião das Eleições para a Câmara dos Comuns do Reino Unido, o Ministro Dias Toffoli. Falaram, pelo Banco do Brasil S/A (sucessor do Banco do Estado de Santa Catarina S/A - BESC), o Dr. Sonny Stefani, OAB/PR 28.709, e, pela recorrida Claudia Maira Leite Eberhardt, o Dr. Alexandre Simões Lindoso - OAB/DF 12.067. Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 30.04.2015.” (RE 590415/SC, Pleno, Rel. Ministro Roberto Barroso, v.u., julgamento em 30.4.2015, DJe-101 28.05.2015, Publicação em 29.05.2015).
Diante disso, podemos concluir que, a partir da entrada em vigor da Lei n° 13.467/2017, os instrumentos coletivos de trabalho ganharão ainda mais efetividade, sendo certo que poderão tratar, com mais segurança, de diversos aspectos relativos às relações laborais no âmbito das instituições de educação superior particulares.
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