O estudante Guilherme Dias Rodrigues Miranda, de 27 anos, deixou o curso de engenharia de produção em 2016 por não conseguir pagar as mensalidades.
Em 2013, começou a ter diculdades financeiras e contrariu uma dívida com a faculdade. Todos os anos, precisava pagar metade do valor devido na hora de fazer a rematrícula para o próximo ano letivo.
Candidatos defendem mensalidade em universidades públicas
Em 2016, a dívida já estava na casa dos R$ 50 mil e Guilherme não conseguiu pagar o valor necessário para a rematrícula. Por isso, saiu da instituição, sempre pensando em voltar. Neste ano, entrou em contato com a faculdade para renegociar o valor.
Faculdades acreditam que atrasos no Fies prejudicam calendário de matrículas
“Como ficamos muito tempo sem pagar, a universidade acabou protestando a dívida e colocou a conta do meu pai em bloqueio judicial”, conta. Acionou um advogado e começaram o acordo. Depois das negociações, Miranda vai se rematricular na mesma instituição em 2019, para continuar o curso de onde parou. “Uma das cláusulas da negociação é que eles não poderiam barrar a minha matrícula”, afirma.
Alunos com Fies pagam mensalidades mais caras que estudantes fora do programa, diz CGU
Para o superintendente de finanças do SPC Brasil, Flávio Borges, o estudante deve chegar na instituição para renegociar a dívida demonstrando que conhece suas despesas e receitas. “Isso passa por um controle de tudo o que entra e o que sai, porque é dentro dessa conta que tem que caber o valor da renegociação e das mensalidades que vai pagar”, explica.
Borges orienta que o estudante se antecipe e leve um demonstrativo com estes valores, para provar que é capaz de arcar com a renegociação que irá propor.
O poder de barganha também é importante nesta hora. Como o setor de ensino superior possui um grande número de instituições, buscar os preços na concorrência pode ser uma boa forma de conseguir preços mais baixos para o semestre ou ano letivo ou para tomar uma decisão mais acertadas sobre renegociar ou mudar de faculdade.
“Ou ele [o inadimplente] vai ter que buscar outras formas de obter renda, que é mais difícil considerando o desemprego”, afirma. Buscar por financiamentos públicos ou estudantis, como o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), podem ser uma alternativa.
Para evitar que a dívida aumente cada vez mais, Borges aconselha que o estudante tente uma bolsa de estudos na faculdade, que pode ser parcial ou integral, mesmo que estas são mais difíceis, por causa da própria crise econômica.
Flávio Borges defende que os estudantes avaliem tantos os custos financeiros do acordo e a razoabilidade dentro das leis do direito do consumidor e das possibilidades da instituição de ensino.
“A pessoa tem que pesquisar sobre os direitos que ela tem enquanto consumidora e avaliar com carinho uma renegociação para ver eventuais encargos financeiros, os juros, as condições da renegociação. Pode ser que ela esteja estendendo o parcelamento por muito tempo, mas em condições desfavoráveis”, afirma.
Depois de avaliar com o cuidado citado por Borges, uma estudante de engenharia civil, de 22 anos, que pediu para não ter o nome citado, decidiu sair da faculdade em julho deste ano por não conseguir arcar com as mensalidades atrasadas e com as do ano vigente.
Ela precisou renegociar a dívida de mensalidades atrasadas duas vezes — em janeiro de 2017 e janeiro de 2018. Com ajuda financeira do pai e dando aulas particulares, a estudante tentava pagar a mensalidade, mas a conta não fechava. No nal de 2017, estava com uma dívida de cerca de R$ 14.000.
“Só consegui finalizar a matrícula [para 2018] depois que eu paguei o valor da entrada e caiu na conta da faculdade. Eu tive que pegar dinheiro emprestado com meu cunhado para poder pagar a entrada, que era um valor alto, quase 50% da dívida”, conta.
Na época, precisou pagar 50% da dívida de entrada (cerca de R$ 7.000), dinheiro que conseguiu pedindo emprestado a um familiar, e o restante foi parcelado em cinco vezes. Ao somar as parcelas e as mensalidades do ano seguinte, não conseguiu arcar com os custos e mudou de instituição de ensino.
Para ela, trocar de instituição de ensino foi a melhor escolha. “Mesmo gostando muito da faculdade e perdendo o meu primeiro semestre mudando para outra, foi melhor sair, porque a dívida ficaria alta de novo”, diz.
Ensino ostentação: veja como é o dia a dia dos alunos nas faculdades de elite em SP
O que diz a lei
As regras para as mensalidades escolares e universitárias são determinadas na lei 9.870, de 23 de novembro de 1999. A coordenadora do Procon-SP, Marcele Soares, explica que a legislação permite que as instituições recusem a rematrícula de alunos inadimplentes. No entanto, caso haja um acordo entre o endividado e a faculdade, o local é obrigado a aceitar o aluno.
“Não pode haver sanção pedagógica para o aluno durante o ano letivo. Por exemplo, se um estudante fez a matricula em janeiro e passou a ser inadimplente em abril, a empresa não pode recusar provas e de fornecer documentos no período”, explica.
Marcele também reforça a importância de registrar todos os tópicos do acordo. “Tudo que for acordado deve estar em contrato”, afirma.
Segundo a lei, “o desligamento do aluno por inadimplência somente poderá ocorrer ao final do ano letivo ou, no ensino superior, ao final do semestre letivo quando a instituição adotar o regime didático semestral”.
Já o artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor determina que os inadimplentes — de todos os tipos — não podem ser constrangidos ou ameaçados por causa da dívida.
Procurado pela reportagem, o diretor executivo da ABMES (Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior), Sólon Caldas, diz que a renegociação faz “parte da gestão de cada instituição de ensino. A ABMES não orienta as IES com relação a aspectos operacionais/gerenciais, pois tem a sua atuação voltada para o âmbito da regulação e das políticas públicas para o setor”.
Caldas diz que a legislação permite tipos diferentes de pagamentos para as dívidas estudantis e que “portanto, a renegociação fica a critério da instituição de ensino que toma a decisão com base na análise da sua capacidade econômica e financeira de suportar os termos do pagamento parcelado da dívida do estudante”.