Conselhos profissionais e entidades que representam instituições de Ensino Superior estão em queda de braço. O motivo é que alguns conselhos decidiram barrar a inscrição profissional de formandos em cursos a distância. Entre as alegações, está a de que o curso EAD não atende às necessidades de formação de determinadas áreas. Por outro lado, entidades que representam as instituições de ensino foram para a Justiça contra as decisões.
Em posicionamentos recentes, conselhos como o de Arquitetura e Urbanismo, Odontologia e Medicina Veterinária publicaram resoluções que impedem o registro de egressos de cursos EAD.
Segundo o Conselho Federal de Arquitetura e Urbanismo, o curso “têm como base a condição geográfica e espacial, ao mesmo tempo que o convívio é fundamental para a vivência e o questionamento do próprio espaço, sendo impossível passar essa experiência da relação professor/aluno à distância”.
De acordo com o CAU, o último levantamento realizado no início de fevereiro apontou a existência de 32 instituições oferecendo 84 mil vagas em EAD, em mais de 400 polos espalhados pelo país. Desses, nove cursos estão em andamento.
Apesar disso, ainda não há egressos de Arquitetura e Urbanismo a distância, até o momento. E o conselho alerta os estudantes para se atentarem à modalidade de seus cursos e a possibilidade de recusa do registro, após a resolução.
Debate público
O CAU diz reconhecer que os avanços na área de ensino a distância são importantes e se propõe a participar de um amplo debate público sobre seu alcance e limitações nas áreas de conhecimento que exigem formação teórico-prática e que se não forem observadas, podem colocar em risco a vida, o patrimônio e o meio ambiente.
“Em Arquitetura e Urbanismo, o espaço físico adequado é parte do processo de ensino e favorece o aprendizado. Se dar sentido a espaços – físicos e reais – é o dever de ofício, como fazê-lo na virtualidade?”, questiona o conselho.
O MEC
Em relação ao imbróglio, o Ministério da Educação, citou que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) dispõe, em seu Artigo 80, que o Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino.
“Além do Decreto 9.057, de 2017, que regula o supracitado artigo 80 da LDB, dispondo em seu artigo 2º que a educação superior poderá ser ofertada na modalidade a distância, existe a Portaria 1.428, de 2018, que dispõe sobre a possibilidade de introduzir disciplinas na modalidade a distância na organização pedagógica e curricular dos cursos de graduação presenciais regularmente autorizados, atendidos os requisitos e respeitados os limites impostos na respectiva portaria”.
Segundo o Mec, a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior cumpre como que determina a legislação vigente sobre o tema. Quanto às decisões dos conselhos profissionais, a pasta limitou-se a afirmar que não interfere na relação de graduados com os referidos conselhos. Ressalta ainda que os diplomas de cursos superiores reconhecidos pelo MEC, quando registrados, possuem validade nacional como prova da formação recebida por seu titular.
Entidades de nível superior vão à Justiça
Diante do cenário, o Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior (Semesp) ingressou em juízo contra os conselhos profissionais de diferentes áreas que publicaram resoluções proibindo a inscrição e o registro de alunos egressos de cursos EAD.
Juntamente com a Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed) a entidade divulgou um posicionamento no qual afirma que as resoluções configuram-se como um ato ilegal, já que não cabe a esses órgãos (os conselhos) avaliar ou restringir o registro profissional de alunos graduados em cursos reconhecidos pelo MEC.
Projetos
Para as entidades, as instituições de ensino possuem projetos diversos que devem ser discutidos com maior atenção e profundidade, sem generalizações como as propostas pelas resoluções dos conselhos.
“Hoje, a legislação é clara e não cabe aos conselhos definir sobre o projeto pedagógico ou modalidade dos cursos. Além disso, eles não podem negar o registro profissional para quem tem um diploma regular”, afirma o diretor jurídico do Semesp, José Roberto Covac.
Covac afirma que os cursos EAD, com disciplinas que exigem prática ou dependem de laboratórios, já oferecem aulas presenciais. “Estão criando uma insegurança desnecessária”.
Formação é mais contestada na área da Saúde
Porém, é entre os cursos da área de Saúde que a formação a distância é mais colocada em xeque. Vários conselhos posicionaram-se contrários à formação em EAD na área. O Conselho Federal de Medicina Veterinária aprovou resolução que proíbe a inscrição de alunos formandos em cursos EAD. Sem a inscrição na entidade, o egresso fica proibido de exercer a profissão.
De acordo com o presidente do CFMV, Francisco Cavalcanti, os estudantes precisam de um treinamento consistente e presencial para conseguir atender pacientes que não podem comunicar verbalmente o que sentem.
“Já é um processo complexo de aprendizagem em aulas presenciais. Imagine como seria aprender isso virtualmente? Como seriam aulas on-line de auscultação do coração ou dos movimentos estomacais?”, indaga o presidente.
A decisão de negar o registro para formandos em cursos EAD é, segundo ele, uma forma do conselho zelar pela qualidade do mercado de trabalho e pela saúde da população.
Levantamento do CFMV aponta que existem atualmente 13 cursos autorizados, três iniciados e 47,8 mil vagas em cursos a distância no país.
Prevenção
O Conselho Federal de Odontologia também aprovou resolução restringindo o registro a formando em cursos presenciais. “O trabalho do CFO é no sentido de prevenir – não há formandos em EAD na área–e alertar a sociedade sobre os prejuízos e riscos que podem ser irreversíveis à saúde da população no caso de formação de Odontologia que não esteja adequada”, afirma em nota a entidade.
O conselho garante que não é contra o ensino a distância, mas entende que para os cursos da área de Saúde, a formação presencial é a que garantirá a qualidade no atendimento à população.
O presidente do Conselho Federal de Farmácia (CFF), Walter Jorge João, deliberou pela proibição de inscrição e o registro pelos Conselhos Regionais de Farmácia (CRFs) de alunos egressos de cursos na área realizados na modalidade de ensino a distância. A resolução será encaminhada para apreciação do plenário.
“Não acreditamos que seja possível desenvolver o lado humanístico do cuidado em saúde sem o contato direto e contínuo com o paciente. Especialmente se considerarmos que a humanização é um dos fundamentos do Sistema Único de Saúde (SUS)”.
Compreensão
A Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) também foi à Justiça contra as ações dos conselhos. Para o diretor executivo da entidade, Sólon Caldas, é possível que falte compreensão técnica da dimensão pedagógica dos cursos EAD. Segundo ele, a orientação da ABMES é que instituições de educação superior e estudantes aguardem as providências que estão sendo tomadas, mas deem continuidade em seus cursos.