Nos últimos três anos, temos visto a principal política pública de inclusão e acesso de alunos de baixa renda ao ensino superior minguar. A cada nova medida ou alteração sofrida, o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) foi deixando ainda mais distante o sonho de milhões de jovens brasileiros de obterem uma graduação.
A última "pá de cal" pode ter sido jogada pelo governo federal ao editar a medida provisória 785/2017, que altera as regras do programa.
Para bom entendedor, o recado foi dado: sem querer assumir o ônus político de extinguir uma das iniciativas mais exitosas das últimas décadas, o governo optou por redesenhá-la de modo que sua execução seja praticamente inviabilizada nas duas pontas do processo. Tanto para os alunos quanto para as instituições de educação superior, a MP 785 praticamente decreta o fim do Fies.
Para os estudantes, os problemas são diversos. A atual taxa de juros de 6,5% é substituída por três patamares, sendo que, no último, onde será ofertado o maior número de vagas, ela passará a ser regulada pelo mercado, já que os bancos privados serão os responsáveis pela operação do financiamento.
Outro entrave passa a ser a extinção do prazo de carência de 18 meses para início da amortização da dívida após a conclusão do curso superior.
E isso sem mencionar diversos outros pontos, além da manutenção das dificuldades criadas desde 2015, quando o programa deixou de financiar 100% das mensalidades e passou a exigir desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) incompatível com a qualidade da educação básica pública ofertada em boa parte das escolas do país —exatamente onde está concentrada a maior parcela do público-alvo do Fies.
Essa precarização também é verificada na relação do programa com as instituições de educação superior. O pagamento direto para os bancos da diferença entre o valor financiado e valor da mensalidade —a ser repassado posteriormente para as IES; a indexação do reajuste das mensalidades dos beneficiados pelo Fies com base em taxa fixada pelo governo; e a elevação da contribuição para o Fundo Garantidor do Fies (FGEDUC) pelas IES de 6,5% para até 25% são alguns itens indigestos do cardápio oferecido às instituições e que inviabilizam a oferta do programa por elas.
Como justificativa para tamanha transformação, o governo alia o discurso de austeridade fiscal à falácia da alta inadimplência do Fies. Para chegar ao índice de 50% de descumprimento dos contratos, como insiste em alardear, o Executivo federal adicionou à conta os estudantes que ainda estão no prazo de amortização.
Vale registrar, contudo, que apenas 5% dos contratos vigentes encontram-se nesta etapa, com cerca de 30% de inadimplência. Portanto, estamos falando em 30% de 5% dos contratos, e não de 100%.
Ao converter uma política pública social em política econômica, o governo dá as costas para a relevância da iniciativa para a transformação de indivíduos e da nação como um todo.
Tratar investimento em educação como gasto não foi o caminho percorrido por quem já atingiu patamares de qualidade que ainda vislumbramos em um horizonte distante. Tão distante que nem nossas metas internas conseguiremos alcançar caso a política educacional siga este fluxo.
Afinal, atingir 33% de taxa líquida de jovens com idades entre 18 e 24 anos inseridos na educação superior é algo praticamente inviável sem um pacto social que viabilize o acesso desses meninos e meninas às instituições particulares, responsáveis por mais de 75% dos alunos de graduação no país.
As audiências públicas realizadas na Comissão Mista que analisou a MP 785/2017 no Congresso Nacional mostraram que alternativas existem e que tanto as instituições de educação superior quanto a sociedade civil estão dispostas a dialogar no sentido de construir um programa de financiamento da educação superior que atenda às necessidades de todas as partes envolvidas.
O que não se pode permitir é que o país continue mantendo longe dos bancos das faculdades aqueles estudantes de famílias menos favorecidas que sonham com uma profissão e com uma vida melhor.
Sem o Fies, caminharemos com passos firmes rumo ao retrocesso da educação superior e, em curto intervalo de tempo, teremos ameaçado tanto o desenvolvimento social quanto o desenvolvimento econômico do país. É esse o futuro que desejamos?
*Sólon Caldas é diretor executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES)