Como já havia sido tratado na coluna publicada em 26/07/2017, a Lei n° 10.260/2001, que regulamenta o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), restou significativamente alterada pela Medida Provisória n° 785/2017.
Naquela ocasião, tentei apresentar, embora de forma resumida, as principais modificações trazidas, sempre registrando a sua instabilidade por serem introduzidas por meio de medida provisória, suscetível, portanto, de modificações no Congresso Nacional.
Evitei, naquela ocasião, externar opinião sobre o impacto das mudanças no futuro do Fies, preferindo aguardar o seminário que seria realizado pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) sobre o tema, para validar ou não minha percepção.
Acompanhei, portanto, atentamente o seminário, tanto a fala dos expositores quanto os debates que se seguiram. E registro que minha percepção sombria sobre o futuro do Fies se confirmaram.
Como já apontado na coluna anterior, uma das novidades trazidas foi a possibilidade de que qualquer instituição financeira, devidamente autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil, possa conceder financiamentos com recursos do Fies, como previsto na nova redação do §2º do artigo 3º da Lei n° 10.260/2001.
A pergunta que fica, sobretudo em tempos de crise, embora com sinais de frágil superação desta, é se os agentes financeiros com atuação no mercado terão interesse em oferecer financiamento de valores significativos para pessoas com capacidade financeira notadamente reduzida, como os interessados elegíveis em participar do Fies. Tenho a impressão de que esse não é o público almejado pelos agentes financeiros.
Outro aspecto importante a ser destacado é o mal disfarçado retorno da figura do tabelamento das anuidades e semestralidades praticadas pelas instituições de ensino.
Com efeito, a partir do momento em que as instituições ficam obrigadas a limitar o reajuste dos valores contratados àqueles definidos pelo Comitê Gestor do Fies (CG-Fies), responsável pela definição dos critérios e formas de reajuste dos valores praticados no âmbito do programa, e considerando que os valores praticados para os alunos dele participantes não podem ser diferentes daqueles praticados para os demais estudantes, resta de todo evidente, apesar dos argumentos aduzidos pelo Ministério da Educação (MEC), que está ocorrendo uma revogação, pela via transversa, dos dispositivos da Lei n° 9.870/1999, especialmente aqueles que permitem à instituição de ensino fixar livremente os valores praticados, na forma de suas planilhas de custos previamente divulgadas.
Além dessa limitação à livre formação dos valores devidos como contraprestação pelos serviços educacionais prestados, há, ainda, o considerável aumento do custo imposto às instituições de ensino para manutenção e custeio do Fies.
Com efeito, além da parcela de 2% (dois por cento) sobre o valor dos encargos educacionais liberados, retida para custear a remuneração dos agentes financeiros, há que se registrar o aumento significativo do valor da garantia a ser suportado pela instituição de ensino, que saltará, no primeiro ano de sua adesão ao FG-Fies, para 13%, podendo chegar a até 25% entre o segundo e quinto ano de sua participação, para, então, estabilizar-se na razão entre o valor apurado para pagamento da honra e o valor mensal esperado do pagamento pelo financiado, referente ao ano anterior, da carteira da mantenedora, após o quinto ano, razão esta que para o sexto e sétimo anos não poderá ser inferior a 10%.
Some-se a esses encargos a provável cobrança, pelos agentes financeiros, de taxas de administração para receber dos estudantes as parcelas não financiadas e simplesmente fazerem seu repasse às instituições de ensino, pois, com a nova redação da norma legal, essas parcelas não financiadas não mais serão adimplidas diretamente às instituições, devendo passar, necessariamente, pelas mãos dos agentes financeiros.
Vale dizer, além dos agentes financeiros ficarem com esses valores em seu poder durante algum tempo e dele poderem fazer uso para investimentos, eles deverão passar apenas os valores históricos recebidos às instituições de ensino, de modo que, além de manterem em seus cofres as receitas de eventuais investimentos com esses ativos, ainda cobrarão pelo serviço de intermediação entre aluno e instituição de ensino, encarecendo, ainda mais, a participação das instituições de ensino no programa de financiamento.
Isso tudo, registre-se, sem terem a responsabilidade pela cobrança de eventuais parcelas inadimplidas, a qual, curiosamente, recairá sobre as instituições de ensino, em mais uma hipótese de oneração de sua participação no programa de financiamento.
Os estudantes também suportarão mais encargos para participar do Fies a partir de 2018 com a exigência de contratação de seguro prestamista para as hipóteses de morte ou invalidez permanente, nos termos do introduzido artigo 6°-D.
O Fies vem sendo, paulatinamente, atingido por modificações que o tornam cada vez menos atraente para alunos e instituições de ensino, acredito que as recentes modificações não mudam, em nada, o panorama sombrio para o referido programa.
Infelizmente, essa tomada de consciência está sendo feita de modo muito doloroso, inclusive com o sacrifício de muitos sonhos, mas é certo que o poder público não tem como implementar um programa de financiamento acima de suas limitações financeiras, sobretudo em um país onde, historicamente, a educação não é prioridade e nem recebe status de política de Estado, sendo relegada a um joguete nas políticas de governo.
Assim, lamentavelmente, esse é o real estado do Fies, artificialmente inflado e, agora, penosamente reduzido à sua dolorosa realidade.
A presente peça não traduz uma crítica ao trabalho incessante do MEC para modernizar o contexto regulatório existente e para encontrar meios de viabilizar o Fies, mas aponta para, no conjunto de regras atualmente existentes, a falta de perspectiva de avanço e ampliação desse programa de financiamento.
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